Discurso de Lula da Silva (excerto)

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domingo, 19 de julho de 2009

Marinho Pinto: retrato de um agitador


Marinho Pinto fala sem papas na língua
Marinho Pinto fala sem papas na língua
António Pedro Ferreira
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Dos tempos revolucionários de estudante à zanga de 17 anos com o pai, o bastonário dos advogados Marinho Pinto desfia a sua vida, que "não tem telhados de vidro".

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15:32 Domingo, 19 de Jul de 2009- Expresso
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Um velho agitador de ideias de Coimbra, um velho estudante revolucionário que queria mudar o mundo e construir um Portugal melhor." É assim Marinho Pinto por António Marinho Pinto. Um homem que diz ter a consciência tranquila porque não deixou que o mundo o modificasse. Que escolheu ser advogado muito antes de poder cumprir este sonho. E que só acabou o curso de Direito quando percebeu que não conseguiria mudar o mundo. Que não se cala e diz não ter medo de morrer.

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É preciso olhar para trás para conhecer este homem de rupturas e polémicas. A sua primeira memória de infância é um cacho de uvas brancas, dado pelo pai, em Niterói, 1953. A relação dos dois foi talvez o seu primeiro combate. O pai, já falecido, era extremamente conservador e António Marinho, coerente com as suas causas, ficou 17 anos sem lhe falar, até que percebeu que aquele silêncio já não fazia sentido. Em 1986, entrou num avião, desembarcou no Brasil, de onde o seu pai nunca regressou em 52 anos, e com um "abraço emocionante" reatou o laço.

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Marinho Pinto nasceu em Amarante, em 1950, e chegou ao Brasil com seis meses. Voltou de vez com a mãe aos 14 anos. O corte com o pai deu-se em 1971, quando o então aluno de Direito ficou detido em Caxias. Uma carta dura do progenitor e outra do mesmo calibre dele selaram a separação. Era toda uma concepção do mundo que os separava. O pai defendia Salazar, inimigo que o filho, do PCP, queria abater.

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Quando tinha 20 anos, António Marinho foi preso numa acção cinematográfica em que a Associação Académica foi cercada pela PIDE e o trânsito na parte alta da cidade foi cortado. Tentou resistir, mas não havia saída. António ficou detido dois meses em Caxias, dos quais 34 dias em isolamento. Com ele foram dentro mais quatro camaradas: Pena dos Reis, Rodrigo Santiago, Romeu Cunha Reis e Carlos Fraião. Depois foram presos 30 estudantes. A associação só foi reaberta no dia 25 de Abril de 1974.

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Lições detrás das grades
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A torto e a direito

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Passou por um interrogatório que durou três dias e três noites. Não dormiu durante este período. Mas diz que fez conquistas: "Aprendi a olhar para mim, analisar-me. É fácil enganarmos a nós próprios, disfarçarmos os nossos erros. Esta viagem ao centro de mim foi dramática." Resistiu sempre, e por isso lhe tocou tão fundo a acusação de bufo que lhe dirigiu Manuela Moura Guedes (ver caixas).
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Quando foi preso, tinha deixado há pouco tempo de ser crente, embora viesse de uma terra e de uma família profundamente religiosas; apesar de ter estudado num colégio com padres e freiras - "Foi lá que comecei a perder a fé." A falta da religião tirou-lhe algum conforto. "Sentia-me muito só." As únicas visitas eram, uma vez por semana, as da mãe, mas, como ela só chorava, "dificultava mais do que ajudava". A prisão ficou-lhe, sobretudo, como uma lição de autoconhecimento. "Há um reencontro connosco próprios. Fiz na prisão perguntas que, de outra forma, nunca me teria feito", explica. Não tem saudades, mas diz que, feitas as contas da vida, o saldo é "francamente positivo".

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Em Coimbra vivia na Real República do Rapa o Tacho e é com saudade que se recorda dos tempos em que, quando o dinheiro dos estudantes acabava, iam comer às outras repúblicas sem que nada lhes fosse cobrado. Diz que era uma geração de utópicos: "Por todo o mundo se exaltavam os valores da liberdade." Reconhece que havia muitas ilusões, mas que era muito forte "sentir que Coimbra fazia parte de uma trincheira que atravessava o mundo". Da América do Sul ao Vietname, passando pela Grécia. Mas sente que a solidariedade que os sustentava é um valor arredado das preocupações da sociedade contemporânea.

