Público - 26.04.2010 - 10:37 Por Ana Henriques
O subsolo da Igreja de São Julião, local da Baixa lisboeta onde decorrem neste momento obras para instalar o Museu da Moeda, tem "fortes probabilidades" de esconder um valioso achado arqueológico: a muralha que D. Dinis mandou fazer para proteger Lisboa, no final do século XIII. Quem o diz são os arqueólogos contratados pelo Banco de Portugal para fazer as sondagens que precederam as obras de transformação da velha igreja no museu, com conclusão prevista para o final de 2011.
Além da muralha, foram encontrados esqueletos mais recentes (séc. XIX) (João Gaspar)
A confirmar-se, "será uma descoberta importantíssima", salienta o historiador e investigador António Borges Coelho, defendendo nesse caso a sua preservação e exposição ao público, como acontece com vários troços da muralha fernandina - que é posterior à de D. Dinis -, encontrados entre a Baixa e o Chiado. No relatório de escavação, de Setembro de 2009, os arqueólogos não colocam, porém, de lado a hipótese de a grande estrutura de pedra e argamassa encontrada ser, afinal de contas, um pedaço da cerca de D. Fernando.
"As primeiras muralhas de Lisboa terão sido, respectivamente, a cerca romana/visigótica e a cerca moura. Estes dois momentos de edificação dizem respeito a uma ocupação ainda restrita do território; ainda um "fenómeno de acrópole" adstrito à actual colina do castelo", contextualizam Artur Rocha e Jessica Represas, da Zephyros Arqueologia, empresa que fez as sondagens. "É no século XIII que temos notícia da construção da muralha da Ribeira ou de D. Dinis, que ficaria na praia ou junto à rebentação do rio. Este alargamento substancial do espaço amuralhado da cidade indicia que ela havia já descido da colina, desenrolando-se de forma orgânica e desordenada em direcção ao rio (...) Marca também pela primeira vez a transferência do centro económico da cidade para a zona ribeirinha".
O que diz um mapa antigo
O arqueólogo José Luís de Matos pensa que é bem provável que se trate efectivamente da muralha de D. Dinis. Ou não tivesse o olisipógrafo Vieira da Silva, há um século, traçado, com base em documentação antiga, um mapa em que faz passar precisamente neste local a antiga estrutura de pedra. "No seu natural movimento de expansão para ocidente, Lisboa depressa passou por cima da cinta de muralhas com que a haviam envolvido os povos godos ou os muçulmanos. E entulhando o estuário do Tejo preparou um excelente campo para a construção de habitações. Depois da conquista cristã, rapidamente a nobre vila adquiriu uma importância considerável, não só pelo (...) comércio dos seus ha- bitantes, como pela sua excepcional situação como um dos melhores portos da Europa. Também por isso se via frequentemente atacada pelos piratas, que, entrando pelo Tejo sem impedimento, nem no mar nem em terra, encontravam nos ricos moradores e comerciantes do vale da Baixa uma cómoda e fácil presa", descreveu, então, aquele especialista.
José Luís de Matos explica que, além dos mouros do Norte de África, a cerca tinha como objectivo repelir também as incursões marítimas dos castelhanos. "Era importante preservar esta memória", observa. A confirmar-se a sua origem de forma inequívoca, trata-se do primeiro troço da muralha de D. Dinis detectado até hoje.
"Seria uma descoberta fantástica", comenta a especialista em arqueologia urbana de Lisboa e ex-técnica do Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (Igespar) Jacinta Bugalhão. Chama a atenção para o facto de, do ponto de vista legal, todas as cercas antigas de Lisboa estarem classificadas como um monumento nacional - uma protecção que abrange também os troços por descobrir. "A lei diz que os monumentos classificados não podem ser demolidos", acrescenta, "mas factores como o mau estado de conservação podem levar a tutela a autorizá-la."
