Durante a visita guiada ao Cemitério de Agramonte, poderemos apreciar o jazigo erigido às vitimas do incêndio no Teatro Baquet.
Idealizado por um alfaiate, António Pereira Baquet, o Teatro tinha uma entrada principal na Rua de Santo António e uma saída de serviço para a Rua Sá da Bandeira. O Baquet não era um edifício excepcional, mas possuía uma fachada, enriquecida com uma varanda em pedra, onde repousavam quatro estátuas, figurando, respectivamente, a Pintura, a Música, a Comédia e as Belas-Artes.
No dia 20 de Março de 1888, representava-se, nessa noite, "La Gran Via", uma popular zarzuela do compositor espanhol Frederico Chueca, o maestro Ciríaco Cardoso dirigia a orquestra e a casa encontrava-se lotada.
Após ter sido detectado o fogo, nos bastidores, os acontecimentos precipitaram-se. O público compreendeu imediatamente o que se passava e correu para as saídas No pânico da debandada, boa parte dos espectadores optou pelo estreito corredor que levava à saída para Sá da Bandeira, e muitos não chegaram a atingir a porta de serviço, tendo tombado e sido pisados pela multidão em fuga. Da varanda do edifício, vários espectadores lançaram-se à rua, quebrando braços e pernas.
O funeral das vítimas teve lugar no princípio da noite do dia 23, no Cemitério de Agramonte. Os cadáveres carbonizados foram depositados numa única vala, sobre a qual se ergueu um monumento construído com ferros retirados dos escombros do Baquet.
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http://www.cm-porto.pt/gen.pl?p=stories&op=view&fokey=cmp.stories/6552
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O Teatro Baquet. (Cidade do Porto)
sexta-feira, 16 de Outubro de 2009
«Teatro Baquet (fachada para a Rua St. António /31 de Janeiro) gravura feita em 1863»
http://monumentosdesaparecidos.blogspot.com/2009/10/o-teatro-baquet-cidade-do-porto.html
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Teatro Baquet
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Localizado na antiga Rua de Santo António (hoje Rua 31 de Janeiro) na cidade do Porto. Mandado construir pelo alfaiate portuense António Pereira Baquet, em 21 de Fevereiro de 1858, foi estreado com um baile de Carnaval, em 13 de Fevereiro do ano seguinte. Na noite de 20 de Março de 1888, ficou completamente destruído por um incêndio que deflagrou nos bastidores.Referências
- José Manuel Lopes Cordeiro, O teatro do alfaiate Baquet, in: "Público", 14/04/2002, p. 56.
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BAQUET THEATER: MEMORIES AND RUINS
Marcelina das Graças de Almeida[1]
Resumo: Pretende-se neste artigo discutir acerca das categorias memória e ruína a partir da análise do monumento aos mortos vitimados na tragédia do incêndio do Teatro Baquet, inserido no Cemitério do Agramonte na cidade do Porto, em Portugal.
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Abstract: It is intended in this article to argue concerning the categories memory and ruin from the analysis of the monument to deceased victims in the tragedy of the fire of the Baquet Theater, inserted in the Cemetery of the Agramonte, in the city of the Porto, in Portugal .
Palavras-chave: Memória, ruína, monumento, Teatro Baquet, imagens.
Keywords: Memory, ruin, monument, Baquet Theater, images.
Preâmbulo
Atravessa-se o portão e adentra-se a alameda principal do cemitério. Uma rua imponente cercada de magnólias. Beleza e inspiração. O aroma doce das flores espanta o odor que aquele espaço oculta. Passa-se pela capela e seguindo pelas ruas à direita, atravessando caminhos povoados por mausoléus, jazigos, anjos e cruzes, chega-se a 25ª secção, jazigo 292. Dentre todos os monumentos ali erguidos, destaca-se majestoso e intrigante, um túmulo sem nomes e datas. É singular. Não há nada semelhante naquele espaço funerário.
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Sobre uma enorme caixa de pedra retangular, ferros retorcidos, restos e ruínas, destacam-se em razão de sua aparente displicência. Traduzem uma imagem de desolação, desencanto e melancolia. Esta grande urna tem à frente um jardim, fechado por uma cerca de ferro fundido, imitando galhos retorcidos de árvores. Há um portão nesta cerca, detalhe indicativo da permissão para se entrar. No jardim crescem flores de cores variadas e duas ou três lápides encostadas à parede da urna, a despeito das fotografias esmaecidas pela passagem do tempo e da luta perdida com a chuva, sol e calor, revelam que, ali, repousa alguém.
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Este monumento foi erguido em memória àqueles que foram consumidos no incêndio do Teatro Baquet, episódio ocorrido no final do século XIX. Memória e ruína, conceitos aparentemente destoantes, se completam nesta obra romântica que compõe o rico acervo do Cemitério do Agramonte.
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A proposta deste artigo é refletir acerca da memória e ruína como categorias através das quais se compreende o imaginário construído em torno dos cemitérios oitocentistas. Oferece-se como oportunidade para, também, conhecer o Cemitério do Agramonte e a trágica história do Teatro Baquet.
