Discurso de Lula da Silva (excerto)

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sábado, 3 de abril de 2010

José Afonso e a Música de Intervenção

Génese de Um Movimento / Birth of a Movement

É impossível a compreensão global do que representou toda a revolução musical, de que José Afonso foi um dos principais responsáveis, sem a contextualização de todo o movimento nas suas diversas fases. Já neste livro se falou do fado de Coimbra, das baladas, da música de intervenção. Já se concluiu que em todos estes géneros e sub-géneros se encontram algumas das mais genuínas manifestações musicais de arte popular - entendida aqui na acepção «da veracidade antropológica da criação artística, a da coerência da forma e conteúdo, sentidos imanentes a uma situação realmente vivida pelo povo», como a caracteriza o musicólogo Jorge Lima Barreto. Mas, afinal, como e quando foi que tudo começou?

It's impossible to understand really well what represented the musical revolution, that had José Afonso as one of principal responsibles, without the context of the whole movement in its differents phases. We've talked already of  Coimbra fado, of ballads, of intervention song. We've concluded that all these genres and sub-genres are among some of the most genuine musical manifestations of popular art - as "anthropological truth of the artistic creation, and the coherence of shape and content, persistent meanings in situations trully lived by the people», as characterized by the musicologist Jorge Lima Barreto. But, in the end, how and when does it all started?

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Anos 50 / The Fifties

Recuemos aos últimos anos da década de 50. Os marxistas europeus tentam aos poucos recompor-se dos abalos causados pela desestalinização de Krutchov, enquanto os sobreviventes do movimento surrealista lutam por provar que ainda mexem, através de esforços cada vez mais solitários. Em Cuba, os guerrilheiros que combatem o ditador Fulgêncio Batista, fazem nascer uma nova forma de esperança revolucionária e, em França, Jacques Brel sobe ao palco do Olympia para garantir que «les bourgeois c'est comme les cochons / plus ça devient vieux / plus ça devient bêttes», enquanto um quarentão anarquista, Léo Ferré, canta no Bobino e escandaliza os intelectuais pequeno-burgueses ao musicar Les Fleurs du Mal, de Baudelaire. Musicalmente, as atenções do público voltam-se, no entanto, para o outro lado do Atlântico, onde os ritmos alucinantes de Bill Haley (and His Comets) e Elvis Presley causam já algumas preocupações entre os defensores dos bons costumes.

Let's go back to the last years of the 50's. The europena marxists try slowly to recover of the shocks caused by the Krutchov new politic, while the survivors of the surrealist movement fight to prove they are still alive, in more and more solitary efforts. In Cuba, the guerrilheiros that fight the dictator Fulgêncio Batista, make appear a new revolutionary hope and, in France, Jacques Brel claims on Olympia stage that «les bourgeois c'est comme les cochons / plus ça devient vieux / plus ça devient bêttes», while an anarquist fourty year man, Léo Ferré, sings at Bobino and scandalizes the little-bourgeois by puting music to Baudelaire's Les Fleurs du Mal. Musically, the audience attentions turn, instead, to the other side of the Atlantic, where the alucinating rythms of Bill Halley and Elvis Presley cause some worries among the good moral proclaimers.

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E em Portugal... / And in Portugal...

Ao mesmo tempo, a pacatez lusitana propagandeada pelos órgãos de apoio ao regime de Salazar sofre sérios abalos com o desenvolvimento dos grandes movimentos de massas em que sobressai a campanha em torno da candidatura do general Humberto Delgado à Presidência da República, durante a encenação eleitoral de 1958. Um ano antes, em Aveiro, a Oposição Democrática, impulsionada por Mário Sacramento [Mário Sacramento (1920-1969), médico e ensaísta, foi um dos mais importantes teóricos do neo-realismo e o grande impulsionador dos congressos antifascistas de Aveiro], promovia um Congresso Republicano onde pela primeira vez são debatidas as formas de luta legais e semi-legais contra o fascismo. A agitação política acabará por alargar-se às colónias de África, onde germinavam já as sementes da guerrilha que, a partir de 1961, terá início em Angola e, depois, se estenderá às três principais possessões portuguesas do continente negro.

At the same time, the lusitanian peace promoted by the means of the Salazar regime suffers real shakes with the development of big mass movements, in which the campaign of the Humberto Delgado general to the Republic presidency, in the electoral fraude of 1958. A year before, in Aveiro, the Democratic Opposition, leaded by Mário Sacramento [Mário Sacramento (1920-1969), doctor and "ensaísta", was one of the most um dos important teorics of neo-realismo and the great helper of the Aveiro antifascist congresses], promoted a Republican Congress where, for the first time, legal and semi-legal ways of resistence to fascism are discussed. The political agitation will end to spread to Africa colonies, where the seeds of "guerrilha" were already sown. From 1961 on the "guerrilha" will begin in Angola and, after, will spread to the three principal Portuguese possessions in the black continent.

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Status Quo

Todo este conjunto de situações tem, obviamente, uma importância fundamental no incremento do movimento musical que começa a desenhar-se e que levará a uma transformação radical do cenário em que, até aí, se movimentava a denominada "canção ligeira" portuguesa. Os cantores então existentes pouco mais conseguiam fazer do que limitar-se aos circuitos normais da Rádio (e, posteriormente, também da Televisão), algumas digressões pela província (e, nos casos mais importantes, pelo estrangeiro) e à gravação de discos, se a popularidade do artista o permitisse. A música tradicional, por seu lado, confinava-se às representações dos 'ranchos folclóricos' instrumentalizados pelo Secretariado Nacional da Informação, SNI, o departamento de propaganda do regime. Restava o fado: em Lisboa, transformado na canção nacional, frequentemente pastosa e obediente, e em Coimbra, onde sofrera sucessivas transformações devido à acção mais ou menos moralizadora das gerações de estudantes-cantores que por lá passaram.

All these situations have, obviously, a crucial importance in starting the musical movement that begins to emerge and that will take to a radical change of the scenary in which, until then, the so called "easy listening" music moved itself. The existing singers couldn't do more than to limit themselves to usual radio circuits (and, later, of Television), some tours over the villages  (and, in the most important cases, outside) and to the recording, if the success allowed it. Traditional song, by its side, was only for the "ambassadors": the 'ranchos folclóricos', instrumentalized by Nacional Information Bureau, SNI, the regime propaganda departement. Only was left the fado: in Lisbon, transformed in national song, frequently tiring and obedient, and in Coimbra, where it has suffered continuous transformations due to the more or less moralizing action of the generations of students that studied there through the years.

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Em Coimbra... / In Coimbra...

