Discurso de Lula da Silva (excerto)

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domingo, 17 de fevereiro de 2013

José Pacheco Pereira - No centenário de Álvaro Cunhal


NO CENTENÁRIO DE ÁLVARO CUNHAL


 



Deixado para trás um trabalho - parte de outro trabalho maior, de muitos anos, sobre a extrema-esquerda -, que vai sair em livro muito em breve, volto à biografia de Álvaro Cunhal. Desde a publicação do terceiro volume, cobrindo os anos de prisão entre 1949 e a fuga nos primeiros dias de 1960, mantive sempre uma contínua recolha de materiais relativos ao biografado, cujo número aumentou consideravelmente. Entretanto Cunhal morreu, e um número significativo de livros e recolhas têm vindo a ser publicados, à volta da personagem, quer como homenagens relacionadas com a sua morte, quer explorando aspectos da sua vida e testemunhos biográficos. Este ano, ano do centenário do seu nascimento, o PCP anuncia um número significativo de iniciativas comemorativas, pelo que muito se irá ouvir falar de uma das personagens mais interessantes do século XX português, com enorme importância para a vida nacional, das antigas colónias e mesmo do movimento comunista internacional nas últimas décadas de existência da URSS. 


O funeral de Álvaro Cunhal, a última grande manifestação de massas do comunismo histórico, ocorrida numa democracia ocidental, mostra como a personagem ultrapassou o PCP e os comunistas, para em Portugal ser visto como uma espécie rara de "santo" laico, exemplo de virtudes pessoais na vida política, exactamente aquelas que quase ninguém associa hoje a qualquer político: honestidade, probidade, dedicação a uma convicção própria, sem esperar benesses ou vantagens, bem pelo contrário. Não é possível negar que Cunhal tinha essas virtudes, mas também é óbvio, para quem conheça a sua vida e a sua obra, que cultivou deliberadamente essa imagem de si próprio. E Cunhal é muito mais complexo psicologicamente e contraditório nos seus sentimentos do que a fachada férrea que construiu, o que é evidente na caracterização das personagens em que se auto-retrata na sua ficção.


Fora alguns escassos estudos sobre a história do PCP, menos numerosos do que a bibliografia sobre Cunhal ele mesmo, alguns de carácter académico ainda inéditos, e deixando de lado uma excepção na regra dominante que é o livro de citações de Miguel Carvalho, Álvaro Cunhal Íntimo e Pessoal, a maioria do que se publicou sobre Álvaro Cunhal é de carácter testemunhal, sem distanciação qualquer em relação aos eventos. Os livros de João Céu e Silva, Álvaro Cunhal e as Mulheres Que Tomaram Partido, e Uma Longa Viagem com Álvaro Cunhal, são os que neste tipo de publicações contêm testemunhos mais interessantes. 


Há igualmente muita hagiografia sobre Cunhal, como é o caso da série de depoimentos organizada por Urbano Tavares Rodrigues, É Tempo de Começar a Falar de Álvaro Cunhal e alguns livros de entrevistas a Cunhal nos seus últimos anos de vida. Um exemplo é a entrevista excessivamente sentimental que Maria Valentina Paiva faz, intitulada Ao Canto do Espelho, no mesmo tom das Cinco Conversas com Álvaro Cunhal de Catarina Pires. Não é que procurando bem não se encontrem algumas informações úteis, no meio de páginas e páginas de panegírico acrítico, mas são um efectivo desperdício. 


O que elas revelam é à revelia dos seus autores. Como é o caso deste retrato perfeito da notável capacidade de sedução que Cunhal tem para com as mulheres, visível neste início de entrevista que é todo um tratado:

"Catarina - Se estiver de acordo, podemos começar por falar sobre a história e sobre a forma como esta tem sido escrita ao longo dos tempos...
Álvaro - ... desculpa interromper... mas eu trato-te por tu... estás a tratar-me na terceira pessoa... não é cómodo numa conversa...
Catarina - Está bem, eu trato-o por tu..."

Catarina tem 24 anos, o "Álvaro" tem 85 e era quem era. A partir daqui, desta intimidade forçada, quem manda na conversa é Álvaro Cunhal, que, aliás, salvo raras excepções, era muito mais aberto a ser entrevistado por mulheres do que por homens.