O Cemitério Ocidental
Localizado na Freguesia de Massarelos o Cemitério do Agramonte é o segundo espaço funerário municipal erguido no Porto[2] no final do século XIX. Situa-se em uma das extremidades da cidade e é conhecido como Cemitério Ocidental, sendo o Cemitério do Prado do Repouso o antípoda, sito na Freguesia do Campanhã, no lado oriental da metrópole. O Agramonte teve suas obras iniciadas na primeira metade do século XIX e foi inaugurado, em 1855, em razão da epidemia de cólera que vitimou a cidade.
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Os cemitérios localizados em espaços fora das igrejas não foram, de pronto, aceitos pela população portuguesa. Comportamento este evidenciado em outras nações como a França e o Brasil. Houve resistências, embora tenha existido aqueles que se posicionaram a favor da modernização dos hábitos e costumes e, em especial, naquilo que remetia à morte e aos sepultamentos. (VAZ, 1835, TELES, 1800)
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Este cemitério, bem como o Prado do Repouso, apresenta uma característica peculiar, a despeito de configurarem-se como espaços públicos, geridos pela Câmara Municipal, para além das quadras subordinadas ao poder público, são compostos por talhões destinados às ordens religiosas privadas. Ocupam espaço particular no Cemitério do Agramonte: a Ordem da Trindade, a Ordem do Carmo e a Ordem de São Francisco, sendo que a Santa Casa de Misericórdia, a Confraria de Santo Ildefonso e a Ordem do Terço se instalam no Prado do Repouso.
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Este comportamento retrata uma face do processo de resistência, movido pelos mais conservadores, em relação à instalação dos cemitérios públicos, apartados dos espaços religiosos. De fato este afastamento não foi profundo e sequer definitivo, pois os cemitérios só eram considerados dignos após a aprovação religiosa, pois eram benzidos e deveriam ter uma capela para realização dos ofícios fúnebres. Nota-se, pois, a forte presença do espírito católico e a força das tradições religiosas no imaginário do povo português.
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O cemitério do Agramonte durante anos foi visto como um local indigno para os enterramentos. Tendo sido construído às pressas para resolver a questão do cólera, foi considerado por um bom tempo, como espaço para inumação daqueles vitimados pela doença. (QUEIROZ, 2000, p.6)
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No ano de 1888, ocasião em que ocorreu o incêndio do Teatro Baquet, o Agramonte já havia passado por uma série de reestruturações e adequações. A capela de madeira havia sido substituída pela definitiva, tendo sido o projeto obra do engenheiro Gustavo Adolfo Gonçalves e Sousa e a decoração externa e interna realizadas pelo pintor Silvestre Silvestri (1852-1924) e António Moreira Vale (1841-1918). Tendo se tornado um espaço conveniente ao imaginário cristão da população portuenses, o cemitério passa a ser utilizado e nele, mausoléus e obras de arte erguem-se acenando homenagens e evocando a memória dos ilustres e daqueles ávidos por se eternizarem na lembrança dos vivos.
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Foram para o Agramonte conduzidas as vítimas do incêndio do Teatro Baquet. Tragédia que paralisou a cidade e repercutiu pelo país e outras nações.
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Um cronista da época, Jaime Filinto, consciente da dimensão trágica do evento, apressou-se em relatá-lo e publicou-o no mesmo ano. O título da obra esclarece bem o impacto do acidente. Trata-se: “A Grande Catastrophe do Theatro Baquet Narrativa Fidedigna do terrível Incêndio ocorrido em a noite de 20 para 21 de Março de 1888, precedida da História do Theatro.” É preciso respirar para ler este título. Percebe-se a necessidade em esclarecer, de modo retumbante, que a narrativa do cronista pretende ser fiel e verdadeira. Houve uma catástrofe e esta não era uma catástrofe qualquer. Era uma grande tragédia e a dimensão do elemento trágico precisava ser enfatizada e o título ilustra este sentimento.
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Filinto relata, de forma dolorosa, a transposição dos restos mortais daqueles que pereceram no incêndio:
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Os restos dos infelizes victimados pelo incêndio foram conduzidos para a casa High-Life, o estabelecimento que ficava nos baixos do theatro, do lado da rua de Sá da Bandeira, e ahi dispostos em macas, para serem conduzidos para o cemitério de Agramonte.
Na rua da Boa-Vista e na rotunda uma multidão compacta aguardava a passagem dos carros funerários, e à porta do cemitério de Agramonte accumulava-se o povo para ver chegar o cortejo.
Era por entre alas de povo profundamente commovido que os carros entravam na álea do cemitério, e cá fora um coro de commentarios doloridos acompanhava à última morada os infelizes que tinham perecido no horrível incêndio. (FILINTO, 1888, p. 116 e 123)
A entrada dos corpos, consumidos pelo fogo, no espaço do Agramonte foi precedida pela construção do monumento em sua memória. A ruína do Baquet, a lembrança dos mortos, a memória que se reacendia através dos vestígios, daquilo que ruiu, que se destroçou, o resto de uma arquitetura, evocando e rememorando as ideias, as imagens, a lembrança. Paradoxo: a memória que se conserva a partir daquilo que feneceu, as ruínas.