É, justamente, a partir de Coimbra que algo de novo começa a desenhar-se, num sentido diametralmente oposto ao então em vigor. José Afonso e Adriano Correia de Oliveira são os dois grandes impulsionadores do movimento que, a partir da recuperação do fado tradicional coimbrão, há-de agitar as pautas e criar sérios embaraços ao decrépito Estado Novo. A edição da Balada do Outono, de José Afonso, é um dos primeiros reflexos do movimento que, timidamente, começava a despontar. Adriano junta-se-lhe logo de seguida e será a sua Trova do Vento Que Passa que irá desenterrar, definitivamente, em 1962, o "machado de guerra" da música contra o obscurantismo do regime.

Já professor do ensino secundário e pai de dois filhos, Zeca Afonso cria composições como Menino do Bairro Negro, Os vampiros e No Lago do Breu e começa a ser solicitado, com uma frequência cada vez maior, para os famosos "convívios" estudantis, formalizados em 1961, no Encontro Nacional de Estudantes que se realizou em Coimbra, apesar de proibido pelas autoridades académicas e reprimido pela polícia. Mas, nessa altura, Zeca ainda encarava a música apenas como um sucedâneo da sua actividade como professor. As primeiras "cantorias" aconteceram, de facto, no contacto com os seus alunos, nos sucessivos liceus e escolas por onde passou, sem quaisquer intuitos comerciais ou artísticos.

It's precisely from Coimbra that something new starts to been draw, on the opposite way to the status quo. José Afonso and Adriano Correia de Oliveira are the great engines of the movement that, from the renewal of the Coimbra traditional fado, will make waves on the music sheets and create serious embarassments to the dying Estado Novo (New State) regime. The release of Balada do Outono, by José Afonso, is one of the first signs of the movement that, slowly, started to happen. Adriano gathers him right afterwards and will be his Trova do Vento Que Passa that will exhume definitely, in 1962, the "war axe" of music against the darkness of the regime.

Already teacher of secondary and father of two sons, Zeca Afonso creates songs as
Menino do Bairro Negro, Os Vampiros and No Lago do Breu and starts to be requested, more and more, to the famous student "gatherings". The first one was in 1961, on the National Students Meeting released in Coimbra, despite its prohibition by academic authorities and repressed by police. But, by that time, Zeca still carried music as a secondary activity as teacher. The first "singing scenes" happend, realy, together with his pupils, on the schools and lyceums where he gave classes, without any kind profit or artistic goals.

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Não só em Coimbra... / Not only in Coimbra...

Mas a resistência através da canção não se fazia só em Coimbra. Ao mesmo tempo que Zeca e Adriano tentavam criar um movimento capaz de incentivar as lutas que por cá se faziam, um jovem músico nascido em Angola recusava a guerra colonial e fixava residência em Paris, onde começou a compor os seus primeiros temas. Chamava-se (e chama-se) Luís Cília e tinha sido um dos frequentadores desse "antro subversivo" que era a Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa, por onde passaram, entre outros, Agostinho Neto e Amílcar Cabral. O encontro de Cília com o poeta Daniel Filipe, em 1962, teve uma importância decisiva na sua opção musical. Meu país e O menino negro não entrou na roda foram as primeiras canções que compôs e, em 1964, edita, na etiqueta Le Chant du Monde, o seu primeiro disco, Portugal, Angola - Chants de lutte, que, como os que se lhe seguiram, nunca teve edição autorizada no nosso país.

A Paris vai ter, mais ou menos pela mesma altura, José Mário Branco, que anos depois terá um papel central na renovação em curso. Por cá, os "convívios" sucediam-se, sob as mais diversas formas: bailes, conferências, sessões de cinema, debates, sessões de poesia. Nomes novos vão aparecendo, um pouco por toda a parte. Ainda em Coimbra, fazem-se ouvir as guitarras de Artur Paredes e Carlos Paredes, a provar que a música instrumental pode ser também uma forma de luta. Ficaram célebres as numerosas sessões de poemas em que Carlos Paredes participou, como simples acompanhante do declamador de serviço, traduzindo nas cordas da guitarra, a força das palavras ditas.

But resistence by music wasn't happening only in Coimbra. At the same time Zeca and Adriano tried to create a movement able to seed fights over here, a young musician born in Angola refused colonial war and started to live in Paris, where he begun to compose his first songs. He was (and is) called Luís Cília and he was one of those who passed in that "subversive hole" that Império Student House was. By that Lisbon house passed, among others, Agostinho Neto e Amílcar Cabral. The meeting by Luís Cília with the poet Daniel Filipe was decisive to his musical options. Meu país (My Country) and O menino negro não entrou na roda (The black boy was not asked to play) were the first songs he wrote and, in 1964, he releases, on Le Chant du Monde, his first record, Portugal, Angola - Chants de lutte, that, as the following, had no authorized release in our country.

By that time, who also arrives to Paris was José Mário Branco, that years later will have a main role on the renewal in course. Over here, "meetings" were being made, in various forms: dances, conferences, cinema sessions, debates, poetry sessions. New names were appearing, everywhere. Still in Coimbra, sound the guitars of Artur Paredes and Carlos Paredes, proving that instrumental music could be also a way of resistence. Became known many poetry sessions where Carlos Paredes participated, as mere accompaniant of the declaimer, puting into the chords of his guitar, the strength of the spoken words.

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Com Rui Pato
Com Rui PatoO Movimento estava criado... / The Movement was a reality...

O "movimento" estava criado. A Zeca, Adriano e Cília outros cantores se juntam, tendo, como ponto comum, uma certa simplicidade musical e um mais ou menos camuflado vanguardismo dos textos -mensagens que veiculavam. Multiplicam-se sessões de canto por todo o país, quase sempre realizadas mais ou menos clandestinamente e muitas vezes terminando antes do tempo, devido às intervenções súbitas da polícia política, a tenebrosa Pide. Outras vezes, eram os "imprevistos" causados pelos "defensores da ordem" que obrigavam a soluções de ocasião, como aconteceu um dia, na Faculdade de Ciências de Lisboa, quando Zeca Afonso se viu obrigado a cantar às escuras e sem microfone, porque a instalação eléctrica fora sabotada por dois pides disfarçados de... electricistas!

The Movement was a reality. Other singers gather Zeca, Adriano and Cília, having, as common characteristic, a musical simplicity and a camouflaged vanguardism of lyrics they sang. Singing sessions multiplies themselves all over the country, almost every time released without public knowledge and interrupted by PIDE (the political police) interventions. Other times, the unexpected reasons came from the "order defenders" that obligated to quick solutions. Like when it happens one day, on Lisbon School of Sciences, where Zeca was forced to sing without light and without microphone becaused the electric instalation had been cut by pides disguised as... electricians!