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Aprender a palavra moderação. Garante que continua a defender os mesmos valores: liberdade, justiça e solidariedade. "É o que distingue o ser humano de qualquer outra espécie", sustenta. Liberdade, sobretudo de expressão, justiça como a solução para conflitos e como forma de permitir a todos o acesso às mesmas oportunidades e a repartir de forma equitativa os resultados do desenvolvimento.

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Reconhece que já moderou estas convicções: "A forma de chegar lá mudou, mas os objectivos são os mesmos." Perdeu a crença na violência revolucionária como forma de atingir estas metas. Mudou quando viu que algumas ideologias de libertação falharam e que o que sobrou, "mais do que o progresso, foram tragédias humanas de dimensões incalculáveis". Mas não se martiriza. "Éramos sinceros. Confiávamos na coerência de discursos políticos e projectos ideológicos que desvalorizavam a situação humana em nome de um objectivo mais relevante", afirma, tentando explicar o comportamento da sua geração. Mas, para o actual bastonário dos advogados, "não há nada que justifique determinadas tragédias, mesmo quando estas acontecem em nome de grandes sonhos e projectos de grande generosidade".

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Passou por Macau, mas não gostou

A torto e a direito


Foi assessor jurídico e de comunicação de Galhardo Simões, secretário de Estado de Economia, Finanças e Turismo. Marinho Pinto ficou um ano no território, mas só lá trabalhou quatro meses. Diz que não fez dinheiro, como mandava a tradição local, porque viveu do salário. "Era um porto onde tudo se mercadejava. Não gostei do comportamento dos portugueses que para lá foram, incomodava-me a criminalidade adjacente à indústria do jogo." Foi contemporâneo de Jorge Coelho, então chefe de gabinete de Murteira Nabo, e de António Vitorino, de Carlos Melancia.

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É difícil apanhá-lo em falso. "Não tenho telhados de vidro. Se tivesse já tinha sido crucificado." Garante que sempre se pautou por "elevados padrões éticos, morais e legais". Porque foi "educado nos valores da sinceridade e da honradez". Porque o maior património de um homem é o seu nome. Porque é preciso andar de cara levantada. E ser referido com orgulho pelos seus descendentes.

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Ainda vota à esquerda. Diz até que já votou em todos os partidos, menos no CDS-PP: "Hoje, vota-se mais na credibilidade e na sinceridade das pessoas do que nas ideologias, que estão em crise. Vivemos num beco que não sei se tem saída. Acredito que tenha, afinal, a História não põe problemas que o Homem não seja capaz de resolver. Mas é verdade que vivemos graves situações de bloqueio na sociedade portuguesa. Há uma clara subalternização da figura humana."

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E vai mais longe na análise da realidade contemporânea: "A distribuição da riqueza é mal feita e acentuou desigualdades que lembram alguns dos piores momentos da nossa História. Os partidos políticos deixaram de ter um papel de moderação e mobilização e funcionam mais como sindicatos ou aparelhos que lutam por votos para receber os subsídios do Estado, o que descredibiliza o discurso político e as instituições democráticas." Diz que "ninguém acredita na sinceridade da Assembleia da República. Tudo é teatralizado e grotesco. O ministro da Economia foi despedido não pelo mérito das suas políticas, mas porque fez um gesto patético". Ri-se, mas não se cala: "Outro deputado disse palavras escabrosas num debate, mas ficou por isso mesmo. Há duplicidade de critérios. E a liberdade de imprensa não existe. Há uma degenerescência da comunicação social."

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Fala mal dos seus como dos outros

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Foi jornalista e sente saudades. Diz que, depois de 28 anos, não deixou de ser jornalista, mas sofre com o mau momento da comunicação social portuguesa. "Vive-se na espuma mediática criada pelos próprios jornalistas, que já não orientam a sua actividade por critérios de natureza ética e deontológica. A agenda mediática é formada em 80% ou 90% pelas agências de comunicação. Aqui na Ordem dos Advogados havia uma agência de cujos serviços prescindi quando cheguei porque entendo que o único mediador entre as fontes e o público deve ser o jornalista."