Teatro Baquet
Esta casa de espetáculos foi construída sob os auspícios de Antônio Pereira, um alfaiate portuense, que tendo passado parte de sua vida na Espanha, ao retornar à Pátria, além de trazer uma esposa, traz agregado ao seu nome a alcunha Baquet e, certamente desejoso em mostrar o que havia adquirido financeira e culturamente, decide construir um teatro. Nasce o Teatro Baquet[3]. (ESPIRITO SANTO, 1988, p.11)
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As obras foram iniciadas a 21 de Fevereiro de 1858 e concluídas em 13 e Fevereiro de 1859 em pleno Carnaval. O evento de inauguração foi um baile de máscaras. Produção adequada à ocasião. Foi o próprio Baquet quem elaborou o risco do prédio, tendo encomendado ao professor da Escola de Belas Artes do Porto, Guilherme Antônio Correia (1829-1901), os planos da fachada. Tratava-se de uma composição clássica, tendo o frontão encimado pelas figuras alegóricas da Comédia, Pintura, Artes e Música.
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A integração da casa de espetáculos no cotidiano da cidade foi completa. Era bem frequentado e apresentava peças que a todos agradavam. Era bem aceito pela imprensa local e seus eventos eram continuamente publicitados. Alberto Pimentel, em obra datada de 1877, “Guia do Viajante na Cidade do Porto e seus arrabaldes”, ao referir-se às casas de espetáculos, assim descrevia o Baquet:
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Edificado de 1858 a 59 pelo sr. António Pereira Baquet, seu proprietário. O seu interior, pouco magestoso, não é todavia deselegante. Tem 68 camarotes distribuídos em 3 ordens. Até agora entrava se para este theatro pela rua de Santo António, o que fazia com que fosse preciso descer duas rampas para entrar nas platêas. Este inconveniente dava azo a que muitas pessoas se arreceiassem de perigos irremediáveis que um incêndio poderia ocasionar. Mas feita a nova rua, que se anda rasgando posteriormente a este theatro melhorará elle consideravelmente e deverá desapparecer o receio das pessoas tímidas. (PIMENTEL, 1877, p.128)
Nesta breve descrição nota-se que a despeito da ausência de magnitude, o prédio era elegante, embora já acenasse para os perigos de um incêndio. Era como se a tragédia já estivesse se anunciando, mas ao que parece, no ligeiro relato de Pimentel, este era um problema fora de questão. Fato que provou-se contrário onze anos depois, quando o prédio ardeu na madrugada de março de 1888.
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Nesta ocasião há que se mencionar ter falecido o Sr. Baquet. Desde sua morte, em 1869, o teatro passara a ser administrado por Antônio Teixeira d’Assis, segundo marido da viúva de Baquet e na ocasião do incêndio era o espaço empresariado pelo maestro Ciríaco Cardoso (1846-1900).
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Desde sua inauguração a porta principal do teatro era a Rua de Santo Antônio, hoje 31 de Janeiro. Havia apenas uma saída de serviço em uma ruela lateral, que hoje é a Rua Sá da Bandeira. Sendo a Rua de Santo Antônio uma ladeira, o palco do teatro ficava abaixo do nível da rua. Para se chegar à plateia era necessário descer as escadarias laterais. Uma nova entrada só foi construída após a morte de Baquet. Resultado do esforço de seu sucessor. Foi através de seu empenho que a ruela lateral abriu-se em uma nova artéria e uma segunda fachada foi adicionada às traseiras do teatro, passando a ser esta a entrada principal. (DIAS e MARQUES, 2002,p.61)
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Em seus exatos trinta anos de existência, desde o lançamento da pedra fundamental, até trágica madrugada de 1888, o Baquet foi palco de alegrias, de festas e eventos que mobilizavam a população portuense.
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Há uma construção mitológica e romântica em relação ato Teatro Baquet, o fato de ter sido palco de lazer, diversão e dramas ficcionais e ao mesmo tempo tendo sido cenário de uma catástrofe, coloca-o no imaginário portuense, como um símbolo de uma época. É o que afirmam Mariana Tavares e Mário Morais ao recuperar os espaços desaparecidos do Porto e destacar o Teatro Baquet: “Há tragédias que, marcando o imaginário de uma época, se transformam rapidamente e durante várias gerações, em símbolos de predestinação divina e da precariedade material da vida.” (TAVARES e MARQUES, 2002, p. 43)
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E é assim que o Baquet adere às lembranças da cidade, como um local da alegria e da dor, da diversão e da lágrima, da gazeta e do heroísmo. Um local de contradições. Espaço arruinado, entretanto permanente na memória através de fragmentos, dos destroços, dos vestígios, das lembranças. Lugar de tantos espetáculos foi palco de um drama real.
