* Francisco Silva
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Agora que passaram 50 anos - comemorou-se o lançamento do Sputnik 1 no espaço em 4 de Outubro de 1957 -, ainda dá para pensar aquela do Professor Varela Cid, professor, creio que de Aerodinâmica do Instituto Superior Técnico - e não, como há quem o diga, Professor de Astronáutica, que a náutica entre astros ainda estava para começar - que veio, ele, Varela Cid, para os órgãos de comunicação social, dizer que era impossível colocar um satélite no espaço, que se tratava de propaganda «russa»…
Por essa altura, andava eu pelo terceiro ano «dos liceus», hoje sétimo ano do «básico», como aluno interno no Colégio Militar e não teria sido fácil ouvir tal atoarda em directo. No entanto, transcrevo a seguir um testemunho de Álvaro Belo Marques que, com toda a facilidade, encontrei na Web(1):
«(…) Uma vez, estava eu a estudar, com o Rádio Clube Português em fundo, eram quase onze da noite, quando oiço o professor de Aerodinâmica no IST, doutor Varela Cid, dizer que o Sputnik era uma invenção propagandística dos russos e que era impossível lançar no espaço um satélite artificial. Logo em seguida, falou Henrique Galvão, pela Aeronáutica Civil, dizendo que, para pôr um satélite em órbita, bastava ter tecnologia e cérebros. Dá as onze e o RCP anuncia que o Observatório Nacional acabava de assinalar a passagem do Sputnik e que o seu bip-bip se poderia ouvir na frequência tal e tal, a dos crédulos. O professor, se tivesse esperado cinco minutos, não teria caído no ridículo (…)».
O bip-bip… o mesmo que ouvi no 4 de Outubro deste 2007 na RDP2 quando me dirigia para o trabalho. Uma efeméride chamada, de seu direito, à primeira página do Público - há que assinalá-lo -, com uma bela fotografia, uma efeméride que marca o início da empresa espacial por parte da espécie homo sapiens sapiens. E, por um momento, desviemo-nos do Varela Cid daquele Portugal, de que vamos sofrendo, ainda com forte intensidade, as heranças das suas ramificações, e veja-se o que, por exemplo, poderia saber o Presidente Eisenhower.
A Casa Branca, ao mesmo tempo que não se quis pronunciar sobre os aspectos militares do lançamento do Sputnik 1 - Ai, a quente Guerra Fria! -, declarou que o acontecimento não constituía uma surpresa. Com efeito, por exemplo, «o Presidente dos EUA Dwight Eisenhower dispunha de fotografias das instalações soviéticas tiradas desde 1956 a partir de voos conduzidos por [aviões] U-2 da Lockheed»(2).
E acerca do impacto provocado na sociedade dos EUA (e seguramente na generalidade das sociedades ocidentais), de acordo com John Logsdon: «Os nossos filmes e programas de televisão nos anos 50 estavam cheios com a ideia de ir para o espaço. O que surpreendeu foi o facto de ter sido a União Soviética a lançar o primeiro satélite. Não é fácil evocar o ambiente daquele tempo»(3).
Portanto, tanto para o presidente dos EUA como para a respectiva sociedade o facto de ter sido colocado um satélite no espaço exterior não constituiu nenhuma surpresa - no entanto, o ter sido considerado impossível pelo Professor português, da área talvez mais condizente, terá constituído uma surpresa. E tanto que, como surpresa «significa» informação, pavlovianamente lá saltou, de uma já então salivante área mediática, quem lhe difundisse a opinião «científica» - lá teve Varela Cid a oportunidade; infelizmente - estando lúcido - para ele.
Voltando agora à citada fotografia do Público na edição de 4 de Outubro, deve ser referido, para os que não a viram, que ela representava o planeta vermelho - Marte que recentemente reapareceu nos media a propósito da preparação, na Rússia, de uma expedição a esse planeta. Lá mostraram na televisão a instalação onde os astronautas se preparam para este empreendimento. Lá referiram, e mostraram uma fotografia sua, na televisão, Tsiolkovski, do entusiástico «pai» - como se usa actualmente dizer - da Astronáutica soviética, e por que não dizê-lo, da Astronáutica. Tsiolkovski que, na obra teórica «A exploração do espaço cósmico por motores de reacção», publicada em 1903, discute quais os combustíveis necessários para que um foguetão possa dispor da potência suficiente para se libertar da atracção terrestre e atingir outros planetas.(4) Já então!
Enfim, o Sputnik 1 era um elo fundamental de uma epopeia com pernas para andar, atravessando tempestades e marés. Marte está programado para próxima escala.
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(1) - Apesar das Guerras - crónica de Álvaro Belo Marques
(2) - Sputnik 1 - Wikipedia The Free Encyclopedia
(3) - Ibidem
(4) - Constantin Tsiolkovski - Wikipedia FR
in Avante Nº 1767 - 11.Outubro.2007
Gravura - Selo Sputnik 1. "O primeiro satelite artificial da Terra"
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