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Zip-Zip
Zip-ZipO Papel do Zip-Zip / The role played by Zip-Zip

Entretanto, e apesar da barreira de silêncio imposta pelos detentores do poder, a própria Televisão acabaria por se transformar num importante meio de divulgação e incentivo da actividade dos "cantores de texto", com o aparecimento, em fins da década de 60, do "Zip Zip". Foi neste histórico programa de Raul Solnado, Fialho Gouveia e Carlos Cruz que uma boa parte dos "baladeiros" conseguiu, pela primeira vez, apresentar as suas composições ao grande público. Por ali passaram, entre muitos outros, Manuel Freire, Vieira da Silva, o (então) padre Francisco Fanhais, José Jorge Letria, António Macedo, Pedro Barroso, Rita Olivais, Hugo Maia de Loureiro, António Pedro Braga, Duarte e Ciríaco...

Meanwhile, and despite the silence wall imposed by power owners, television would transform itself as a good media and strength giver to the "lyric singers", with the birth, in the end of the sixties, of Zip-Zip. It was in this historical tv show presented by Raul Solnado, Fialho Gouveia and Carlos Cruz that many "balladeers" reached, for the first time, a wide audience. Over there sang, among many others, Manuel Freire, Vieira da Silva, the (then) priest Francisco Fanhais, José Jorge Letria, António Macedo, Pedro Barroso, Rita Olivais, Hugo Maia de Loureiro, António Pedro Braga, Duarte e Ciríaco...

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Mudam-se os Tempos...

Ao mesmo tempo, na Rádio Renascença, programas como "Limite" e "Página Um" começavam, também, a prestar uma atenção especial aos novos cantores. A Pedra Filosofal de Manuel Freire torna-se o primeiro grande êxito de vendas de uma canção "de texto" e, em princípios dos anos 70, novos ventos começam a soprar, com a edição dos LPs Traz Outro Amigo Também e Cantigas do Maio, ambos de José Afonso. Uma vez mais, Zeca é o líder involuntário desta autêntica "revolução na revolução", através da qual deixa de se considerar importante apenas o que se diz, para se favorecer o modo como. Esta transformação estética verifica-se na altura em que, do exílio, dois outros nomes vêm surpreender o público lusitano: o já citado José Mário Branco (que, depois de uma estreia discreta em disco, nos anos 60, faz editar em 1971 Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades, um álbum rapidamente "condenado" a fazer história) e Sérgio Godinho, de certa forma o representante de um outro lado da mesma geração, marcada pelo kerouakiano universo "on the road"...

Em Agosto de 1971, uma pequena povoação do Alto Minho, a poucos quilómetros da fronteira com a Espanha, torna-se o centro das atenções da juventude portuguesa. Era Vilar de Mouros, cujo nome ficaria indissoluvelmente ligado ao primeiro grande espectáculo de música ao vivo realizado no nosso país. Não se tratando, especificamente, de um concerto de música popular (ou de intervenção), o Festival de Vilar de Mouros representou, contudo, a ruptura com uma certa indiferença que até então se vivia. Uma revista da época classificava o acontecimento como «um símbolo, uma prova irrefutável» da importância da pop-music para as camadas jovens portuguesas.
Zeca também lá esteve. Ao todo, mais de 30 mil jovens oriundos de todos os pontos do país ali se deslocaram para participar na modesta (mas honesta!) versão lusitana dos festivais de Wight e Woodstock. Afinal, o saldo mais importante dos dois dias de Vilar de Mouros estava na prova inequívoca de que a renovação musical portuguesa era já um fenómeno imparável.

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Outros cantores... / Other singers...

Aos "cantores de intervenção" dos primeiros tempos e da "era Zip", outros nomes começavam, entretanto, a juntar-se: Fausto, Samuel, Vitorino estão entre os que mais se destacam. E, apostando em outras vias (que não passassem necessariamente pelo conjunto texto, viola e voz), já se notavam nomes como os de Fernando Tordo e Carlos Mendes. José Cid, depois de ter contribuído para a renovação, com temas como Balada Para D. Inês e A Lenda de El-Rei D. Sebastião, além de algumas das primeiras experiências na área do rock, optava agora por caminhos diferentes, mais cómodos e certamente mais lucrativos. Dos outros, destacavam-se aqueles que o jornalista João Paulo Guerra baptizaria para sempre como "nacional-cançonetistas" (numa alusão irónica aos "nacional-socialistas" de Hitler) cuja atitude para com os cantores de protesto era geralmente de indiferença; e, numa área um tanto híbrida, os que sem se empenharem directamente no movimento, também não o renegavam. E que, após 1974, acabariam mesmo por aderir, com maior ou menor discrição, às novas tendências.

After the first phase of "intervention singers" and of the"Zip era", other names started to join: Fausto, Samuel, Vitorino are the more important. Beting in another ways of expression (and not necessarily the whole lyric-guitar-voice), we saw born names like Fernando Tordo and Carlos Mendes. José Cid, after having contributed to the renovation, with themes as Balada Para D. Inês and A Lenda de El-Rei D. Sebastião, beyond some first experiences in rock, was going through different paths, more confortable and certainly more profitable roads... About the others, there was the journalist João Paulo Guerra, that would baptize forever as "nacional-cançonetistas" (national-little-"song-ists") (in a obvious ironical reference to Hitler "national-socialists") which attitude towards protest singers was in general of mislead; and, in a bit-hybrid area, those who without participating directly in the movement, did not refuse it. And that, after 1974, would in fact join themselves, more or less silently, to the "new winds".

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Lisboa, 29 de Março de 1974 - Coliseu dos Recreios

A última grande manifestação cultural de massas do tempo da ditadura aconteceu em Lisboa, a 29 de Março de 1974. Na véspera, Marcello Caetano dirigira aos telespectadores mais uma (a última) das suas "conversas em família" ['Conversas em família' era a designação das intervenções televisivas que Marcello Caetano efectuava regularmente. Tratava-se de discursos previamente escritos, mas lidos como se fossem improvisos. Para esse efeito, a RTP comprou o seu primeiro tele-ponto.]. À noite, o Coliseu dos Recreios, abriu as portas para o primeiro e o mais histórico dos encontros ao vivo da música portuguesa. Organizado pela Casa da Imprensa, marcou de forma inequívoca o fim próximo do regime. José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Manuel Freire, Fausto, José Jorge Letria, Carlos Paredes, Fernando Tordo, José Barata Moura, Ary dos Santos e Vitorino são os nomes principais da "festa", autorizada depois de algumas diligências nada fáceis por parte da Casa da Imprensa.

Com a lotação esgotada desde muitos dias antes, o Coliseu transforma-se num imenso coro de cinco mil vozes dispostas a cantar bem alto o outro lado da realidade permitida. Há agentes da Pide por todo o lado, ninguém o ignora. O espectáculo tarda a começar porque Adriano não tinha enviado os textos ao "exame prévio" da Censura. A situação acabará por resolver-se graças a dois censores "casualmente" de serviço na plateia do Coliseu que, ali mesmo, decidem quais os temas que podem ou não ser ouvidos.

