Discurso de Lula da Silva (excerto)

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sexta-feira, 12 de junho de 2009

Quem você pensa estar enganando?


por Venicio A. de Lima*
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Os últimos dados sobre a circulação média de jornais divulgados pelo Instituto Verificador de Circulação (IVC) para o mês de abril, e o tipo de jornalismo que continua sendo praticado pelos principais jornalões brasileiros, trouxeram à memória uma música de Paul Simon, muito popular nos anos 1970. Lançada em 1973, mesmo ano das audiências do caso Watergate no Congresso dos EUA, o refrão de Loves me like a rock (''gosta de mim tanto quanto um rock'') repetia: ''who do you think you´re fooling?'' (quem você pensa que está enganando?).

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A circulação dos jornalões

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Dados do IVC revelam que a Folha de S.Paulo, O Globo e O Estado de S.Paulo perderam, respectivamente, 10,84%, 7,75% e 16,93% de circulação média diária em abril de 2009, se comparada aos números de abril de 2008. Nenhum deles atinge a circulação de 300 mil exemplares diários. Os números arredondados são, respectivamente, 289 mil, 259 mil e 214 mil exemplares (role a página e veja aqui matéria ''Circulação de jornais cai 6,7% em abril'').

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Se supusermos que cada exemplar é lido, em média, por quatro (?) pessoas, o maior jornalão brasileiro teria hoje cerca de 1 milhão, 156 mil leitores/dia. Isto significa atingir potencialmente cerca de 0,604% do total estimado da população brasileira, que é de 191.231.246 habitantes (cf. IBGE, em 4/6/2009).

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Considerando esses números em perspectiva histórica, verifica-se que, apesar do crescimento da população alfabetizada, há uma tendência clara de queda nos últimos anos. No ano 2000, a Folha tinha uma circulação média de 429.476 exemplares/dia, O Globo de 334.098 e O Estado de S.Paulo, 391.023. Por outro lado, a pesquisa sobre ''O Futuro da Mídia'', recentemente divulgada, revela que, entre nós, ler jornais (impressos ou online) é apenas a 10ª fonte de entretenimento preferida (ver ''A mudança sem retorno'').

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Na verdade, os dados do IVC apenas confirmam o que já se sabia: os jornalões, cada vez mais, circulam apenas entre parcela muito reduzida da elite letrada brasileira. Apesar disso, os números não parecem assustar o representante da Associação Nacional de Jornais (ANJ), que considera ''a situação passageira (...), reflexo da situação da economia (sic)''. E, paradoxalmente, também não parecem incomodar aos próprios jornalões.

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Jornalismo de insinuação (e de exclusão)

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O tipo de cobertura jornalística praticado pelos jornalões aparentemente não se interessa em conquistar novos leitores.

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Em princípio, uma cobertura equilibrada, que represente todos os lados envolvidos nas questões, seria aquela capaz de conquistar credibilidade e atrair o maior número de leitores – vale dizer, contemplar leitores de diferentes opiniões.

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Se, no entanto, a cobertura jornalística obedece sempre a um mesmo ''enquadramento'' para diferentes notícias – ''enquadramento'' perceptível até mesmo para um leitor menos atento –, o que ela faz é reforçar, diariamente, a opinião dos atuais (poucos) leitores. Ao mesmo tempo, excluem-se eventuais novos leitores que não se alinhem com o ''enquadramento'' da cobertura.

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Outra possibilidade, creio, mais remota, seria o jornal crescer dentro do universo de leitores potenciais que também se sentiriam reforçados com o ''enquadramento'' já praticado.

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Poucos quilômetros

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Tomemos um pequeno, mas emblemático, exemplo: a cobertura oferecida pelo jornal O Globo na terça feira (2/6), sobre o comportamento comparado dos presidentes da França e do Brasil em relação aos parentes das vítimas, tão logo se soube do desaparecimento do Airbus da Air France (o tema foi tratado neste Observatório em ''Air France, voo 447 – As tragédias da mídia).

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A ''má vontade'' da cobertura política dos jornalões em relação ao presidente da República, seu partido e seus aliados, embora não consensual, é certamente conhecida e reconhecida. Não me refiro, por óbvio, à fiscalização das atividades do Executivo, nem às denúncias fundadas de corrupção, nem aos editoriais, nem à opinião de colunistas e/ou articulistas. Refiro-me tão somente à rotina diária da cobertura política.

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Uma nota de capa de O Globo tinha como título ''Sarkozy vai e Lula manda vice''. Uma matéria interna (pág. 9) tinha como título ''Sarkozy consola parentes; Lula estava longe''.

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Seria difícil negar que esses títulos – estatisticamente mais lidos do que o conteúdo das matérias – insinuam que o presidente brasileiro, ao contrário de seu colega francês, foi omisso e não deu a importância que deveria ao acidente, mandando o vice representá-lo e permanecendo longe dos acontecimentos.

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Os leitores que se derem ao trabalho de ler, tanto a nota quanto a matéria interna, no entanto, ficarão sabendo: que o presidente do Brasil soube do desaparecimento do Airbus depois de chegar a El Salvador, que visitava, em viagem oficial, para as solenidades de posse de seu novo presidente (aliás, casado com uma brasileira); que ele cancelou sua participação no almoço comemorativo ''por estar abalado com a tragédia''; e que ele pediu ao presidente em exercício para deslocar-se de Brasília ao Rio de Janeiro, para se encontrar com os familiares.

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Nem a nota, nem a matéria de O Globo, todavia, informam ao leitor que o Palácio do Eliseu, onde estava o presidente da França (aliás, país de origem da Air France e membro-sede do consórcio franco-germânico-espanhol – European Aeronautic Defence and Space Company (EADS) – fabricante do Airbus A330-200), fica a poucos quilômetros do aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, onde Sarkozy se reuniu com os familiares das vítimas.

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''Who do you think you´re fooling?''

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O jornalismo de insinuação, ao ''dar a entender de modo sutil ou indireto'' uma interpretação tendenciosa, fere o princípio básico do jornalismo que é seu compromisso com a verdade. Sua prática desrespeita o leitor e, por óbvio, é condenável em qualquer circunstância.

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Utilizar o jornalismo de insinuação até mesmo na cobertura de uma tragédia das proporções do acidente do voo 447 da Air France, com o objetivo de atingir politicamente um presidente da República cujos índices de aprovação, em todas as camadas sociais, estabelecem recordes históricos, não parece revelar a intenção de ampliar o número de leitores ou aumentar a circulação do jornal.

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Na hipótese inversa, estaríamos supondo que os jornalões ainda acreditam que seus leitores (antigos e/ou novos) são incapazes de fazer a distinção entre a insinuação dos títulos, a omissão de informações na matéria e a verdade dos fatos.

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Se for esse o caso, valeria repetir para os jornalões, o refrão da musica de Paul Simon: ''Who do you think you´re fooling?''. E a resposta só poderia ser uma: os jornalões estão enganando (fooling) a si mesmos. O resultado desse tipo de jornalismo, junto a outras causas, está revelado, ainda mais uma vez, nos últimos números divulgados pelo IVC.

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Notas

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(1) ouça aqui a gravação original

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Artigo publicado originalmente no Observatório da Imprensa

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*Venicio A. de Lima, Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da Universidade de Brasília. Autor/organizador, entre outros, de ''A mídia nas eleições de 2006'' Editora Fundação Perseu Abramo - 2007



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in Vermelho - 12 DE JUNHO DE 2009 - 19h54
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