Discurso de Lula da Silva (excerto)

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segunda-feira, 15 de junho de 2009

DEPOIS DAS ELEIÇÕES EUROPEIAS


Emergência do poder pirata

por Philippe Rivière


O muito jovem Partido Pirata sueco fez uma entrada assinalável no Parlamento Europeu, tendo obtido 7,1% dos votos na eleição de 7 de Junho de 2009. Para Estrasburgo vai enviar dois deputados. O primeiro, Lars Christian Engstrom, um empreendedor na área da informática com 49 anos, ocupará um lugar de pleno direito. A segunda, Amelia Andersdotter, de 21 anos, estudante de economia na Universidade de Lund, terá apenas, nos termos das regras bizantinas destas eleições, um lugar de observadora [1].

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É preciso levar a sério a emergência desta nova oferta política. Depois de apenas três anos de existência, o Piratpartiet reúne cerca de 50 000 aderentes e é a terceira força militante da política sueca, logo atrás dos Moderados [2]. (Os adversários do Partido Pirata sublinham que a adesão ali é gratuita.) Em 2009, houve uma adesão maciça dos jovens entre os 18 e os 30 anos – na grande maioria, homens – a um programa fundado na legalização da partilha de ficheiros. O principal detonador deste movimento foi o processo «The Pirate Bay», do nome de um sítio sueco na Internet que propunha um motor de busca especializado nos ficheiros torrents, que permitem descarregar e partilhar, entre utilizadores, filmes, música, programas informáticos, etc. [http://thepiratebay.org">3]].

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Os animadores do sítio Internet, condenados a um ano de prisão e a uma multa de 30 milhões de coroas (2,8 milhões de euros), tinham no entanto argumentado que o seu motor não dava acesso aos filmes propriamente ditos – uma busca no Google proporcionava exactamente as mesmas informações. Na verdade, a diferença está na postura adoptada: num caso (Google), finge-se que se quer respeitar os direitos de autor, apesar de o extraordinário crescimento do sítio de vídeos YouTube, filial do Google, assentar, em grande medida, num catálogo «pirateado»; no outro caso (The Pirate Bay), ridicularizam-se as mensagens enviadas pelos escritórios de advogados dos produtores de Hollywood e abre-se o jogo, de estandarte negro ao vento.

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A condenação do sítio The Pirate Bay e as tentativas de repressão da partilha de ficheiros atingem directamente o quotidiano de quase todos os jovens – 80% dos lares suecos estão ligados à Internet, tendo, com a Finlândia, a taxa mais elevada da Europa. Legal ou não, a partilha de ficheiros pear to pear [4] é praticada de forma tão maciça quanto noutras épocas o foram a cópia de cassetes áudio ou de disquetes. A «indústria cultural» tem muita dificuldade em fazer com que seja respeitado o seu ponto de vista, segundo o qual a cultura é um bem que se consome. E, até ao momento, os grandes partidos não apresentaram uma solução satisfatória para a questão dos direitos de autor face à partilha de ficheiros.

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A crescente politização, em todo o mundo, das questões da propriedade intelectual e do digital traduzem uma falta de perspectivas perante a mutação do mundo industrial para o universo de redes. São raros os responsáveis governamentais que têm um mínimo de competências técnicas; na maioria dos casos, as elites têm um modem de atraso em relação à população [5]]. Em França, isso é bem testemunhado pelas sucessivas gaffes da ministra da Cultura, Christine Albanel.

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No entanto, não se cria um partido cada vez que se quer defender um ponto de vista. É extremamente raro que um assunto específico dê, por si só, origem a uma oferta política. A ecologia política, que levanta questões que podem ser consideradas mais fundamentais do que as do Partido Pirata, e que pretende apresentar uma perspectiva política global, demorou várias dezenas de anos até sair das margens e conseguir ser eleita. As listas «pela Palestina» ou pela legalização da marijuana nunca ultrapassaram o patamar do testemunho, enquanto os movimentos de caçadores, por seu lado, se apresentam mais como um receptáculo para um voto de protesto do que com uma proposta política construída.

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Artistas e espiões

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Os partidos existentes têm todo o interesse em actualizar o seu «software político» e em rever os seus discursos sobre a revolução informacional. As hesitações e divisões dos partidos de esquerda sobre a propriedade intelectual vieram sublinhar a ignorância existente em relação a este assunto e que é verificável na grande maioria dos representantes políticos. Os relatórios que se vão sucedendo sobre a «sociedade digital» são de uma indigência intelectual impressionante e, na maioria dos casos, reduzem esta transformação profunda das relações sociais a simples «oportunidades de negócios» [6].

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A discussão política foi contida pela questão do «apoio aos artistas», ainda que muitos artistas lamentem, em contracorrente, que ela tenha assumido a forma de uma guerra dos detentores de direitos contra o público. Em contrapartida, esta discussão desenvolveu-se na Internet, onde existem muitas propostas para revitalizar a cultura com o envolvimento de um público menos consumidor, mais «participante» [7].

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Em França, os debates em torno da lei «Criação e Internet», ou lei HADOPI (ler «Cortar a Internet», http://pt.mondediplo.com/spip.php?article487, 6 de Maio de 2009), terão entretanto permitido que alguns deputados – nomeadamente Verdes e socialistas – restaurassem a imagem da política junto dos internautas. Se isso não tivesse acontecido, é muito possível que um Partido Pirata francês tivesse podido alimentar-se da oposição a essa lei, que instaurava o corte da ligação aos internautas que não tivessem tornado a sua ligação segura. Apesar de tudo, o dispositivo HADOPI foi chumbado, a 10 de Junho, pelo Conselho Constitucional francês, entre outros considerandos porque constituía um atentado à presunção de inocência e porque o acesso à rede é «uma componente da liberdade de expressão e de consumo». O Conselho Constitucional confirmou, assim, a análise do Parlamento Europeu, segundo a qual a Internet permite ao cidadão exercer as suas liberdades fundamentais [8].