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António Marinho - assinatura do seu tempo de imprensa - diz que foi o jornalismo que lhe deu "a capacidade de objectivar a realidade". Diz mesmo que a sua linha de actuação como advogado tem muito a ver com o tipo de jornalismo que fazia, primeiro na Agência Noticiosa, depois no Expresso. Até hoje vai buscar esta experiência, que não o deixa ficar fechado na corporação jurídica.

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Mas recusa ser classificado como um jornalista de causas. Para ele, o jornalismo tem três pilares fundamentais: liberdade, verdade e responsabilidade. E sublinha que nem toda a verdade pode ser noticiada, "porque as pessoas têm direito à sua privacidade e a liberdade do jornalista não deve ser encarada como um privilégio, mas como um meio para a realização de um trabalho sério e rigoroso".

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Marinho Pinto já foi ameaçado de morte, de que lhe queimavam o carro. Tudo desde que se tornou bastonário dos advogados. "Não ligo a isso", reage com um sorriso no canto da boca. Será? Garante que sim, porque aprendeu de um familiar que o homem não deve ter medo "nem do diabo nem da morte. Do diabo, porque senão vai parar ao inferno, e da morte, porque senão anda sempre a morrer todos os dias um bocadinho". E, acredita, a morte só deve acontecer no sítio e na hora marcada. Já teve medo da morte, mas diz que perdeu. Porque compreendeu que a vida é um trânsito e quem tem medo da morte não vive bem.

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Quando era jornalista foi um dos defensores da criação de uma ordem profissional, mas recusa que tenha a mania das ordens. Só não aceita que os jornalistas sejam regulados por uma "entidade administrativa, cujos membros são nomeados por critérios políticos e partidários", como a ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social). "Tem de haver um órgão com autoridade pública, constituída exclusivamente por jornalistas, com poderes sancionatórios sobre os jornalistas." Caso contrário, acredita, cai-se facilmente no que acontece actualmente, "em que o jornalismo está em roda livre".

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Outsider, com muito gosto
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A torto e a direito

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Mudou de vida ao entrar para o Direito, mas não abriu mão de ser como é. Por isso, reconhece que é visto como um outsider entre a alta advocacia lisboeta. E reconhece que isso é mau: "Era mais cómodo fazer discursos de circunstância, andar pelo país a passear o colar de bastonário..." Mas Marinho Pinto não é destes e não aceita que lhe digam que as divergências desta elite com ele se devem à forma como fala e não ao conteúdo das críticas. E, quando questionado sobre a razão por que insiste em manter uma atitude fora da norma, é muito claro, lançando mais achas para a fogueira em que se consome: "Não mudo. Já era assim quando atingi a notoriedade e quando fui eleito bastonário. O meu estilo é baseado na verdade, no respeito e na responsabilidade. Nem sempre digo todas as verdades que sei, mas tudo o que digo é verdade. Se tivesse escorregado, já estava na cadeia há muito tempo. E que fique claro: não é o estilo que os incomoda, é o conteúdo das minhas intervenções."
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Apesar da dura carcaça que parece ostentar, abrilhantada pelo lustro do humor e do olhar sobranceiro por cima dos óculos, Marinho Pinto assume que ficou espantado com "a quantidade e o tipo de ataques bem como a intensidade do ódio" que lhe foram dirigidos. "A dimensão das infâmias que dizem a meu respeito, a perfídia com que me são dirigidos alguns ataques espantaram-me realmente", afirma. Durante algum tempo andou a escrever direitos de resposta aos órgãos de informação que considerava terem ultrapassado os limites, mas já desistiu porque, diz, não há uma compensação equitativa a quem foi atingido. Aos tribunais também não recorre: "Conheço-os por dentro."

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Que também não o acusem de retirar prestígio ao mundo do Direito português e ao cargo de bastonário dos advogados em especial. Não concorda. "O bom advogado só utiliza uma arma: a palavra. Alguns utilizam-na de forma doce, outros de forma mais arrebatada. Eu sou por natureza exaltado e arrebatado. Não represento quando falo." E não se fica por menos: "Eram assim alguns dos grandes advogados que conheci, como o Salgado Zenha, Sá Carneiro, Carlos Candal, Alfredo Gaspar e Luso Soares, entre muitos outros grandes advogados que conheci. Não me quero comparar a eles, mas não contem comigo para posturas obsequiosas ou para encenações de conveniência. Falo com a sinceridade e veemência dos meus sentimentos."

