Discurso de Lula da Silva (excerto)

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segunda-feira, 20 de julho de 2009

Não gosto de escrever, gosto de ter escrito.

COLUNAS >>> Especial Como se escreve

Quarta-feira, 15/7/2009
O prazer de ter escrito
Luiz Rebinski Junior
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Não gosto de escrever, gosto de ter escrito. Ouvi essa frase de alguém citando algum figurão premiado de nossa literatura e achei fantástica. Escrever, realmente, é uma coisa dolorosa, trabalhosa, de operário mesmo. Sempre desconfiei de gente que diz que escreve por puro prazer. Quem escreve diariamente sabe que não é bem assim. O gostoso é você ver o branquinho do Word se enchendo de parágrafos bem torneados, formando uma massa homogênea de palavras. O bacana de escrever é saber que alguém vai ler o que saiu da tua cabeça, vai contestar, elogiar ou detestar suas ideias. É assim que a coisa anda. E a maneira como isso acontece é através da escrita, então, não tem jeito, escrever passa a ser fundamental.
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Mas não é um lance fisiológico, vital, como alguns românticos juram de pé junto ser. Nunca vi ninguém morrer porque deixou de escrever. Para quem lê e escreve com certa regularidade, a leitura é muito mais urgente do que a escrita. É claro que quem está acostumado a bater com os dedinhos nas teclas sempre fica na fissura de escrever algo. Mas aí é muito mais uma necessidade de se expressar, e não de simplesmente "escrever". A tal força interior da escrita, que arrebata muitos escritores por aí, talvez seja apenas uma necessidade da cachola de botar pra fora o excesso de ideias que se acumula de vez em quando.
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Quando os escritores dizem que o lance da escrita é noventa por cento transpiração, só estão sendo sinceros. Mas a confusão entre transpiração e inspiração (ou insight) até que é compreensível. Isso porque às vezes as pessoas esquecem que, ainda que braçal, escrever também é uma atividade intelectual. Pra esvaziar a mente, é preciso botar algo nela, não? Então, se você não tem nada na cabeça, não adianta ser um exímio digitador. O negócio funciona assim: primeiro você lê, vê e escuta, pra depois regurgitar tudo na tela do computador. Esse é o ciclo da escrita. Mesmo na ficção é assim. Ficcionistas adoram dizer que, para ser convincente, é preciso conhecer bem aquilo que se escreve, viver intensamente etc. etc. E nisso eu assino embaixo. Ou seja, é preciso primeiro experiência, para só depois soltar, com um mínimo de técnica, algo no papel.
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E o processo de escrita está, também, ligado ao tempo que quem escreve dispõe. No jornalismo, por que os textos de revistas são mais bacanas do que os de jornal? Porque no jornal a coisa é toda atabalhoada, o negócio é terminar a matéria para rodar o jornal do dia seguinte. E escrever nessas condições não é lá muito saudável para o texto. Aliás, escrever não é tão complicado assim, o problema é revisar, acertar as arestas, tirar os excessos e burilar o produto final.
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O problema é quando você volta àquele parágrafo que inicialmente lhe parecia genial e que acaba se revelando uma grande porcaria, que nem você sabe o que quer dizer. Então você se pergunta o que é pior: não conseguir iniciar nem a primeira linha de um texto ou ter que reescrever uma bobagem que de início lhe pareceu genial? Acho, particularmente, a segunda mais incômoda, porque te trava em uma ideia que, de antemão, você já sabe que é ruim, mas que, por preguiça de tentar outro caminho ou pura teimosia, você resolve bater na mesma tecla até achar uma saída.
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Mas o bom mesmo de escrever é quando a coisa deslancha, você vai batendo nas teclinhas e o cérebro vai mandando mais e mais frases. Aí a coisa fica bonita, é até divertido. Nessa hora, escrever nem se parece com trabalho de pedreiro, fica uma coisa prazerosa, gostosa mesmo. Mas isso não é sempre que acontece. Pelo contrário, é lá de vez em quando. É mais ou menos como naqueles dias em que a cerveja desce mais redondo do que o normal, quando você sente, depois da primeira garrafa, que vai tomar um porre daqueles.
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Por outro lado, já fiquei horas na frente de um computador sem conseguir concluir um mísero parágrafo. Não é uma sensação boa, posso dizer. Na verdade, é uma coisa detestável. Você fica ali, escrevendo e reescrevendo e nada te satisfaz. Mas o engraçado da escrita é que, pelo menos para mim, ela só funciona se meu corpo estiver legal, a cabeça boa e o sangue sem um decigrama de álcool. Bêbado ou de ressaca, não consigo nem escrever bilhete. Por isso duvido muito daqueles escritores com ares beatnik que dizem escrever sob efeito de álcool e outras droguinhas. Se para ler o negócio já fica punk, tendo que voltar na mesma linha umas quatro ou cinco vezes para entender, imagine para escrever, só sai merda.
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E quando acontece de travar, não sair da mesma linha ou parágrafo, a melhor coisa é desligar o computador e ir fazer outra coisa, esquecer tudo e recomeçar mais tarde, de preferência no outro dia, depois de uma boa noite de sono. O que não se pode fazer quando se lida com prazos, aí a coisa tem que sair de qualquer jeito. Mas aí o segredo é não deixar a coisa degringolar, a água bater na bunda, porque se isso acontecer, babau qualidade, perfeccionismo e o escambau.
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Mas escrever é divertido. Principalmente pela liberdade que o ato de escrever proporciona a quem se aventura a rabiscar algo, produzir. É realmente muito estimulante perceber que você é dono do que está fazendo e que, para o bem e para o mal, só depende de você o resultado final (até rimou!). Acho que foi isso que sempre moveu os grandes nomes da literatura, principalmente aqueles mais vanguardistas, tipo Faulkner, Joyce e Rosa. É claro que não podemos esquecer do lance da cachola, lá do começo do texto. Esses caras eram bitolados, gênios, falavam mais de dez línguas, como o nosso Guima. Tinham de sobra o que colocar no papel. Mas foram movidos, principalmente, por essa liberdade, que às vezes assusta mais do que estimula, proporcionada pela escrita. É como se eles não tivessem nada a perder com suas experiências. Afinal de contas, ninguém nasce escrevendo coisas geniais. Até Joyce escreveu livros mais convencionais, como Dublinenses, por exemplo, que é uma coletânea de contos bastante acessível. Só mais tarde o caolho meteu o pé na jaca e virou a literatura de perna pro ar. Mas foi um que soube como manejar bem a liberdade que a escrita lhe deu.
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É claro que não sou James Joyce, mas tenho uma leve impressão que, assim como eu com meus textinhos mal escritos, o irlandês sentia mais prazer em ver o seu Ulisses bonitão em capa dura do que em lembrar dos sete anos que passou escrevendo a obra. Pode crer.
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Luiz Rebinski Junior
Curitiba, 15/7/2009
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in Digestivo Cultural
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