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á dias, soubemos que o cantor Paco Bandeira resolveu destruir 50 mil discos seus, literalmente cilindrando-os no chão de um armazém com uma máquina destruidora alheia ao dom musical. O músico tomou esta insólita atitude para protestar contra “os downloads, contra as rádios nacionais que passam pouca música portuguesa e contra as Finanças, que o teriam impedido de doar os seus discos aos países lusófonos porque lhe cobrariam impostos como se, na realidade, os estivesse a vender”.
O primeiro comentário que se me oferece fazer tem a ver com a necessidade, no mundo altamente mediatizado em que vivemos, de se ter de fazer ou dizer algo fora do “normal” para chamar a atenção para um qualquer assunto. Ou seja, se, neste caso, Paco Bandeira tivesse promovido uma tradicional conferência de imprensa para dizer de sua justiça, teria certamente tudo ficado no quase segredo dos deuses. Assim, com a música cilindrada já é outra coisa, algures entre o pitoresco, o exótico, o inesperado e o apelativo. É a velha norma pela qual se o cão morder o homem não é notícia, mas é-o, com um inusitado interesse e relevância, se for o homem a dar uma mordidela no cão.
Independentemente da razão ou não do protesto, Paco Bandeira encontrou uma hábil forma de transmitir a sua mensagem, com eficácia.
O segundo comentário relaciona-se com o conteúdo do protesto. Tendo a acompanhar parte significativa do que disse o músico alentejano. Lamentavelmente, o que vemos e ouvimos do panorama musical português nas rádios e televisões? Fundamentalmente música pimba, rafeira e apalermada, com enorme expressão nos canais televisivos. Nestes, qualquer intérprete ignoto tem a suprema oportunidade de minutos de glória musical, acompanhado por umas meninas que, seja qual for a música, se bamboleiam sempre do mesmo modo, entre coxas e seios.
Sei que hoje, mais do que os meios tradicionais de divulgação artística, a Net é o mais poderoso e universal meio de difusão. Mas, que diabo, isso implica uma completa secundarização da música portuguesa de qualidade (nela incluindo a melhor música popular e de expressão regional) nas televisões e na rádio?
Na rádio, há muito tempo que a regra dominante é a da música anglo-saxónica de pacotilha, onde o barulho é a essência e a gritaria a quintessência. Nos festivais que vão abundando, haver música portuguesa de qualidade é quase como encontrar água no deserto.
Na minha opinião, na última década, melhorámos um pouco na atenção que se dá ao (bom) fado, sobretudo depois de merecidamente ter sido considerado, pela UNESCO, património imaterial da humanidade. Mas, mesmo aí, há filhos e enteados. Nada melhor do que ter uma boa máquina de propaganda por detrás, para nos tentar impingir um ou uma fadista medíocre como se fosse um ersatz sério de “Amália”.
Não obstante, há pouco tempo, pudemos constatar, com júbilo, que a boa música pode ser vencedora aqui e lá fora, sem ceder ao facilitismo indigente e ao pseudo gosto do sónico “doping”. Foi o caso da canção vencedora de Salvador e Luisa Sobral.
“O nacional é que é bom” cedeu lugar ao mais modernista slogan “o que não é nacional é que é bom”. Verdade seja dita, que esta atitude não é apenas na música, antes irradia por quase tudo no nosso País.
Onde se poderão ouvir na rádio ou ver tocar e cantar na televisão Rodrigo Leão, Luísa Amaro, Maria Ana Bobone, Pedro Abrunhosa, Madredeus, Pedro Barroso e tantos outros músicos e autores de inegável qualidade? Haverá por aí outros disfarçáveis e anestesiantes cilindros?
P.S. A reboque deste tema, assinalo aqui a excelente programação musical que a Antena 2 nos continua a oferecer. Pela minha parte, obrigado.
http://blogues.publico.pt/tudomenoseconomia/2017/07/27/o-cilindro-de-paco-bandeira/
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