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Quando se tenta perceber quais as causas profissionais que mais se orgulha de ter defendido, diz que são os casos pequenos, "em que se fez Justiça". Não fala dos seus clientes, mas vai buscar uma história do início dos anos 90, quando foi chamado na manhã de um sábado como advogado oficioso para defender três rapazes acusados de injúrias e agressões às autoridades policiais. Encontrou-os "todos ensanguentados" e os polícias, alegadamente os agredidos, estavam "frescos como uma alface". Normalmente é um caso resolvido com um julgamento rápido: o Ministério Público pede condenação, o defensor pede justiça e o juiz condena. Dessa vez não. Pediu tempo para convocar testemunhas e organizar as provas e o julgamento prolongou-se por três dias. No final, dois arguidos foram absolvidos, o outro assumiu ter proferido palavras injuriosas e extraíram-se certidões para procedimento contra os polícias.Resultado: nunca mais foi chamado por aquele tribunal para situações semelhantes.

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Homem curioso, não desarma quando lhe perguntamos pelas histórias infantis da sua predilecção. Percebe que queremos chegar aos seus heróis e leva a sério o desafio. Mas não escolhe Robin Hood. As narrativas da sua infância eram as histórias bíblicas. David contra Golias ocupa um lugar especial, mas o que o fez mover foi a do Senhor da Vinha, que pagava o mesmo a quem trabalhava de forma distinta. "Achava injusto. Quem trabalha mais deve receber mais e, sobretudo, mostra como não se deve ficar refém do contrato. Os contratos devem ser modificados conforme se modificam as circunstâncias." É este o cerne da questão e dos seus diferendos com os juízes portugueses: "A aplicação mecânica da lei leva às piores injustiças. A lei é apenas uma de várias fontes de Direito." E remata: "Quando escolhi ser advogado, estava cheio de ilusões e ideais sobre a justiça. Perdi todas as ilusões, mas nenhum dos ideais."

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A meio do mandato, Marinho Pinto não quer dizer se pretende ficar mais três anos como bastonário: "Falta saber se me vou recandidatar e se seria reeleito." Se nenhuma das situações se confirmar, volta para Coimbra. "Procuro ser feliz e distingo felicidade de prazer. A felicidade exige sacrifício e renúncia a muitos prazeres. Mas olho para trás e estou satisfeito. Não tenho nada a esconder." E teoriza: "Todo o prazer tem ressaca, a felicidade não, dá um bem-estar muito intenso." Parte desta serenidade virá da "intensa vida espiritual" que diz desenvolver. Uma dimensão baseada na reflexão de questões fundamentais do ser humano: "Procuro um sentido elevado para a minha vida. Uma das coisas que mais prazer me dá é ler poesia. É rara a noite em que me deito sem ler." Cita Fernando Pessoa, Camões, Jorge de Sena, Baudelaire, Rimbaud ou Holderlin como alguns dos seus preferidos.

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Uma das críticas duras que desferiu ao seu próprio mundo foi a de que havia um exagero de novos advogados em Portugal. "Se as regras de acesso à profissão que defende já estivessem em vigor, a sua filha seria advogada?" Não treme: "Provavelmente nem eu seria." E explica: "Não podemos ter uma profissão massificada, em que o número de advogados é manifestamente superior às necessidades sociais. A advocacia é uma actividade privada e liberal, com uma dimensão de interesse público e vinculação a valores éticos e deontológicos. Não pode haver ética profissional quando se luta pela sobrevivência. Não se pode deixar ao mercado a regulação que a Ordem deve fazer. O mercado não tem ética. Se necessário, há que cortar na própria carne." É assim que fala o bastonário sobre os 35 mil juristas portugueses, 26.500 dos quais inscritos na Ordem.