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O incêndio
Na madrugada do dia 20 para 21 de março o Baquet tinha em sua programação uma ópera cómica, um espetáculo de ballet espanhol e uma paródia. O público lotava a plateia e aplaudiu pedindo repetição do número que havia sido encenado. Neste momento entre palmas e apupos uma das bambolinas trespassa uma gambiarra, peça usada na iluminação na parte superior do palco, e esta entra em combustão. Funcionários do teatro ainda tentaram cortar a corda que prendia a peça incendiada, mas não possuíam equipamento necessário. Sequer funcionava a mangueira, não havia pressão suficiente para alcançar o foco do incêndio.
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Era o maestro Ciríaco Cardoso (1846-1900) quem regia a orquestra naquela noite e ainda tentou acalmar a todos, afirmando se tratar de algo simples e que deveriam retirar-se do recinto calmamente. O medo, entretanto, foi maior que a calma e o pânico se instalou.
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Manuela Espírito Santo em obra evocativa ao centenário da tragédia relata:
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O sangue frio de Ciríaco Cardoso foi contagiante no início. Porém, a confusão nos camarotes era demasiada. Agravou a situação o pano de boca que, inchando pela pressão do fumo, ganhou uma enorme barriga e começou a arder, caindo um pedaço entre a ribalta e a orquestra. O pavimento inferior do palco e a plateia em chamas – cresceu o pânico. Todos aos gritos, saltam dos camarotes para a plateia. Uns morrem esmagados enquanto outros se salvam. O palco é já um enorme braseiro, fumo por toda a parte. A multidão de espectadores e do pessoal do teatro lança-se na direcção da porta principal do Baquet, para Santo António. As pessoas redobram no desespero quando o gás de iluminação é desligado e ficam mergulhados na escuridão. Correrias desordenadas, encontrões. Os mais fracos tombam e são espezinhados pelos outros, enquanto o fumo sufoca, mata. (1988,p.8)
As estatísticas oficiais apontavam 88 (oitenta e oito) mortos, entretanto a partir de dados coletados através da imprensa, contabilizou-se pelo menos 120 (cento e vinte) mortos. A despeito dos números o fato é que a tragédia não deixava de ser maior ou menor, a sua dimensão não se restringia à quantidade de vítimas, mas no significado qualitativo daquele horror. (FILINTO, 1888, p.106,135-142) Bastou pouco mais de uma hora para que o Teatro Baquet se transformasse em um punhado de ferros retorcidos e paredes fumegante. Transformou-se em ruína.
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A ruína é, de acordo com Carlos Carena, “ (…) o testemunho do poder destrutivo do tempo e o triunfo da natureza sobre a cultura (…)” (1997, p.129) É resultado da corrosão natural do tempo, das intempéries, da chuva, sol, calor, frio e uso humano, ou seja, uma ruína se concretiza ao longo de anos. O processo de arruinamento sofrido pelo Teatro Baquet extrapolou a passagem do tempo. Foi corroído e deixou de ser aquele lugar da festa e esplendor, em alguns minutos, tendo se metamorfoseado em um cenário arruinado, retrato vivo do horror e da morte. Sua transformação repentina venceu o tempo e a natureza, um desafio à glória humana e uma amostra da precariedade da vida.
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O monumento no Agramonte
O monumento erguido no cemitério do Agramonte celebra a memória dos mortos e, ao mesmo tempo, evoca o passado súbito de arruinamento da casa de espetáculos, através das imagens que nele se cristalizam.
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Destacam-se, apontando para o céu, restos da ferragem que compunha a estrutura do prédio. Estão dispostas de tal modo que parecem ter sido ali atiradas como refugo em entulho. Não existe uma ordem. Reina a desordem e a leitura fácil, especialmente, daqueles que desconhecem a história, é de que se trata de um lugar de abandono, de um túmulo abandonado, como existem tantos pelo cemitério. A leitura que se faz acerca do monumento avança em relação ao entendimento do “amontoado de entulhos”. Trata-se, nesta perspectiva, do último cenário armado no palco do teatro. O monumento representa esta cenografia. Erguido a céu aberto simboliza a peça derradeira encenada naquele espaço: a ruína.
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Carlos Carena afirma: “ (…) a ruína associa-se, naturalmente, ao cemitério, lugar frequentemente danificado e abandonado, objecto e sede da corrupção temporal.” (1997, p. 121) Entretanto há que se entender que no caso específico do monumento aos mortos do Teatro Baquet, esta construção já nasceu com o aspecto de abandono, de consumação, de destruição e vida morta
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Neste sentido, para além de se tratar de um monumento compatível com a composição paisagística, imagética e simbólica do cemitério, traduz uma significação singular: a evocação da memória a partir dos fragmentos, da ruína, da decomposição.