Quando finalmente tem início o "desfile", é a apoteose. Primeiro com alguns equívocos, como aconteceu durante a primeira parte da actuação de José Carlos Ary dos Santos, recebida com uma chuvada de apupos por parte do público. Mas a força da sua poesia impôs-se e quando debitou «SARL, SARL, a pança do patrão não lhe cabe na pele» já ninguém tinha dúvidas de que aquele homem era efectivamente dos nossos...

Depois, foi o grande coro colectivo, a culminar com os cinco mil espectadores, de pé, a entoar os versos de Grândola Vila Morena, ironicamente a única canção de Zeca a passar integralmente as malhas da Censura. E é o seu grande impacto na noite de 29 de Março que irá determinar a sua escolha para senha do Movimento das Forças Armadas, na noite de 24 para 25 de Abril.

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Os Sons do PREC

«Grândola, vila morena / Terra da fraternidade / O povo é quem mais ordena / Dentro de ti, ó cidade...» Passavam vinte minutos da meia-noite quando o "sinal" se faz ouvir por todo o país, através do programa Limite, de Carlos Albino, Leite de Vasconcelos e Paulo Coelho, na Rádio Renascença. Cerca de uma hora e meia antes, E Depois do Adeus fora o "primeiro aviso" radiodifundido por João Paulo Dinis através dos Emissores Associados de Lisboa. Agora, o futuro dependia da determinação dos capitães que, a partir desse momento, tomavam nas suas mãos a tarefa imparável do derrube do governo marcelista.

Com o fim do fascismo, abriram-se as portas para a canção, a nova canção portuguesa até então proibida, perseguida, marginalizada. Pela Rádio e pela Televisão, até então de portas quase totalmente fechadas às novas expressões musicais, passam exaustivamente as composições de Zeca, Letria, Godinho, Adriano, Cília, Zé Mário... As editoras, até então reticentes quanto ao futuro dos "baladeiros" e dos "cantores de intervenção" (salvo, abem dizer, as honrosas excepções de Discos Orfeu e da Sassetti), começam a investir fortemente no novo filão, gravando e difundindo tudo o que, de algum modo, pudesse ser apresentado como "cartão de visita" da Revolução.

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Novos Tempos, Novas Lutas

Do exílio regressam todos: Sérgio Godinho, José Mário Branco, Luís Cília, Francisco Fanhais. Por todo o lado multiplicam-se os cantos livres e as sessões musicais mais ou menos improvisadas, na ânsia de recuperar no imediato tudo o que não tinha sido possível nos anos do medo. No I Encontro Livre da Canção, realizado no Porto poucos dias depois do derrube da ditadura, um grupo de cantores e activistas intelectuais tenta criar um movimento unitário que dê força e abra novos caminhos à sua forma de luta. Tal esforço traduziu-se num comunicado do denominado "Colectivo de Acção Cultural", assinado por Adriano Correia de Oliveira, Carlos Albino, Carlos Augusto Gil, Eduarda Ferreira, Fausto, Francisco Fanhais, Francisco Gago da Silva, Isabel Branco, José Afonso, José Jorge Letria, José Mário Branco, José Maria Correia, Júlio Pereira, Luís Cília, Luís Cortesão, Manuel Freire, Manuel Alegre e Vitorino, que terminava com um apelo «a todos os trabalhadores culturais antifascistas, anticolonialistas e anti-imperialistas consequentes que estejam interessados em pôr a sua actividade musical ao serviço dos objectivos acima definidos (o pão, a paz, a terra, a independência nacional e a liberdade) e no sentido de unificar o multiplicar a nossa participação organizada e activa no movimento democrático e popular.»
Mas se o 25 de Abril representava o fim do obscurantismo e a possibilidade de concretizar em liberdade os objectivos que durante tantos anos tinham sido o motor da unidade entre os cantores antifascistas, vinha também pôr em evidência as diferenças entre eles, tornando impossível a criação de um movimento total. E o "colectivo" acabaria por desaparecer tão depressa como tinha nascido, com o crescimento das cisões entre os vários grupos político-partidários por que se distribuíam os cantores de intervenção.

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Rupturas

Tudo isto, que pode parecer hoje uma grande confusão, fazia parte da normalidade do dia-a-dia pós-revolucionário. Assim, ninguém se espantou por a revista MC-Mundo da Canção, pioneira na divulgação dos "baladeiros", incluir no seu primeiro número posterior ao 25 de Abril uma citação de Mão Tsé-tung a abrir uma saudação às novas perspectivas abertas pelo golpe militar à criatividade dos cantores portugueses. A seguir podia ler-se uma extensa autocrítica do director, também ela recheada de citações de Mão, Lenine e outros dirigentes de massas, prometendo para breve «a construção de uma nova revista finalmente ao serviço da classe operária e das massas trabalhadoras suas aliadas».
De então para cá muitas coisas mudaram. As formas, os estilos, os conteúdos das canções, os sonhos, as perspectivas político-ideológicas. O Muro de Berlim caiu e trouxe atrás dele toda a verdade que se escondia por trás do socialismo real. O próprio Mão deixou de ser Tsé-tung e passou a ser Zedong graças aos prodígios da transcrição fonética. E a China já não olha o imperialismo americano como um tigre de papel, mas antes como um parceiro credível para o país do socialismo de mercado. Extinguiram-se os maoistas, adaptaram-se os estalinistas, reconverteram-se os leninistas. Mas nada disto se sabia nos meses que se seguiram ao 25 de Abril. Maio de 68 foi, para nós, Abril de 74 -mas, enquanto a "pré-revolução" francesa durou escassas semanas, a nossa manteve-se ao longo de um ano e meio, até Novembro de 75.

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Tanto a Fazer...

«Vivemos tantos anos a falar pela calada / só se pode querer tudo quando não se teve nada /só quer a vida cheia quem teve a vida parada». Sérgio Godinho cantava assim, em 1974. Um canto urgente, feito de pequenas notas, de palavras, de motivações imediatas. Nesse tempo não havia tempo para mais. Era necessário motivar as pessoas, dar-lhes a entender o que acontecia, e as canções eram como notícias de jornal: efémeras, é certo, mas ainda assim definitivas. A actividade de José Afonso e dos seus companheiros durante esse ano e meio que durou o PREC repartiu-se entre as tarefas mais urgentes c as lutas mais marcantes dessa altura.
Mas isso não lhe retirou a capacidade crítica. Pelo contrário: «Não confundo canção de intervenção com panfleto partidário, embora, em determinada altura, eu tenha incorrido nesse erro», afirmaria, anos mais tarde. E acrescentava: «A canção de intervenção implica um espírito de renúncia a um triunfalismo fácil, bem como ao vedetismo; implica a noção de que estamos afazer música mais como serviço público do que como forma de averbar glórias.» Tratava-se, assim de uma opção concreta, como explicou noutra ocasião: «Talvez porque tenha uma deformação de 16 anos de ensino, dou a minha preferência à intervenção directa, prefiro levar o ouvinte a fazer a sua própria festa com o imediatismo que a canção suscita.»

