Sasha, que ainda tem jeito de criança, bebia todos os dias há alguns anos e não faz ideia do volume de álcool que ingeria. "Era muita coisa. Começávamos com pequenas garrafas de coquetéis e cervejas, que são baratos. Depois passávamos para as de cinco litros. Dividíamos várias. Não sei quanto bebíamos no final das contas", admite, lembrando o dia em que, após as comemorações de seu aniversário, perdeu a consciência na rua.
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Mais de seis mil jovens entre 7 e 17 anos estão oficialmente nesta mesma situação na capital russa, de acordo com dados apresentados pela vicediretora do Centro Médico de Crianças, Elena Petrovna, que está cuidando de Sasha. Estes são apenas os casos registrados pelas autoridades. Em abril de 2006, eram 4.887. A especialista conta que, fora da capital, o cenário é ainda mais sombrio.
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Estudo que acaba de ser divulgado por uma comissão para política social e demográfica da Câmara Civil da Rússia mostra que 500 mil pessoas morrem todos os anos por motivos relacionados ao álcool. Trata-se de pouco mais de 0,3% da população estimada em 140 milhões de habitantes. De acordo com a ONU, no ritmo atual e com a baixa taxa de natalidade, a Rússia pode encolher para 104 milhões de pessoas até 2050.
O alcoolismo é considerado uma das maiores doenças da Rússia e um dos principais responsáveis pela baixa expectativa de vida, principalmente entre os homens no país, comparável a países como Honduras ou Bangladesh. No centro de Moscou, a população masculina ainda tem esperança de vida de 59 anos. Nas áreas mais afastadas do país e nas zonas menos desenvolvidas ou rurais, no entanto, a expectativa de vida não passa de 51 anos. É o pior índice da Europa. Não há na Rússia uma única família que não tenha uma história trágica para contar sobre álcool.
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O presidente Dmitri Medvedev disse que os casos de alcoolismo atingiram os piores patamares desde a década de 90, pouco após o colapso da URSS, período em que o país caiu na pior crise da sua história. "O país bebe mais do que nos anos 90, tempos difíceis. Temos que preparar um programa passo a passo e tomar medidas contra este problema", disse durante encontro com a ministra da Saúde, Tatyana Golikova.
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De acordo com as estatísticas, são consumidos 18 litros de vodca per capita na Rússia. "São 50 garrafas de vodca para cada residente deste país, o que inclui as crianças", afirma o presidente.
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Medvedev reconhece que não se pode tratar este assunto com meras proibições, mas com um conjunto de medidas que envolvem desde o aumento dos salários da população a novas oportunidades de lazer para que as pessoas possam se ocupar ao invés de “ir a uma loja, comprar uma garrafa e se sentar com olhos vermelhos na cozinha colados à televisão”. Ele vai convocar o Conselho de Estado para cobrar ações.
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A televisão estatal tem repetido reiteradas vezes o filme que mostra em um mapa -múndi o tamanho do problema na Rússia. Compara as estatísticas russas às de outros países, entre eles vizinhos onde o alcoolismo também está no topo da lista das queixas da população. Mesmo assim, pelas ruas da cidade, nas estações e até mesmo nos vagões do metrô o que mais se vê são anúncios de cervejas, principalmente agora no verão.
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É comum ver jovens consumindo a bebida no final da tarde, muitas vezes pela manhã, em parques e lagos da cidade. As geladeiras dos milhares de quiosques 24 horas espalhados pelo país com bebidas e cigarros costuma ter mais opções de cervejas do que de águas ou refrigerantes.
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Clínicas para internações existem desde o czarismo O Centro Médico de Crianças é uma das instituições criadas pelo governo para tentar conter o problema do alcoolismo, e conta com profissionais sérios que ajudam os jovens que ocupam seus 25 leitos. Na verdade, existem por toda a Rússia cerca de 500 instituições semelhantes.
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Normalmente, recebem pessoas embriagas levadas pela polícia e só são liberadas depois de voltarem ao estado sóbrio. Todos conhecem o nome desta instituição antiga, que já foi muito usado em piadas e programas de humor.
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Na cidade de Klin, onde nasceu o compositor Tchaikovsky, há quem sinta falta dos antigos vitrisvitel. "Antes, os alcoólatras eram simplesmente levados para lá e o problema da família acabava. Agora, só vão se quiserem", conta a professora aposentada Maria Victorovna. Segundo Petrovna, o problema não tem classe nem etnia. Atinge ricos ou pobres e põe em evidência uma faceta dramática da sociedade russa. "Muitas crianças começam a beber porque os pais são alcoólatras e oferecem bebidas, ou não se importam que bebam", diz Petrovna.
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Recentemente, um de seus pacientes era um jovem de 15 anos que consumia nada menos que dez litros de cerveja por dia. E o mais novo tinha 7 anos. No quarto que divide com uma colega, outra moça concede permissão para a fotografia da parede pintada por ela e outros pacientes que já passaram por ali.
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A enfermeira que cuida de boa parte das crianças conhece todas pelo nome e vibra com as histórias de sucesso. Mas admite que boa parte dos casos são histórias sem um final feliz.
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Fonte: O Globo
in Vermelho - 12 DE JULHO DE 2009 - 20h15
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