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A memória é a propriedade de conservar e recuperar informações, traduzidas em lembranças e através delas evocar o passado, não o recompondo em sua integridade, mas depurando os elementos cruciais, significativos em uma dada realidade. Realizar este trabalho através da memória é uma capacidade resultante de uma evolução biológica e histórica experimentada pelo homem desde seu aparecimento no planeta. Ao longo de sua travessia o homem desenvolveu e tem utilizado suas habilidades para armazenar e socializar as informações recolhidas e vividas. A memória liga-se à vida social e embora se possa falar em memória individual é através da memória coletiva das lembranças compartilhadas pelo grupo e por ele evocadas que se fundamentam as intenções expressas nos monumentos públicos, na organização dos museus, arquivos e cemitérios.
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Sob o ponto de vista de Jacques Le Goff, desde o final do século XVII até o fim do século XVIII, a celebração dos mortos, em França, entrou em colapso. Ocorreu uma simplificação tumular e um descuido naquilo que se referia às sepulturas e cemitérios. Entretanto a pós-revolução francesa recuperou o sentido da celebração da memória dos mortos e esta tendência foi absorvida por outras nações. Afirma:
A grande época dos cemitérios começa, com novos tipos de monumentos, inscrições funerárias e rito da visita ao cemitério. O túmulo separado da igreja voltou a ser centro de lembrança. O romantismo acentua a atracção do cemitério ligado à memória. (LE GOFF, 1997, p. 37)
Neste sentido é compreensível o significado da construção do monumento aos mortos do Baquet e toda a simbologia nele impregnada: a ruína que evoca a memória de um episódio dramático e que através da trama composta pelos ferros retorcidos rememora um passado de glórias, consumidos pelo fogo e pela tragédia.
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O monumento evoca esta catástrofe, percebe-se no relato de Jaime Filinto ao descrever o prédio, quando findo o resgate dos vivos e a recuperação dos corpos carbonizados.
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Horas depois, o theatro estava em ruínas: montões enormes de vigas, de ferragens, travejamento e colunas de ferro. De quando em quando cahia um pedaço de trave, uma pedra, uma resto de telhado, e aqui e além, no fundo negro dos escombros, viam-se alguns clarões vagamente illuminados, denunciando um resto de vida do voraz incêndio, com pupillas enormes que se extinguiam na contemplação dos últimos destroços. (1888,p.57)
A descrição apaixonada do cronista é o esboço do projeto do monumento que iria ser erguido no Agramonte. Tudo nesta construção evoca vocábulos que são continuamente repetidos em todo o relato: terrível sono da morte, angústia, suplício, gritos dilacerantes, braseiro enorme, pasto terrível e destruidor, colossal tragédia, heroísmo, dentre outras.
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A decisão pela construção do monumento em memória aos mortos do Baquet partiu da deliberação da Câmara Municipal, realizada no dia imediatamente posterior ao incêndio. A resolução inicial orientava pela cessão do terreno e a ereção de uma lápide comemorativa. Posteriormente decidiu-se pela construção do mausoléu. Filinto descreve-o:
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O projecto d’esse monumento consiste em uma larga base de granito, na qual será inscripta a data do sinistro, devendo essa base sustentar um tropheu composto de vários destroços de ferro e de outros materiaes extrahidos das ruínas do próprio theatro. A base será ornada, além d’isso, com uma coroa de martyrios de ferro fundido. O terreno occupado pelas sepulturas será também cirucmdado por uma grade de ferro de um desenho adequado. O mausoléu, a realisar-se esse projecto, deverá ficar um monumento bem simples mas bem característico. (1888, p. 165)
O monumento inaugurado em novembro de 1888 não obedeceu, rigorosamente, à descrição elaborada por Filinto, mas em linhas gerais guarda a idéia inicial, especialmente em relação à utilização dos destroços e fragmentos do teatro destruído. Tratam-se de vestígios que rememoram e celebram as recordações e marcam a memória daquele evento no imaginário social e mental da cidade.
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Por outro lado há que pensar nas contradições inerentes aos monumentos celebrativos. Construídos para lembrar, transformam-se em portas do esquecimento. Ao se construir marcos para registra a memória de fatos e acontecimentos é que se evidencia o risco de serem engolidos pelo olvido. Cria-se marcos de memória para servir como ligação para as lembranças e esta recordação está condicionada à natureza do monumento: forma, conteúdo, localização geográfica, dentre outros aspectos. Quase sempre os monumentos evocativos deixam de representar, na memória social coletiva, aquilo para o qual foram erguidos. As imagens permitem múltiplas interpretações.
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A imagem é um elemento fundamental como alimento da memória. Na Antiguidade Clássica a apropriação das imagens era um recurso eficaz para o desenvolvimento das artes da memória. A idéia era, através das imagens, lembrar um discurso, fazendo uso dos elementos de surpresa, violência e provocação que nelas estivessem contidas. (JOLY, 2003, p.201)
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Neste sentido o monumento aos mortos do Teatro Baquet utiliza em sua composição imagética os elementos que traduzem a violência que se revelou o acidente, arruinando vidas e projetos e marcando a história da cidade e de seus cidadãos e consequentemente revelando o significado da tragédia para os habitantes do Porto e para todos que presenciaram o horror.