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Relatos Cantados...

Desses tempos da canção de intervenção ficaram algumas dezenas de canções, criadas e interpretadas por pessoas como o Zeca, Sérgio Godinho, Fausto, Vitorino, Adriano Correia de Oliveira. Ficou a memória de alguns dos melhores momentos criativos do Grupo de Acção Cultural (onde pontificava José Mário Branco) e ficaram milhares de horas vividas em torno de acções, umas mais colectivas do que outras, todas elas destinadas a «agitar a malta», como se exigia na época, fosse graças ao MFA ou a iniciativas de colectividades, círculos culturais, associações de moradores ou comissões de trabalhadores. Naturalmente, José Afonso foi um dos mais activos participantes dessas jornadas culturais em que a canção teve um papel fundamental.

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No Ano do Verão Quente...

Em 75, o mercado discográfico português não registou grandes novidades. Tal como aconteceu com os praticantes das outras artes, os músicos sentiram nessa altura que havia coisas mais importantes para fazer do que gravar discos: era o tempo dos "cantos livres", das "campanhas de alfabetização", de inúmeras "sessões de esclarecimento" onde, regra geral, os músicos tinham um papel importante. E os poucos discos gravados nessa altura reflectem esta mesma preocupação. São desse ano registos como Viva o Poder Popular / Foi Na Cidade do Sado, gravado por Zeca para a LUAR e que dava conta das movimentações geradas em tomo de um comício do então Partido Popular Democrático, em Setúbal. Assim: «Aos sete do mês de Março / quinta-feira já se ouvia / dizer à boca calada / que o PPD era a Cia / (...) Eram talvez quatrocentos /gritando a plenos pulmões: / abaixo o capitalismo / não queremos mais tubarões! (... ) / A um sinal combinado /já quente a polícia vem / arreia, polícia, arreia / que o Totta Açores paga bem».  António Vieira da Silva, actualmente médico em Aveiro, falava dos «lobos» e das «hienas» que «disfarçados de cristãos / entre cânticos de amor» COMN piravam contra a democracia. O disco, fruto da euforia da época, não teve a melhor das receptividade por parte de alguma crítica, mas ficou, como os de José Jorge Letria, do Grupo Outubro, ou, numa linha menos politizada, da Banda Do Casaco, a marcar uni período excepcional de criatividade musical. As palavras de ordem eram inspiração suficiente para multas músicas: «Paz, pão, habitação, saúde, educação» eram, ainda, reivindicações do quotidiano e serviram a Sérgio Godinho de mote para um belo tema sobre a liberdade. «A vitória é difícil mas é nossa», apregoada pelo PCP -, resultou numa canção de José Jorge Letria. Carlos Alberto Moniz - Maria do Amparo cantavam um «força, força companheiro Vasco» garantindo que «nós seremos a muralha de aço». E, de um modo mais simples, Tino Flores garantia: «Camaradas, no fundamental nós temos os mesmos problemas». Manuel Freire alertava contra os «camaleões» (que é como quem diz, os fascistas recauchutados em neo-democratas) a quem era necessário dar «um chuto no traseiro» e, na mesma linha, José José Barata Moura falava do «cravo vermelho ao peito» que «a todos fica bem» e «sobretudo faz jeito a certos filhos da mãe». Luís Cília cantava O Guerrilheiro e deixava a Luísa Basto a tarefa de mobilizar as massas com o seu "Avante, camarada". E a Banda Do Casaco dava os primeiros toques de uma irreverência que faria escola, ao falar Dos Benefícios Dum Vendido No Reino dos Bonifácios.

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Ainda o Alucinante Ano de 75...

Em pleno ano de 75 Júlio Pereira despedia-se em definitivo da área do rock, compondo e interpretando, com Carlos Cavalheiro, o LP Bota-fora , enquanto José Cid materializava a sua 'obra-ensaio' intitulada Onde, Quando, Como, Porquê Cantamos Pessoas Vivas , com textos seus e de José Jorge Letria, que assinalou o fim oficial do Quarteto 1111. Foi um trabalho a que Cid tentou dar continuidade, algum tempo depois, com 10.000 Anos Depois Entre Vénus e Marte, mas, infelizmente, sem êxito. Foi, também, em 1975 que Jorge Constante Pereira editou Cantigas de Ida e Volta, um interessante disco dirigido ao público infantil. Nele participaram, à boa maneira colectiva da época, alguns dos mais representativos nomes da música portuguesa de então, desde Sérgio Godinho a Fausto, passando por Vitorino - que só no ano seguinte veria editado o seu álbum de estreia, Semear Salsa Ao Reguinho. Da mesma altura datam alguns dos mais significativos trabalhos do Grupo de Acção Cultural (GAC), que iniciou a sua actividade, ainda em 74, com músicas como Alerta! / Em Vermelho em Multidão, A luta do Jornal do Comércio ou A cantiga é uma arma. De 75 o GAC regista temas como Soldados ao lado do povo e Classe contra classe, ambas com música de Eduardo Paes Mamede e letra de João Lisboa, actualmente crítico de música do Expresso. Fausto compusera, entretanto, canções como O Poder às Classes Trabalhadoras - título que os ideólogos do GAC consideraram vagamente trotsquista, transformando-o em O Poder Aos Operários e Camponeses - ou No Vermelho de um Vulcão, que veio a integrar o disco o Viva a Bandeira Vermelha, atribuído a um Coro Popular 'O Horizonte é Vermelho', com sede na Rua de São Bernardo, 48, em Lisboa. O LP (primeiro e, ao que creio, único da etiqueta 'Viva o Povo') trazia, na contracapa uma das mais sonoras palavras-de-ordem dessa época - «Viva a cultura democrática e popular, patriótica, científica e de massas!» - impressa nos tons de amarelo e vermelho, próprios do MRPP.

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O Horizonte é Vermelho
O Horizonte é Vermelho

De resto, as edições partidárias e similares eram mais ou menos comuns nessa época: de Samuel (no PCP) ao já citado single de Zeca Afonso, comercializado pela LUAR, aconteceu em 75 de tudo um pouco. Até Amália Rodrigues, a velha senhora que, com razão ou sem ela, personificava de algum modo o regime recém-derrubado, não resistiu a gravar em disco o tema que, desde 25 de Abril de 1974 andava nas bocas de toda a gente: Grândola, vila morena, nem menos, em versão fadista pouco inspirada e que não chegou para fazer história.