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Marinho Pinto dixit
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A torto e a direito

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Manuela Moura Guedes
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"Foi por ter sido jornalista que critiquei Manuela Moura Guedes. Fui muito cumprimentado nas ruas. 'Aquela senhora precisava ouvir estas coisas', disseram-me. Fiquei muito incomodado quando ela me chamou de bufo. Quem faz denúncias públicas como eu não pode ser apelidado de bufo. O bufo é um delator às escondidas, e eu sempre combati os bufos. O pior da ditadura não era a PIDE, mas os bufos que nos entravam em casa como amigos

A torto e a direito



e depois iam contar o que ouviam em troca de benefícios económicos ou sucesso profissional. Aquela acusação atingiu-me no mais digno de mim. Procurei que a minha resposta nunca extravasasse para o campo pessoal. Preparei-me durante três horas para a entrevista. Sabia que seria um debate duro. Mas aquilo foi um julgamento de carácter de uma parcialidade chocante. Não fui ali para ser submetido a uma sessão pública de sevícias morais. Nunca falei com ela ou com José Eduardo Moniz, antes ou depois da entrevista. Foi um exercício de desrespeito pela estação, pelos jornalistas que fazem as peças que ela lê, pelos convidados e telespectadores. No fundo, por ela própria." Caso Freeport
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"Não é mais do que uma conspiração que juntou políticos, polícias e jornalistas opositores do PS. É necessário haver quem julgue os julgadores. Fui acusado de ter feito um frete a José Sócrates. Nunca fiz fretes a ninguém. Se ele se beneficiou disso, que faça bom proveito. Tenho criticado o Governo como poucos bastonários o fizeram. O mesmo sentimento de justiça norteou-me quando visitei o chefe dos skinheads na prisão ou denunciei as torturas a Leonor Cipriano ou o espancamento nas instalações da PJ do ferroviário de Sintra, espancado nas instalações da Polícia Judiciária. Não tenho preconceitos nem de um lado nem do outro. Tenho muito respeito pela Judiciária, que considero das polícias mais competentes da Europa e que é a única em Portugal com preparação para fazer boa investigação criminal. Mas é preciso reconhecer e denunciar que há tortura nas delegacias portuguesas, nos interrogatórios nocturnos sem a presença de advogados."

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José Sócrates
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A torto e a direito

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"Não foi capaz de realizar as reformas que prometeu, sobretudo na Justiça. Algumas das reformas anunciadas são meras encenações. Actuou-se muito na comunicação social, não para resolver os bloqueios do sistema judicial, mas como propaganda para ocultar os erros de muitas medidas tomadas. Esperei que ele tivesse sido capaz de levar avante verdadeiras reformas nas velhas corporações judiciais. Mas ao fim de quatro anos de poder com maioria absoluta, a Justiça está mais distante dos cidadãos do que quando ele tomou posse. Devido às reivindicações sindicais dos magistrados e ao economicismo primário do Governo, a Justiça está a deixar de ser administrada nos tribunais, está a deixar de ser uma actividade soberana do Estado, para transformar-se numa actividade privada virada para o lucro. Na Justiça, Sócrates e o seu Governo falharam redondamente."

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Cavaco Silva
A torto e a direito


"Como Presidente deveria actuar mais de acordo com as exigências que fazia quando era primeiro-ministro. Está muito colado ao PSD e tem tido demasiadas intervenções públicas sobre matérias que não são da sua competência. Algumas são incompreensíveis. Tratou como um caso dos tribunais, recusando-se a pronunciar-se sobre a decisão das autoridades madeirenses sobre a aplicação da interrupção voluntária da gravidez naquela região. Não era assunto dos tribunais, mas tinha a ver com o funcionamento das instituições de que ele é o último garante. Quando um grupo de jovens ecologistas invadiu um campo de milho transgénico no Algarve, veio intervir publicamente de forma desadequada e desnecessária. Há um labor de declarações públicas exagerado e não é difícil concluir que, com a sua acção e os seus vetos está a se constituir naquilo que tanto combateu quando era primeiro-ministro: uma força de bloqueio do Governo. Deveria ser mais isento, sobretudo em ano eleitoral. Além disso, as suas explicações sobre as ligações ao BPN são manifestamente insuficientes. Acho que o Presidente da República tem andado a semear demasiados ventos e, muito provavelmente, vai colher borrascas desagradáveis nas próximas eleições presidenciais."

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Advogados e políticos

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"Há uma promiscuidade de alguns escritórios com alguns políticos. Não concordo, como não concordo com os advogados que são deputados. Quem legisla não deve estar nos tribunais a aplicar as leis. São casos conhecidos e bato-me contra isso. É preciso deixar claros os critérios de contratação dos escritórios de advocacia pelo Estado."