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Ruína e memória são elementos que se intercalam e estabelecem interseções naquele monumento. Todos os ornamentos que o compõem: a grande urna de granito, onde repousam os restos mortais das vítimas, simboliza os dados númericos da perda; o gradeamento imitando galhos de árvores ressequidas, sinalizam para a finitude da vida; as lápides colocadas no jardim, encostadas na base de granito, portadoras de fotos em porcelana, diluídas pelo tempo, traduzem a intenção dos sobreviventes e parentes que, impedidos em reconhecer e sepultar seu ente falecido, poder ao depositar a lápide, e individualizá-lo perante os outros incógnitos. O amontoado de ferragens, de restos e fragmentos traduzem toda a carga simbólica da metamorfose sofrida pelo teatro: ruínas e restos.
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Atualmente o monumento adquire uma dimensão de abandono muito mais visível. Decorridos, precisamente, 118 (cento e dezoito) anos desde a tragédia fatídica encontra-se o jazigo coberto por heras. Não há placas ou qualquer tipo de indício que informe ao passante a natureza daquele monumento, as razões de sua existência. Aqueles que conhecem a história que se esconde por detrás daqueles escombros, são poucos, e há aqueles que julgam se tratar de um amontoado de lixo, revelando o descuido do poder público em relação à conservação do cemitério. São as armadilhas da memória, os marcos de memória, nem sempre conseguem perpetuar as lembranças desejadas, e estabelecer ao longo do tempo, a comunicação premeditada[4].
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Entretanto acredita-se que:
(…) memorizadas ou esquecidas, as imagens fazem contudo parte da nossa experiência do mundo, que nós integramos, evidentemente, cada um à sua maneira em função da nossa história e do seu conhecimento. A forma como articulamos a história pessoal e a história colectiva pertence-nos sem dúvida, mas participa também activamente na própria vitalidade das imagens. (JOLY, 2003, p. 263)
Esta é uma interpretação possível, um olhar interpretativo acerca do monumento às vítimas do incêndio do Teatro Baquet, ainda que na atualidade possa não revelar, com toda força a tragédia experimentada por aqueles que viveram o inferno, traduz elementos que permitem refletir acerca do esquecimento, da memória, da ruína, da dor e glória. Permite pensar nas reminiscências de um passado engolido na consumação do tempo.
Bibliografia:
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TELES, Vicente Coelho de Seabra Silva. Memoria sobre os prejuízos causados pelas sepulturas dos cadáveres nos templos e os methodos de os prevenir. Lisboa: Officina da Casa Litteraria do Arco do Cego, 18000.
“Theatro Baquet”. O Tripeiro. Porto, nº 4, 1º anno, p. 54, Agosto de 1908.
URBAIN, Jean-Didier. Morte. Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1997. Vol. 36 Vida/Morte Tradições/Gerações. P. 381-417
“Varia”. O Tripeiro. Porto, nº 1, 1º anno, p. 14, Julho de 1908.
“Varia”.O Tripeiro. Porto, nº 96, 3º anno, p. 378, Fevereiro de 1911.
VAZ, Francisco de Assis de Sousa. Memoria sobre a inconveniência dos enterros nas igrejas, e utilidade da construção de cemitérios. Porto: Imprensa de Gandra e Filhos, 1835.
Teatro Baquet, localizado na antiga rua do Santo Antônio, hoje 31 de Janeiro. Reprodução de gravura.
Cemitério do Agramonte, Porto-Portugal. Monumento aos mortos vítimas do incêndio do Teatro Baquet. Vista Frontal.
[1] Mestre e doutoranda em História pela Universidade Federal de Minas Gerais. Realiza estágio de doutoramento através de financiamento da CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior na Universidade Portucalense Infante Dom Henrique na cidade do Porto, Portugal. Bolsa sanduíche Setembro/05 a Agosto/06. Orientadores: Profa. Doutora Adalgisa Arantes Campos e Prof. Doutor José Manuel Tedim.
[2] A Cidade do Porto, capital da província do Douro-Litoral, estende-se na margem direita do rio Douro e junto à sua foz. Com o perímetro de cerca de 32 quilómetros e área de 4215 hectares , é limitada a sul por aquele rio, a oeste pelo Oceano Atlântico e é separada dos concelhos vizinhos – Matosinhos, Maia e Gondomar – pela estrada da Circunvalação que a envolve por norte e nordeste. Cabe aqui frisar a importância do comércio do vinho do Porto e produtos têxteis como riqueza para a cidade. A presença inglesa na exploração vinícola é fundamental a partir do século XIX. É neste período que a capital do Norte desenvolve-se e consolida sua vocação comercial e industrial. Em 1991 a cidade do Porto, possuía 310639 habitantes. Faz parte de sua área metropolitana 9 concelhos (Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Póvoa de Varzim, Valongo, Vila do Conde e Vila Nova de Gaia) onde residiam 1.174.461 habitantes. Gaia, à margem esquerda do estuário do Rio Douro é o centro de armazenamento do vinho do Porto.