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Sérgio e Zeca em 75

O mesmo já não pode dizer-se do LP À Queima Roupa, de Sérgio Godinho, que acabaria por tomar-se numa das primeiras crónicas cantadas da revolução portuguesa. Temas com Liberdade, Cão raivoso ou De coração e raça ficaram a marcar um tempo único da música portuguesa. Tal como Coro dos Tribunais, de José Afonso, gravado em finais de 74 e amplamente divulgado no ano seguinte, integralmente composto por temas anteriores ao 25 de Abril, e que marcava já a diferença entre o canto de circunstancia e a arte revolucionária, fosse através de hinos mais ou menos imediatistas como O que faz falta ou de temas mais complexos, como Tenho um primo convexo ou A presença das formigas.
É, aliás, durante todo o ano de 1975 que José Afonso irá compor a maioria das canções que haveriam de integrar o seu LP Com As Minhas Tamanquinhas, editado em 76 - um disco que Zeca gostava de considerar como um dos seus melhores e que, na verdade, representa o retrato vivo do tempo que mediou entre 25 de Abril de 1974 e 25 de Novembro de 1975.

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"Que Nunca Mais!"
"Que Nunca Mais!"Ainda edições do ano de 75...

Desse ano ficou, também, a memória do mais agitado Festival RTP da Canção de sempre, que contou, entre outras, com as participações de José Mário Branco, com Alerta! / Em Vermelho em Multidão, e de Carlos Cavalheiro, com A Boca do Lobo, de Sérgio Godinho. E ficaram as canções de Fausto, no álbum Um beco com saída, e de Adriano Correia de Oliveira, em Que Nunca Mais, com poemas de Manuel da Fonseca, arranjos de Fausto e uma das escassas participações de Carlos Paredes em discos alheios. E muitas coisas diferentes de Fernando Tordo, Ary dos Santos, Carlos Mendes. E um disco chamado Não de Costas, Mas de Frente, voltando uma página decisiva na carreira de Paulo de Carvalho. E milhares de quilómetros percorridos a cantar, em luta por um amanhã que, afinal, não veio. E uma mão cheia de revelações latino-americanas, a arte heterodoxa dos italianos Area (cujo álbum Arbeit macht frei ajudaria a divulgá-los entre nós, nesse mesmo ano), os cantos revolucionários do Grupo Coral dos Mineiros de Aljustrel, responsáveis pela interpretação do hino da Intersindical, com letra de Mário Vieira de Carvalho sobre uma música do século XVIII, recolhida por Luís Cília.

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O Regresso à "Normalidade"...

Só isso? Claro que não. 1975 foi também um ano propício a algumas das mais hábeis operações de mimetismo político, até junto da classe cantante. Assim, e porque o vento estava de feição, até se ouviam antigos reis da rádio cantarem coisas como esta: «Não, não basta dizermos não / A hora é de trabalhar / Pela revolução / Não, não queremos voltar atrás / Não queremos voltar a ser / Escravos do capital. / Camponeses, unamos a nossa voz /A terra é de todos nós / Abaixo a exploração. / Companheiro não cedas o teu lugar / Que a hora é de trabalhar / Pela revolução. / Vê, amigo, por onde vais / Agora é a nossa vez / Agora ou nunca mais. / Vê, amigo trabalhador / Não vendas o teu suor / Abaixo o capital.» O intérprete deste canto fervoroso era Paco Bandeira, nem menos. A canção, essa, durou pouco tempo. O golpe militar de 25 de Novembro, nesse mesmo ano de 75, encarregou-se de restituir a normalidade ao país. E cada um pode, então, voltar a representar o papel que lhe competia no xadrez artístico lusitano...

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Zeca em Coimbra
Zeca em CoimbraA Discografia do Zeca

Uma obra como a de José Afonso, repartida por trinta anos de música, poesia e uma luta imparável por um mundo melhor, uma obra destas, dizia, não pode resumir-se em poucas linhas. Por outro lado, a análise, ainda que breve, da sua discografia torna-se tanto mais difícil quanto é certo que é praticamente impossível contabilizar com rigor todas as edições (entre discos de 78, 33 e 45 rotações, edições -comerciais, compilações, etc, cd's...) das suas músicas.
O próprio Zeca (até por ser, como ele mesmo dizia, "um tipo que não liga muito a essas coisas") não possuía senão dados mais ou menos vagos das inúmeras gravações que fez. Apesar disso, e das contradições existentes entre as diversas discografias até hoje publicadas, creio haver condições de elaborar um roteiro o mais fiel e completo possível da sia produção discográfica.

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Coimbra - Zeca e Goes
Coimbra - Zeca e Goes

Além dos trabalhos que adiante se referem, existe um LP, Coimbra, feito de parceria com Luís Goes, e alguns singles e EP's dispersos. A enumeração rigorosa destes últimos torna-se particularmente difícil, já que dos primeiros álbuns de Zeca foram editados diversos desdobramentos, em EP. Por outro lado, as proibições que frequentemente se verificavam obrigaram, por vezes, a novas edições, como aconteceu com um dos EP's gravados com o título genérico de Baladas de Coimbra, que possui uma segunda versão em que os temas Menino do Bairro Negro e Os vampiros foram substituídos por uma "selecção de baladas", instrumental, com excertos de ambas as músicas e ainda de Quadras. Em 1962, dois temas seus, Minha mãe e Balada Aleixo, gravados com acompanhamento à viola de José Niza e Durval Moreirinhas, foram incluídos no disco Coimbra Orfeon of Portugal, editado nos Estados Unidos pela etiqueta Monitor. Ao longo da sua carreira de mais de 30 anos, José Afonso viu ainda diversos discos seus editados em alguns" países, nomeadamente Espanha, França, RDA, Bulgária e Itália.
Para além de diversas reedições surgiu à venda, em 1982, um LP intitulado Baladas e Fados de Coimbra, que integra os temas de três dos primeiros EP's de José Afonso. No mesmo ano, a Rádio Triunfo publicou uma caixa com três LP's, contendo uma selecção de canções gravadas para a Discos Orfeu, entre 1967 e 1982, além de uma brochura com textos de Oscar Lopes, João de Freitas Branco, Lousa Henriques, Fernando Assis Pacheco, Bernardo Santareno e Urbano Tavares Rodrigues. Após a morte de Zeca, a Transmédia fez editar um triplo álbum, Agora e Sempre, com as últimas gravações do cantor. Actualmente, toda a obra de Zeca está reunida em CD.

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Versões...