Como a obra para instalar o museu vai ter acompanhamento arqueológico, serão estas segundas escavações que permitirão tirar uma conclusão. Ou não: "Na zona onde existe probabilidade de passar a muralha as obras para o museu não decorrerão a uma cota tão profunda como noutras zonas", informa o subdirector do Igespar, João Pedro Ribeiro. Como é de lei, "só haverá escavação arqueológica nos locais afectados pelas obras". As sondagens iniciais não desceram a profundidade suficiente que permitisse identificar vestígios mais antigos. Permitiram, isso sim, encontrar vários esqueletos do século XIX sob o templo. "Qualquer cidade civilizada tem orgulho no seu passado", nota Borges Coelho. "Se a muralha foi encontrada, é uma notícia magnífica. E há todo o interesse em pô-la à vista."
."As primeiras muralhas de Lisboa terão sido, respectivamente, a cerca romana/visigótica e a cerca moura. Estes dois momentos de edificação dizem respeito a uma ocupação ainda restrita do território; ainda um "fenómeno de acrópole" adstrito à actual colina do castelo", contextualizam Artur Rocha e Jessica Represas, da Zephyros Arqueologia, empresa que fez as sondagens. "É no século XIII que temos notícia da construção da muralha da Ribeira ou de D. Dinis, que ficaria na praia ou junto à rebentação do rio. Este alargamento substancial do espaço amuralhado da cidade indicia que ela havia já descido da colina, desenrolando-se de forma orgânica e desordenada em direcção ao rio (...) Marca também pela primeira vez a transferência do centro económico da cidade para a zona ribeirinha".
O que diz um mapa antigo
O arqueólogo José Luís de Matos pensa que é bem provável que se trate efectivamente da muralha de D. Dinis. Ou não tivesse o olisipógrafo Vieira da Silva, há um século, traçado, com base em documentação antiga, um mapa em que faz passar precisamente neste local a antiga estrutura de pedra. "No seu natural movimento de expansão para ocidente, Lisboa depressa passou por cima da cinta de muralhas com que a haviam envolvido os povos godos ou os muçulmanos. E entulhando o estuário do Tejo preparou um excelente campo para a construção de habitações. Depois da conquista cristã, rapidamente a nobre vila adquiriu uma importância considerável, não só pelo (...) comércio dos seus ha- bitantes, como pela sua excepcional situação como um dos melhores portos da Europa. Também por isso se via frequentemente atacada pelos piratas, que, entrando pelo Tejo sem impedimento, nem no mar nem em terra, encontravam nos ricos moradores e comerciantes do vale da Baixa uma cómoda e fácil presa", descreveu, então, aquele especialista.
José Luís de Matos explica que, além dos mouros do Norte de África, a cerca tinha como objectivo repelir também as incursões marítimas dos castelhanos. "Era importante preservar esta memória", observa. A confirmar-se a sua origem de forma inequívoca, trata-se do primeiro troço da muralha de D. Dinis detectado até hoje.
"Seria uma descoberta fantástica", comenta a especialista em arqueologia urbana de Lisboa e ex-técnica do Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (Igespar) Jacinta Bugalhão. Chama a atenção para o facto de, do ponto de vista legal, todas as cercas antigas de Lisboa estarem classificadas como um monumento nacional - uma protecção que abrange também os troços por descobrir. "A lei diz que os monumentos classificados não podem ser demolidos", acrescenta, "mas factores como o mau estado de conservação podem levar a tutela a autorizá-la."
Como a obra para instalar o museu vai ter acompanhamento arqueológico, serão estas segundas escavações que permitirão tirar uma conclusão. Ou não: "Na zona onde existe probabilidade de passar a muralha as obras para o museu não decorrerão a uma cota tão profunda como noutras zonas", informa o subdirector do Igespar, João Pedro Ribeiro. Como é de lei, "só haverá escavação arqueológica nos locais afectados pelas obras". As sondagens iniciais não desceram a profundidade suficiente que permitisse identificar vestígios mais antigos. Permitiram, isso sim, encontrar vários esqueletos do século XIX sob o templo. "Qualquer cidade civilizada tem orgulho no seu passado", nota Borges Coelho. "Se a muralha foi encontrada, é uma notícia magnífica. E há todo o interesse em pô-la à vista."
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