Outros testemunhos mais hostis são muito desiguais, e, no caso das obras escritas por ex-companheiros de Cunhal no PCP, há que ultrapassar o ajuste de contas interno, que muitas vezes acompanha esta memorialística, como é o caso de Zita Seabra. Isso não significa que muito do seu testemunho pessoal não seja certeiro e útil, mas, como igualmente acontece com Cândida Ventura, há um excesso de tese e de justificação que impregna o depoimento e que torna difícil separar o evento da sua interpretação. De qualquer modo, há igualmente silêncios, cuja superação admito ser difícil, quando se trata de mulheres, cuja relação com o mundo que viviam na clandestinidade comunista em Portugal exige uma enorme prudência, mesmo pudor, no seu tratamento. De qualquer modo, essas memórias, como quase todas, são bastante omissas quanto às relações que qualquer militante no topo acabava por ter, ou por conhecer, dos mecanismos de controlo soviéticos.


De todas essas memórias, as mais interessantes são as de Carlos Brito, que abrangem o período posterior a 1966, data do seu primeiro encontro, até à ruptura com o PCP, e que mantém intacta a complexidade da personagem, sem excluir o contexto conflitual em que ambos se envolveram, apesar da reverência que o autor manifesta para com Cunhal. Cunhal aqui é mais severo e não é propriamente homem de muitas reverências com os que abandonaram o PCP, embora com a idade e a velhice alguma complacência aumentasse. Cunhal, no fundo, como revela o Se Fores Preso Camarada e alguma ficção, era um bom conhecedor das fragilidades humanas e, verdade seja, nunca foi propenso ao moralismo.


A biografia "pessoal e íntima" de Adelino Cunha é um trabalho demasiado superficial e acrítico, em que o tom jornalístico da revelação se sobrepõe a uma análise da personagem e do seu contexto. Contando com o apoio da família, irmã, companheiras e filha de Cunhal, e de alguns militantes comunistas históricos, o livro contém algum material inédito sobre a vida de Cunhal, em particular na URSS e sobre as suas relações pessoais, numa irónica verificação, que não é só portuguesa, de que como autores e jornalistas de direita são mais capazes de aceder a dirigentes comunistas que costumam erguer uma firewall sobre a sua vida.
Porém, onde o livro é mais frágil é na colocação de Cunhal no contexto da história do PCP, da oposição portuguesa e do movimento comunista internacional, onde uma "personalização" da acção de Cunhal, com os seus amores e ódios, substitui um conhecimento real do que efectivamente se passou, resultado da escassa investigação dos materiais existentes, escritos e em arquivos, e de uma enorme insensibilidade e ignorância sobre o mundo comunista e a mentalidade militante.


Esta lista não é exaustiva e deixa de fora, por exemplo, alguns artigos originais e os filmes documentários feitos por volta da morte de Cunhal. Mas, fora dos testemunhos e depoimentos, mostra a escassez de investigação, documentação e materiais úteis, trazidos nos últimos anos para uma biografia política de Álvaro Cunhal. Neste período de tempo, onde houve uma significativa revolução para os trabalhos sobre o PCP foi de onde menos se esperava: do próprio PCP. Duas iniciativas foram fundamentais: a colocação em linha de uma parte muito significativa da imprensa do PCP na clandestinidade, o Avante!, o Militante, o Têxtil, o Marinheiro Vermelho, e muitos outros periódicos e documentos; e a publicação das Obras Escolhidas de Álvaro Cunhal, no seu terceiro volume, de responsabilidade de Francisco Melo. No seu conjunto, significam uma viragem na atitude tradicional do PCP de fechar a sua história à investigação independente, publicando inclusive alguns textos e documentos até então incómodos e contraditórios com a história "oficial" do partido. Falta dar o passo de abrir os arquivos históricos do partido, pelo menos até 25 de Abril, como acontece com a maioria dos partidos comunistas europeus.