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Ultracapitalistas e cibercomunistas

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A questão não mobiliza apenas a esquerda, seja ela trabalhista ou ecologista. Uma parte da direita combate, a partir de bases teóricas «liberais», a «big-brotherização» de um Estado que pretende instalar «espiões» nos computadores pessoais, bem como os constrangimentos jurídicos e comerciais de propriedade intelectual que conduzem a monopólios como aqueles de que gozam a Microsoft ou as empresas farmacêuticas.

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O folclore libertariano, apesar de estar pouco representado na Europa, está também presente no discurso dos «piratas». Com efeito, o líder do Piratpartiet, Richard Falkinge, apresenta-se como um «ultra-kapitalist».

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«Os conservadores não defendem o capitalismo puro», explica Falkinge numa entrevista à revista sueca Fokus. «Eles são uma espécie de cagarolas sociais-liberais. (…) Eu defino-me como ultracapitalista, e foi a partir desse posicionamento que me envolvi politicamente. (…) A batalha joga-se agora na questão dos direitos dos cidadãos, que é a questão fundamental. Mais importante do que o sistema de saúde, a educação, o nuclear, a defesa e essa merda toda que andamos a debater há quarenta anos.» O Partido Pirata, sublinha Richard Falkvinge, «defende até uma forma de comunismo digital, em que cada um contribui segundo as suas capacidades e o produto é distribuído segundo as necessidades» [9].

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Por seu lado, a jovem deputada Amelia Andersdotter pretende entregar uma parte do seu salário europeu a organizações como a Amnistia Internacional, a ATTAC-Suécia, a Ordfront (uma editora alternativa muito importante na Suécia, e considerada «de esquerda») ou o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para as Mulheres (UNIFEM) [10].

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É difícil perceber de que forma poderá este partido definir-se fora do campo das liberdades digitais. É certo que faz uma incursão no campo da saúde, ao publicar no seu sítio Internet uma posição sobre as patentes farmacêuticas na qual reivindica outros modelos de financiamento para a investigação de novos medicamentos úteis [11]. Mas, fora isso, o que há?

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«O Partido Pirata não tem opinião definida sobre nada que não sejam as liberdades na Internet; quanto ao resto, votará com os outros partidos» [12]. Os responsáveis do Piratpartiet repetem que não terão qualquer dificuldade em aplicar esta regra, porque a clivagem direita-esquerda perdeu toda a pertinência. Como anuncia o seu sítio Internet [13], o que está em causa é tornar-se a pedra angular da maioria do Riksdag, o Parlamento sueco. Com 7% dos votos, esta estratégia oportunista pode permitir-lhe ter algum peso… se não o fizer explodir.

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domingo 14 de Junho de 2009

Notas

[1] O Tratado de Lisboa atribui à Suécia 20 lugares, mas enquanto aguarda a sua eventual ratificação, Estocolmo dispõe apenas de 18 lugares. Os dois deputados «em falta» foram apesar disso designados na votação de 7 de Junho, tendo desde já um estatuto de observador.

[2] A história do partido, bem como do sítio The Pirate Bay, é descrita por Anders Rydell e Sam Subdberg em Piraterna, Ordfront, 2009, por enquanto apenas disponível em sueco.

[3] [4] «Peer to peer»: os ficheiros são trocados entre utilizadores, sem passar por um servidor central.

[5] Assinale-se a este propósito que Jeff Moss, fundador da DefCon, uma conferência de hackers, acaba de ser nomeado pela administração de Barack Obama para o Conselho Consultivo de Segurança Interna norte-americana. «L’administration Obama fait appel à un hacker réputé pour protéger les Etats-Unis», 20minutes.fr, 8 de Junho de 2009, [http://www.20minutes.fr/article/331....->http://www.20minutes.fr/article/331....

[6] Ler a este propósito o contributo de Bernard Stiegler em Pour en finir avec la mécroissance. Quelques réflexions d’Ars industrialis, Flammarion, 2009, [http://arsindustrialis.org/publications->http://arsindustrialis.org/publications" class="spip_out">http://thepiratebay.org.

[7] Ler Philippe Aigrain, Internet & Création, InLibroVeritas, 2008. Pode ser descarregado livre e gratuitamente no endereço http://paigrain.debatpublic.net/?pa....

[8] Texto aprovado por 88% dos deputados europeus no quadro do «Pacote Telecom». Cf. Guillaume Champeau, «Bruxelles se félicite de la sacralisation de l’amendement Bono», Numerama, http://www.numerama.com/magazine/13....

[9] Claes Lonegard, «Hjärnan bakom piraterna» (O cérebro dos Piratas), Fokus, Estocolmo, 5 de Junho de 2009, http://www.fokus.se/2009/06/hjarnan....

[10] «Amelia 2.0», Lundagard (jornal estudantil), Lund, Junho de 2009, http://www.lundagard.se/2009/06/01/....

[11] Ver «An Alternative to Pharmaceutical Patents», http://www.piratpartiet.se/an_alter....

[12] Vegard Andreas Larsen, «Svenske Piratpartiet ble i gar stemt inn i EU-parlamentet» (O Partido Pirata entrou ontem no Parlamento Europeu), Hardware.no, 8 de Junho de 2009, http://www.hardware.no/artikler/pir....

[13] http://www.piratpartiet.se/internat....

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Le Monde Diplomatique

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