[3] Sobre a nacionalidade de Antônio Pereira Baquet há versões diferentes. Na documentação pesquisada encontrou-se referência como francês, bem como espanhol, para além da mencionada origem portuguesa que é a mais comumente aceita. Cf.: QUEIRÓZ, José Francisco Ferreira. Os Cemitérios do Porto e a Arte Funerária Oitocentista em Portugal Consolidação da Vivência Romântica na Perpetuação da Memória. 2002. 03 Volumes. Tese (Doutorado em História da Arte). Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
[4] Em recente visita ao Cemitério do Agramonte, em meados de Julho deste ano de 2006, deparou-se com uma placa de bronze presa a um pedestal de cimento. Nela podem ser lidas informações elementares acerca do monumento e do episódio que o originou. Segundo a administração tratou-se de uma decisão da Câmara Municipal do Porto, através da Divisão de Higiene para auxiliar na preservação do monumento e ao mesmo tempo facilitar a leitura e compreensão do mesmo. Decisão louvável.
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http://www.google.pt/url?sa=t&source=web&ct=res&cd=7&ved=0CCcQFjAG&url=http%3A%2F%2Fwww.geocities.ws%2Fadarantes%2Ftextos_marcelina%2F2.doc&ei=snrWS7W_CYju0wTihOjVDQ&usg=AFQjCNEq8gxlehV-uSeHgne2k7t8G9rrfA&sig2=yJ0HxLlWOfGff8sJjqJ0OA
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0 , ARQUITECTO JOSE MARQUES DA SILVA
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Sexta-feira, Outubro 21, 2005
Ainda se lembram? 20 de Março de 1888... Teatro Baquet
Porto, 20 de Março de 1888... «Sei que havia, numa rua bonita, um Teatro chamado Baquet»
Há tragédias que marcam o imaginário de uma época e se transformam rapidamente e durante várias gerações em símbolos da precaridade da vida...
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No dia 20 de Março de 1888, há precisamente 106 anos, o Porto viveu uma das mais terríveis tragédias da sua história recente. E o palco do drama foi deveras um palco, o do Teatro Baquet, na rua que era então de Santo António e hoje se chama 31 de Janeiro.
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Fachada do teatro Baquet (1875)
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Colocada a sua primeira pedra no dia 22 de Fevereiro de 1858, a construção do edifício – cuja planta foi concebida pelo seu primeiro proprietário, um alfaiate portuense de nome António Pereira Baquet – primou pela sua rapidez.
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Em menos de um ano, a 13 de Fevereiro de 1859, o novo teatro dava-se solenemente a conhecer com um requintado baile de máscaras, cujo fundo musical esteve a cargo de uma orquestra pedida de empréstimo ao Teatro de S. João e dirigida pelo maestro Medina Paiva.
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Livrinhos de coplas de uma zarzuela (1860)
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Com a porta principal na Rua de Santo António e uma saída de serviço para Sá da Bandeira, o Baquet não era um edifício excepcional, mas possuía uma fachada agradável, enriquecida com uma varanda em pedra, onde repousavam quatro estátuas, figurando, respectivamente, a Pintura, a Música, a Comédia e as Belas-Artes.
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O desenho da frontaria coube a Guilherme Correia e as pinturas da sala foram realizadas por João de Faria Teives. No interior, destacavam-se ainda os panos de boca, ornamentados com perspectivas do Porto.
Mas o que, do ponto de vista arquitectónico, distinguia o Baquet de outros teatros era o facto de estar, por assim dizer, enterrado. A primeira das suas três fiadas de camarotes ficava ao nível da rua, e à plateia descia-se por duas escadarias laterais.
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Quando faleceu António Pereira Baquet, em 1869, a notoriedade do seu teatro já ultrapassara as fronteiras nacionais. Entre muitos outros nomes sonantes dos meios musicais de Oitocentos, apresentou-se aqui o célebre virtuoso espanhol do violino, Sarazate, que viria a ter no pianista português Viana da Mota um dos seus colaboradores regulares. E terá sido também no Baquet que, pela primeira vez, se representaram operetas interpretadas por companhias portuguesas.
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Emília das Neves - Actriz do Teatro Baquet (1860)
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Mas esta história que se pretende aqui contar é apagada de brilhos, a "história de uma noite desenrolada sob a asa do destino"...
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O vento soprava veloz à entrada da Rua de Santo António e os transeuntes, com abafos de inverno, rumavam quase todos para o mesmo destino: a fachada iluminada do Teatro que anunciava um espectáculo único para essa noite - Os Dragões de Vllars (opereta cómica) e a Gran Vía (zarzuela de frederico Chueca e Joaquín Valverde, traduzida e adaptada por Guedes de Oliveira).
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O Maestro Ciríaco Cardoso dirigia a orquestra. A casa estava lotada.
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Maestro Ciríaco Cardoso
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A Gran Vía reproduzia sobre o palco do Baquet um sátira política contra a demolição dos velhos quarteirões de Madrid em prol de uma nova e sofisticada artéria na cidade (analogia óbvia com a cidade de Lisboa que inagurara a sua primeira avenida em 1886).