Entretanto, existem diversas versões de muitos temas seus gravadas por intérpretes tão diversos como os norte-americanos Charlie Haden e Carla Bley (que incluíram uma versão instrumental de Grândola no álbum The Ballad of the Fallen, editado em 1983), o espanhol Luis Pastor (autor de uma excelente versão castelhana de Coro da Primavera e de uma não menos digna interpretação de um tema que já é um clássico de Fausto, Rosalinda), a brasileira Gal Costa (Milho verde), ou os portuguesíssimos Dulce Pontes, Sérgio Godinho ou Carlos do Carmo - o único cantor para quem Zeca escreveu propositadamente uma música: Fado excursionista, com texto de José Carlos Ary dos Santos, incluída no álbum Um Homem no País. Em 1994 foi editado o duplo CD ..., que foi também a designação de um hiper-concerto realizado em Lisboa. E, no ano seguinte, José Mário Branco, João Afonso e Amélia Muge publicaram outro CD, igualmente duplo, com a gravação ao vivo do projecto  Maio Maduro Maio, concebido para os espectáculos que os três artistas realizaram no Teatro S. Luiz, em Lisboa, tendo por base as canções de José Afonso. Pela sua importância, optou-se por incluir estes dois trabalhos no final da presente discografia.

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Coimbra

José Afonso

Coimbra (1972) [EP]

Supõe-se que seja a primeira gravação de José Afonso, feita em 1953, ainda em 78 rpm. Na verdade não é um, mas dois discos, editados pela Alvorada, do Porto, que incluem, além do "Fado das águias", de sua autoria, os temas Solitário, de António Menano, "O Sol anda lá no céu", de Carlos Figueiredo e Contos velhinhos, de Ângelo Araújo. O acompanhamento musical era de primeira água: António Portugal - António Brojo, nas guitarras, Aurélio Reis e Mário de Castro, nas violas. Gravado nos estúdios de Coimbra da Emissora Nacional - onde, alguns anos depois, teria a maioria das suas canções interditadas pela Censura.

This is supposedly José Afonso first recording, made in 1953, stil in 78 rpm. In fact it's not one, but two records, released by Alvorada, from Oporto, that include incluem, besides "Fado das águias", by Zeca, the themes "Solitário", by António Menano, "O Sol anda lá no céu", by Carlos Figueiredo and "Contos velhinhos", by Ângelo Araújo. The musical support was of excellence: António Portugal - António Brojo, in guitars, Aurélio Reis and Mário de Castro, in violas. Recorded in Coimbra Emissora Nacional studios- where, some years later, Zeca would have most of his songs forbidden by censorship.

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Coimbra

José Afonso

Coimbra (1962) [EP]

Segundo José Niza, este será o primeiro disco de 45 r.p.m. gravado por José Afonso. Incluía os temas "Incerteza", de Tavares de Melo, "Mar largo", de Paulo de Sá, "Aquela moça da aldeia", de António Menano, e uma Balada com música de Zeca sobre uma letra popular açoriana. Gravado em 1956, também para a Alvorada, teve como acompanhantes António Portugal e Jorge Godinho, nas guitarras, Manuel Pepe e Levy Baptista, nas guitarras. Tal como Fado das águias [Coimbra], foi reeditado em 1996, no CD De Capa E Batina.

José Niza defends that this is the first 45 r.p.m. recorded by José Afonso. It included the themes "Incerteza", by Tavares de Melo, "Mar largo", by Paulo de Sá, "Aquela moça da aldeia", by António Menano, and a Balada with music by Zeca over an Azorean popular lyric. Recorded in em 1956, also to Alvorada, it had as musicians António Portugal and Jorge Godinho, in guitars, Manuel Pepe and Levy Baptista, in violas. Like Fado das águias, it was reissued in 1996, in De Capa E Batina.

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Balada do Outono

José Afonso

Balada do Outono (1960) [EP]

O EP incluía, além do tema-título, "Vira de Coimbra", "Amor de estudante" e "Morena". Editado pela Rapsódia, marca o primeiro passo do cantor no sentido da ruptura com o tradicionalismo coimbrão. Acompanhado ainda, de acordo com as "normas" (à guitarra, por António Portugal e Eduardo Melo, e à viola, por Manuel Pepe e Paulo Alão) José Afonso não viu o seu trabalho ser particularmente bem recebido nos meios estudantis mais defensores das regras estabelecidas. Gravado em 1958 (segundo alguns) ou em 1960 (de acordo com outros) este disco era já o sinal de que qualquer coisa ia mudar na música em Portugal. Como se provou, pouco tempo depois.

The EP included, beyond the main-theme, "Vira de Coimbra", "Amor de estudante" and "Morena". Released by Rapsódia, marks the singer first step in breaking with the Coimbra tradition. Accompanied still, following the "laws" (at guitar, by António Portugal and Eduardo Melo, and at viola, by Manuel Pepe and Paulo Alão) José Afonso saw his work with bad acclaims in the student middles, great defensors of the "establishment". Recorded in 1958 (according to some) or in 1960 (according to some others) this record was already the sign that something would change soon on the music in Portugal. As it happened, short after.

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Baladas de Coimbra

José Afonso

Baladas de Coimbra (1962) [EP]

O EP que terá sido editado em 1962, chamava-se simplesmente Baladas de Coimbra e incluía, além de "Menino d'oiro", as canções "Tenho barcos tenho remos", "No lago do breu" e "Senhor Poeta "(com texto conjunto de Zeca, Manuel Alegre e António Barahona da Fonseca), todas gravadas num velho mosteiro de Coimbra. Menino d'oiro, dedicada ao seu primeiro filho, é a redescoberta de uma ternura que até então a música portuguesa dificilmente se atrevia a abordar. Musicalmente distinguia-se já do fado de Coimbra, não só pelo acompanhamento mais simples (uma viola, tocada pelo então adolescente Rui Pato, que aqui iniciou a sua parceria com Zeca), como pela própria concepção e pelas inflexões vocais, mais determinadas pelo texto do que pelas exigências do "estilo", tornando-se elas próprias componentes da criação melódica.

The Ep that was probably released in 1962, was called simply  Baladas de Coimbra and it included, besides "Menino d'oiro", the songs "Tenho barcos tenho remos", "No lago do breu" and "Senhor Poeta" (with lyric by Zeca, Manuel Alegre and António Barahona da Fonseca), all recorded in an old Coimbra monastery. Menino d'oiro, dedicated to his first child, is a re-discovery of a tenderness that, until then, Portuguese music hardly dared to approach. Musically speaking it was distinct already of Coimbra fado, not only by the simplier accompaniement (one viola, played by then teenager Rui Pato, that started her his collaboration with Zeca), as by the conception and the vocal changes themselves, more determined by the text than by "style" demandings, becoming themselves parts of melodic creation.

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Baladas de Coimbra

José Afonso

Baladas de Coimbra (1963) [EP]

Os Vampiros

O primeiro tema vincadamente político (ainda que não fosse essa a sua intenção inicial) de José Afonso, editado em 1963 juntamente com Menino do Bairro Negro, As pombas, com música de Luís Pignatelli, e Canção vai... e vem. Tanto Os vampiros como Menino do Bairro Negro seriam, pouco tempo depois, proibidos pela Censura, originando a edição de outro EP em que estes temas surgiam em versão instrumental.

