Ekhal, a Arca da Scola Grande Tedesca, na sinagoga de Campo Ghetto Nuovo, Veneza.
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Vestígios de uma sinagoga secreta dos finais do século XVI foram recentemente descobertos no Porto, na Rua de S. Miguel, numa casa comprada há quatro anos pelo pároco de Nossa Senhora da Vitória. Encontrado por acidente durante uma obras, um nicho emparedado foi identificado por especialistas como um ekhal (pronunciado “errál”), a reentrância onde eram guardados os rolos da Torá, a parte mais sagrada da sinagoga, também conhecida simplesmente como Arca (aron ha’kodesh – ארון הקדש). Este achado reveste-se de uma importância histórica notável, provando a existência de uma sinagoga secreta no Porto mais de um século após a conversão forçada dos judeus portugueses, decretada por D. Manuel I em 1497. Num trabalho publicado no Jornal de Notícias (ver Jornal de Notícias - Sinagoga descoberta no Porto), assinado pelo jornalista Pedro Olavo Simões, o arqueólogo Mário Jorge Barroca data o ekhal nos finais do século XVI ou princípios do século XVII. A descoberta do que resta de uma sinagoga clandestina naquela localização, segundo afirma a historiadora Elvira Mea também ao Jornal de Notícias, enquadra-se nos relatos do rabino Immanuel Aboab – que nasceu e foi criado no Porto – inscritos no seu livro Nomologia o Discursos Legales, publicado em Amsterdão em 1629. A historiadora diz ainda que contactou o IPPAR, o Governo, a Câmara do Porto e o Governo Civil, alertando para a necessidade de preservar este raro achado, mas apenas a última instituição terá manifestado algum interesse.
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PS – Um muito obrigado a Carlos Romão e Paulo Jorge Santos por me alertarem para a notícia. Francisco José Viegas também escreveu sobre o achado no seu A Origem das Espécies. Já agora acrescento que Elvira Mea, a historiadora da Faculdade de Letras da Universidade do Porto citada no texto de Pedro Olavo Simões, é responsável pela cadeira Judeus e Cristãos Novos na Cultura Portuguesa. Sobre a história dos judeus no Porto, e com uma breve referência à sinagoga agora descoberta, ver ainda este pequeno artigo da Jewish Encyclopedia, datado de 1905, da autoria do rabino alemão Meyer Kayserling, um dos maiores estudiosos novecentistas da história dos judeus portugueses.
::ADENDA::
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Para memória futura, aqui fica a transcrição do trabalho do Jornal de Notícias:
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Sinagoga descoberta no Porto
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Foi descoberta, no Porto, uma sinagoga de finais do século XVI. Por circunstâncias várias, tem enorme importância histórica, mas está numa casa onde a paróquia de Nossa Senhora da Vitória ultima a construção de um lar de idosos, com aval do Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR).
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A historiadora Elvira Mea, professora da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) , anda há dois anos a lançar alertas para a existência, no nº 9 da Rua de S. Miguel, de um “Ehal” (nicho onde são guardados os rolos da Torah, a Lei atribuída a Moisés), que tem o especial valor de ter sido feito depois da expulsão/conversão forçada dos judeus em 1496/97, por D. Manuel. Trata-se de uma sinagoga clandestina, que constituía “uma afronta total à situação de Contra-Reforma”. Para mais, além da tipologia da casa (uma entrada por trás, discreta, na Rua da Vitória), característica do culto clandestino, a documentação, designadamente da Inquisição, dá conta da existência, nas imediações, de casas de jogo, que os cristãos-novos usavam como elementos distractivos..
Elvira Mea, que diz ter contactado o IPPAR, o Governo, a Câmara do Porto e o Governo Civil (a única entidade que mostrou interesse), nota, ainda, que o achado faz luz sobre a obra “Nomologia…” (Amsterdão, 1629), de Imanuel Aboab, em que o autor diz ter visto a sinagoga, na sua meninice, algo que a ausência de vestígios materiais tornava duvidoso. A importância do “Ehal” é ainda maior, atendendo à falta de vestígios materiais da presença judaica no Porto, designadamente na zona do Olival, hoje Vitória, onde esteve a última judiaria da cidade. A localização da sinagoga na rua que agora é da Vitória, e não na de S. Miguel, é corroborada por escritos de historiadores como Geraldo Coelho Dias..
O arqueólogo Mário Jorge Barroca, também docente da FLUP, não hesita em afirmar que o “Ehal” é de finais do século XVI ou do início do século XVII, sendo um de quatro exemplares existentes em Portugal, juntamente com os de Castelo de Vide, de Castelo Mendo (que ele próprio identificou) e da Guarda. Apesar de danificado, por obras mais antigas, o “Ehal” constitui oportunidade única para aprofundar e divulgar o conhecimento sobre a cidade..
Agostinho Jardim, pároco de Nossa Senhora da Vitória, comprou a casa em questão há cerca de quatro anos, tendo descoberto o dito “nicho” ao ver que “havia uma parede falsa a tapar qualquer coisa”. O lar, feito ali por ter sido aquela a casa devoluta que apresentava melhores condições, é uma necessidade premente, e a obra está perfeitamente legal, mas o padre Jardim está aberto à procura de uma solução. Já Miguel Rodrigues, da Direcção Regional do Porto do IPPAR, admite a importância do achado e a necessidade de fazer tudo pela preservação, mas nota que, por o edifício não ser do Estado, há que ter em conta “todos os interesses em presença”. Diz ter sabido do caso há 15 dias, desconhecendo os apelos feitos anteriormente..
in Blog da Judiaria
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