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Crimes económicos

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"É uma criminalidade importante que desprestigia a Justiça e ameaça os alicerces do Estado de Direito. Fica a impressão que não é tratada com o mesmo rigor que outros tipos de crimes. Isso faz com que as pessoas acreditem que há uma Justiça para pobres - que é rude, impiedosa e implacável - e outra para os ricos - que é suave e até obsequiosa. Portugal não criou mecanismos para um combate sério à delinquência económica e aos crimes de colarinho branco. Até porque alguma dessa criminalidade envolve directamente alguns titulares de cargos políticos."

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José Miguel Júdice

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"Há dois, o coimbrão, fanfarrão, trauliteiro, de extrema-direita mas corajoso e com ideais. E há o Júdice dos negócios, que onde põe as mãos nasce dinheiro (hotéis, restaurantes, urbanizações, contratos com o Estado, etc.). Preferia o velho Júdice coimbrão, embora tenha relações cordiais e até afáveis com este novo Júdice. Ele defende alguns valores fundamentais da advocacia, pelos quais eu também luto, mas não me identifico com os interesses nem com a postura da aristocracia decadente a que ele pertence, com orgulho segundo parece."

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Marcelo Rebelo de Sousa
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A torto e a direito
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(Foi o motivo do único longo silêncio da entrevista, pontuado por risos, antes de responder): "Admiro-o não tanto pelas qualidades de professor, político e jornalista, mas pela autenticidade dos seus defeitos. Não os esconde. É um manipulador nato de factos."

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Jornalistas

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"Tem de haver um órgão com autoridade pública, constituído exclusivamente por jornalistas nomeados exclusivamente por jornalistas, com poderes sancionatórios sobre os jornalistas. Caso contrário, cai-se facilmente no que acontece hoje: o jornalismo está em roda-livre, sem referências éticas, valendo tudo para conseguir vantagens no mercado. Aí está o resultado de os jornalistas terem dito: 'Não nos metam na ordem'".

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Fernando Pinto Monteiro

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"É um grande senhor da magistratura portuguesa. Está a ter dificuldades que conheço bem. Tal como eu, também está a ser alvo de ataques, armadilhas e as perfídias de micropoderes internos que se julgavam donos e senhores da instituição a que ele foi chamado a dirigir."

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Juízes portugueses
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A torto e a direito


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"Começam demasiado novos e, na generalidade, têm demasiada soberba, actuando segundo uma lógica de poder e não de serviço público. É preocupante a dimensão antidemocrática do poder que têm na sociedade contemporânea. Só são escrutinados por eles próprios, o que constitui uma negação dos valores da República, porque o poder soberano pode escapar ao escrutínio democrático. Não têm cultura de titulares de órgãos de soberania, mas de funcionários. Até criaram sindicatos e fazem greve à soberania..."

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Pacto de Justiça

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"Se fosse respeitado pelos partidos seria interessante, mas a Justiça foi capturada pela fogueira da luta partidária. Todos os partidos, mal assumem o poder, logo tentam anular as leis dos seus antecessores."

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Novo mapa judicial
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"Pode ser uma boa reforma se forem criadas condições para que: não se feche nenhum tribunal, se abram tribunais em todas as sedes de municípios (são um símbolo da soberania nacional e devem estar por todo o território), se faça uma gestão democrática dos novos tribunais, a cargo dos juízes, procuradores e advogados. E se faça uma Justiça de proximidade, impondo-se que as audiências de julgamento se realizem nos tribunais o mais próximo possível da residência das partes. Quem se deve deslocar são os magistrados e não as populações."

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Barracas à portuguesa
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"O que Pinho fez no Parlamento, Guterres e as contas do PIB... Eu mesmo já dei algumas, como quando tirei do bolso um papel com o discurso que iria ler e saiu-me um papel em branco. Improvisei. Não me mortifico por isso. A minha geração deitou fora algumas grandes oportunidades de ganhar dinheiro, bateu-se por ideais, descurou, sobretudo, os aspectos pessoais. Sempre vivi com dificuldades, mas nunca cedi ao politicamente correcto."

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Texto publicado na edição do Expresso de 18 de Julho de 2009

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