A personalidade de Álvaro Cunhal merece neste ano do seu centenário um conhecimento menos preso à mitologia, quer hagiográfica, quer hostil, para poder devolver-se à memória histórica dos portugueses um homem real e bem pouco comum, em vez de uma abstracção mecânica, que, essa sim, será rapidamente esquecida. Ora, nos anos desta década infeliz, precisamos bem dessa memória mais profunda e complexa da história, para não nos embrutecermos mais do que o que já estamos.

(url) http://abrupto.blogspot.pt/2013/02/no-centenario-de-alvaro-cunhal-deixado.html

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Mauro Santayana: A Igreja e a reinvenção do Ocidente

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13 de Fevereiro de 2013 - 19h34         

Ao surpreender o mundo – menos alguns íntimos de sua fadiga – com a renúncia ao papado, Bento XVI revela a grande crise por que passa a Igreja Católica. Quando Gregório XII renunciou, em 1415, seu gesto unificou a instituição, então dividida sob três pontífices desde 1378. Ângelo Correr percebeu, com acuidade, que ele serviria melhor à sua própria posteridade ao servir à unidade da Igreja, e abandonar o trono papal.
Por Mauro Santayana, em seu blog

Ele não era O Papa, mas a terceira parte de um poder que, dividido, enfraquecia-se cada vez mais diante do mundo e, o que é pior, diante da História. Os dois anos de vida que lhe sobraram – morreu em 1417 - lhe devem ter assegurado esse consolo. Ele tinha 90 anos ao renunciar – uma idade difícil de atingir naquela véspera do Renascimento – mas deu a seu gesto o claro caráter político, ao negociá-lo com o adversário mais forte, e influir na escolha – unânime, do sucessor, Martinho V – da poderosa família Colonna. Não alegou cansaço, mas, sim, responsabilidade política.

Mais longa do que o Grande Cisma dos séculos 14 e 15, que durou quase 40 anos, é a já duradoura crise do Ocidente, de que a Igreja foi fiadora e principal organização política, desde Constantino e Ambrósio. Depois da morte de ambos, a Igreja se proclamou herdeira do Império Romano, com base em um documento apócrifo, a Constitutum Constantini, segundo o qual Constantino legava ao papa Silvestre I – e, assim, à Igreja – todo o poder político e todos os bens do Império. O documento, forjado no século 8, foi desmascarado por Lourenço Valla, no século 15.

Um dos mais destacados latinistas e gramáticos da História, Valla provou que o latim usado para redigir o documento não existia no século 4. A inteligência lógica de Ambrósio arquitetou a construção política da Igreja, conduzida na sábia combinação entre a concentração da autoridade espiritual no Vaticano, exercida mediante os bispos, e a distribuição do poder temporal entre os reis e os senhores feudais, sem esquecer o domínio direto sobre os estados pontifícios, que garantiam a incolumidade dos papas.

Dessa forma foi possível, em esforço de séculos, domar a anarquia, conter e assimilar os bárbaros e dar estrutura política e social à Idade Média, com a consolidação da injustiça de sempre contra os pobres e os pensadores que os defendiam, quase sempre levados às inquisições e à fogueira, como ocorreu a Giordano Bruno, no auge do Renascimento, em 1600.

Ambrósio, nobre burocrata do Império, que pagão até ser eleito bispo de Milão, não agiu como teólogo, que não era, mas, sim, como um dos mais hábeis estrategistas políticos da História. Coube-lhe salvar os pontos basilares da idéia do Ocidente.

A Igreja sempre fez alianças com o poder temporal, algumas piores do que as outras, a fim de evitar a prevalência do verdadeiro Cristianismo sobre seus interesses políticos no mundo. É assim que o Vaticano de nossos dias – depois de tolerância criminosa com Hitler, sob Pio XII – mantém o acordo firmado entre Reagan e Wojtyla, há mais de trinta anos, com o objetivo, atingido, de destruir a União Soviética e combater o socialismo. É preciso lembrar que, para o êxito da conspiração, contribuíram o traidor Gorbatchov, hoje garoto propaganda dos artigos de luxo da Louis Vuitton, e as operações do Banco Ambrosiano (valha a coincidência), para financiar o Solidarinosc, o sindicato de direita da Polônia, liderado por Lech Walesa.