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Antes da passagem ao último quadro, o público, delirante, pedia um encore da última cena. Nos bastidores, um actor que aguardava o momento de reentrar em cena reparou que o tecto fingido do cenário estava a arder. Gritou que descessem a bambolina e a grande tela do quadro seguinte voltou a desenrolar-se com um estrondo.
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Ninguém se aperebeu do que se estava a passar... apenas alguma agitação sob o cenário e um vago crepitar...
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Poucos segundos depois os ocupantes do camarote 24 situado mesmo por cima do palco dão-se conta do perigo e saem corredor fora largando um deles o grito «Fogo!». É então que a sala inteira acorda do encantamento da música e das luzes...
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... e começa a trágica confusão...
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O horror estampado em todos os rostos que corriam pelas coxias sem esperar o alarme. Muitos espectadores esbarram com quem sai das primeiras filas, acumulando-se no fim do estreito corredor para a Rua de Santo António. Aí vão sendo empurrados e pisados por quem está atrás, numa onda de terror apertada e às escuras (o gás é imediatamente desligado, deixando o teatro imerso em trevas)...
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Alguns quinze minutos após ter sido detectado o fogo, já caíra o tecto do palco e a fachada que dava para Sá da Bandeira ameaçava ruir a todo o momento. As chamas começavam a lamber os prédios vizinhos, obrigando os respectivos inquilinos a abandonar apressadamente as suas casas. Vários populares atravessaram as chamas para resgatar crianças e mulheres que ainda se encontravam no interior do teatro. Da varanda do edifício, vários espectadores lançaram-se à rua, quebrando braços e pernas.
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Incêndio no teatro Baquet (1888) - entrada por Sá da Bandeira
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Os bombeiros voluntários chegavam à Rua de Sá da Bandeira onde combateram as chamas, visto ser essa a entrada «oficial» do teatro. Só mais tarde se lembraram de ir acudir à porta de Santo António... onde atónitos os bombeiros confirmaram a existência de um autêntico mar de corpos carbonizados...
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Interior do Teatro Baquet após o incêndio (1888)
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Não se sabendo mesmo ao certo quantas pessoas haviam perecido no fogo (mais de uma centena), foi decidido que se faria um funeral colectivo na noite de 23 de Março, no Cemitério de Agramonte, num jazigo monumental e comum, construído com bocados de escombros, ferros retorcidos dos camarotes e colunas chamuscadas.
Exéquias fúnebres em homenagem as falecidos na Igreja da Lapa (Gravura)
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Nos dias seguintes à tragédia, realizaram-se inúmeras iniciativas destinadas a recolher fundos para auxílio das famílias enlutadas. A mais importante foi, provavelmente, a Matinée da Imprensa Portuense, no Palácio de Cristal, a que assistiram a rainha D. Maria Pia e o infante D. Afonso. As orquestras do Baquet e do Teatro do Príncipe Real (hoje de Sá da Bandeira) actuaram em conjunto, e Bordalo Pinheiro associou-se ao evento dispondo-se a realizar "caricaturas instantâneas" de personalidades conhecidas.
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Após a "matinée", D. Maria Pia percorreu durante quatro horas as casas dos parentes das vítimas, distribuindo generosamente libras de ouro. O líder do Partido republicano, Alves da Veiga, foi um dos visitados, não porque lhe tivesse morrido alguém, mas porque recolhera dois órfãos de um dos mortos do Baquet. João Chagas, que viria a colaborar com Alves da Veiga na intentona do 31 de Janeiro, acompanhou a visita e deixou-nos a descrição pormenorizada desse tocante "momento de conciliação de dois princípios", que reuniu num acto solidário a máxima representante da monarquia e o chefe da oposição republicana.
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O Teatro Baquet passou assim à história, envolto numa capa de lenda e de tristeza... imortalizando-se um palco de emoções, luxo e fantasia....
Cemitério do Agramonte, Porto-Portugal. Monumento aos mortos vítimas do incêndio do Teatro Baquet. Vista Frontal.
Cemitério do Agramonte, Porto – Portugal. Alameda principal cercada por magnólias, ao fundo portão de entrada.
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TEATRO BAQUET: RUÍNA E MEMÓRIAS
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1 comentário:
Uma pequena correção ao seu EXCELENTE trabalho -
Antonio Pereira Baquet faleceu com 63 anos a 25/12/1867, pelas 09:00, no n.º 157 da R. de Santo Antonio na freg. de Santo Ildefonso (assento de óbito on-line)tenho o seu testamento cerrado sido aberto nesse mesmo dia (assento de óbito on-line):
nasceu na zona do Bonfim como Antonio Pereira, perto das Goelas de Pau, por volta de 1803 / 1804;
emigrou com sua família para Espanha em 1828 (seu pai ? Pereria era negociante) tendo aí aprendido a arte de alfaiataria e casado, de onde regressou ao Porto em 1836 com sua mulher instalando-se na Praça da Batalha como contramestre em casa do 1.º alfaiate da cidade, o Capella.
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