Mesmo que não a desejasse, Ratzinger seria compelido à renúncia, pelos mais eminentes membros da Cúria Romana, que se preocupam com a sanidade mental do Pontífice, cujo engajamento com os setores mais conservadores da Igreja tem comprometido o seu arbítrio. Acrescente-se o movimento, subterrâneo, mas vigoroso, da Igreja Latina – e mais perceptível no episcopado italiano – de encerrar o período de papas menos universais e empenhados em sua razão nacionalista, como o polonês e o alemão. Isso não significa que o clero italiano recupere a Santa Sé, mas anuncia uma campanha intensa durante o conclave em favor de um candidato com as chances de Ângelo Scola, atual arcebispo de Milão, e advogado de diálogo franco e aberto com o Islã.

Em seu pronunciamento de renúncia, o Papa associou seu gesto à crise do pensamento ocidental, no tempo de alucinantes mudanças:

“... no mundo de hoje, sujeito a rápidas mudanças e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé, para governar a barca de São Pedro e anunciar o Evangelho, é necessário também o vigor quer do corpo quer do espírito; vigor este, que, nos últimos meses, foi diminuindo de tal modo em mim que tenho de reconhecer a minha incapacidade para

Como anotou Gregório de Tours, no enigmático século 6, o mundo de vez em quando envelhece, encasulado na dúvida, e reclama a metamorfose. A Igreja Cristã (não só a Católica) e o Ocidente, xifópagos há 16 séculos, necessitam reinventar-se. Talvez a astúcia hoje dependa de pensadores abertos, como o arcebispo de Milão, sucessor de Ambrósio no episcopado. Talvez seja o tempo de se convocar não um Concílio da Igreja Católica, mas de organizar-se Concílio Ecumênico Universal, para salvar a idéia de um Deus comum, reunindo todas as crenças em nome da vida e da paz entre os homens de boa vontade.

Ecumenicismo

14/02/2013 10h28
Mauro, toda tua análise dos fatos em relação à direção do vaticano é bastante rica, traz elementos históricos e uma análise minuciosa. Do ponto de vista cristão (e não apenas católico), não é possível "salvar a ideia de um Deus comum reunindo todas as crenças..." já que não existe esse Deus comum. Sem o Cristo (Deus filho, Jesus), não há Deus para um cristão, e essa diferença é irreconciliável. Falta efetivamente TOLERÂNCIA E RESPEITO inter religioso, inclusive com aquelas crenças não monoteistas, afim de qua haja possibilidade de "paz entre os homens de boa vontade."
Alexandre Martins
Florianópólis - SC
  • Democracia

    13/02/2013 23h12Depois de ler neste site o artigo de Paul Craig Roberts: Aconteceu nos EUA; o estado policial existe, não tenho dúvida que precisamos é fortalecer o estado laico e democrático. Será que essas idéias que começam no Norte chegarão aqui.Vide o Nazismo_Integralismo. O Brasil terá dois grandes eventos daqui a alguns anos, no RJ constrói-se um moderno centro de Inteligência contra Terrorismo. Temos alguma lei pra caso de Terrorismo. A lei será aplicada ou será como no EUA? ..........?????
    josé marques vieira filho
    rio de janeiro - RJ
  • Democracia

    13/02/2013 22h42A sobrevivência das religiões deve-se a possibilidade de contniuar aplicando seu seu caráter dogmático durante os tempos. Acontece que a sociedade laica, democrático, heterodoxa acaba enfraquecida quando algum setor prevalece sobre outro. Quando as religiões atuam sobre o Estado laico impedindo o casamento gay(ou união) enfraquece o Estado democrático, pois exclui uma parcela da população de participação cidadã completa. O mesmo ocorre com o combate ao uso de preservativo que atrapalha a saúde pública, pois é também um método de se evitar doenças sexualmente transmissíveis.O mesmo ococrre quando se impede a pesquisa com células troncos. Os galileus continuam indo pra fogueira, só que na democracia as coisas são sutis, mas a censura existe.Precisamos de um fortalecimento do Estado laico democrático que respeita as religiões, mas não é respeitado por elas.
    josé marques vieira filho
    rio de janeiro - RJ