Os Vampiros / The Vampires

The first truly political song (even if that was not his first intention) by José Afonso, released in 1963 together with
Menino do Bairro Negro, As pombas, with music by Luís Pignatelli, and Canção vai... e vem. Both Os vampiros and Menino do Bairro Negro[i] would, short after, forbidden by censorship, making obligatory the release of another EP in which these songs appeared as instrumentals.[i]

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Cantares de José Afonso

José Afonso

Cantares de José Afonso (1964) [EP]

EP datado de 1964, edição Valentim de Carvalho. Incluía os temas Coro dos caídos, Ó vila de Olhão, Canção do mar e Maria, este último dedicado a Zélia, sua segunda mulher. O disco antecede a partida de Zeca para Moçambique, onde irá permanecer três anos, e é já a manifestação inequívoca do posicionamento do poeta perante a sociedade que o rodeia. Posteriormente, estes temas foram reeditados, distribuídos por dois singles: Coro dos Caídos / Canção do Mar e Ó Vila de Olhão / Maria.

EP released in 1964, by Valentim de Carvalho. It included Coro dos Caídos (Choir of the Fallen), Ó Vila de Olhão (Oh Olhão Village), Canção do mar (Sea Song) and Maria, this one dedicated to Zélia, his second wife. The record is released before Zeca goes to Moçambique, where he will stay for three years, and it is undoubtly his positioning about the society around him. Later, these songs were reissued, in two singles: Coro dos Caídos / Canção do Mar e Ó Vila de Olhão / Maria.

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Baladas e Canções

José Afonso

Baladas e Canções (1964)

É o primeiro longa-duração oficial de José Afonso. Editado em 1967 pela Discoteca de Santo António, no Porto (etiqueta Ofir), reúne doze temas da fase de ruptura de Zeca com o tradicionalismo coimbrão, também editados, anteriormente, em três EP's. Acompanhado à viola por Rui Pato, o cantor é identificado, na primeira edição do álbum, ainda como Dr. José Afonso. A influência de Edmundo Bettencourt é sobretudo notória nos temas de maior lirismo, servidos por uma interpretação admirável que, mantendo os traços característicos da 'escola' coimbrã, não se limita a ser uma mera demonstração de dotes vocais (ao contrário do que, por vezes, acontecia com outros cantores oriundos de Coimbra), mas se assume inteiramente como mais um elemento da canção, tão importante como o texto ou a música. É esta pureza interpretativa, poética e melódica (patente, de resto, em toda a sua obra) que podemos encontrar em Aiíos castelos, Canção longe ou Os bravos e, sobretudo, em Ronda dos paisanos, Minha mãe ou O pastor de Bensafrim. O disco inclui ainda Balada Aleixo, Balada de Outono, Trovas antigas, Na fonte está Lianor, Elegia (um belo poema de Luís de Andrade que Adriano Correia de Oliveira também cantou) e o instrumental Canto da Primavera, que mais tarde seria retomado por Zeca para o Coro da Primavera. Na altura da criação destas canções, a actividade de Zeca era ainda mais ou menos solitária (embora Adriano, em Coimbra, Luís Cília e José Mário Branco, em Paris, traçassem já caminhos musicais paralelos aos seus) e os temas deste disco reflectiam ainda uma postura «mais ou menos contemplativa» (palavras do próprio) em relação ao Universo - atitude que o cantor nunca abandonou por completo, nem mesmo nos momentos de maior empenhamento político.

[Baladas e Canções foi o último disco de José Afonso a ser publicado em CD: apenas em 1997, por iniciativa da Valentim de Carvalho, em edição coordenada por Jorge Mourinha.]

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Cantares do Andarilho

José Afonso

Cantares do Andarilho (1968)

Editado em 1968, assinala o início da sua ligação à editora Orfeu, de Arnaldo Trindade (onde se manteve durante 14 anos), e da fase mais interveniente, política e culturalmente, da sua arte. A propósito deste álbum, Urbano Tavares Rodrigues escreveu que «José Afonso, trovador, é o mais puro veio de água que torna o presente em futuro, que à tradição arranca a chama do amanhã» e «a primeira voz da massa que avança em lume de vaga, a mais alta crista e a mais terna faúlha de luar na praia cólera da poesia, da balada nova». Nestes cantares, Zeca alia a sua criatividade à mais genuína inspiração popular, quer através da utilização de melodias tradicionais (como Senhora do Almortão ou Resineiro engraçado, posteriormente gravado também por Amália Rodrigues), quer tomando-as apenas como um ponto de partida para a criação de novos temas, mantendo, no entanto, a sua estrutura formal. São os casos, por exemplo, de Natal dos simples, da Balada do sino ou dessa comovente Canção de embalar, sem dúvida um dos mais belos temas de Zeca e, por que não dizê-lo?, do nosso cancioneiro popular. Cantares do Andarilho regista ainda uma incursão de José Afonso na poesia de Camões (Endechas a Bárbara escrava), um tema da fase que o próprio Zeca classificou de 'franciscana' (O Tecto na Montanha) e também as primeiras experiências de inspiração vagamente surrealista (Chamaram-me cigano) ao jeito de [Edmundo] Bettencourt. Regista, por outro lado, uma canção que, a par de Os vampiros, da Trova do vento que passa e, mais tarde, de Grândola vila morena, vai tornar-se uma espécie de hino da geração de 70: Vejam bem.

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Menina dos Olhos Tristes

José Afonso

Menina dos Olhos Tristes (1969) [Single]

1969. Os ventos agitados que o ano anterior trouxe de França começam a fazer-se sentir também entre nós, culminando na crise académica que tantas dores de cabeça causou a Marcello Caetano. Aproveitando, talvez, as promessas de 'abertura' do chefe do regime,  José Afonso tenta editar o single Menina dos olhos tristes (com a sua versão de Canta camarada canta, no lado B) uma notável adaptação do poema de Reinaldo Ferreira e uma corajosa denúncia da guerra colonial.

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Contos Velhos, Rumos Novos

José Afonso

Contos Velhos, Rumos Novos (1969)

A 'semente' estava definitivamente lançada. São estes 'rumos novos' que José Afonso acompanha, atento aos contos velhos que os senhores da época desejam perpetuar através da tão propagada 'evolução na continuidade'. Este álbum, à semelhança dos anteriores, intercala os temas do cancioneiro tradicional com as inevitáveis palavras de denúncia e resistência. Um texto de Ary dos Santos (A cidade) e outro de Luís de Andrade (Era de noite e levaram, uma alusão às prisões arbitrárias da pidesca instituição) são, com Já o tempo se habitua, do próprio Zeca, os exemplos mais elucidativos. Musicalmente, este álbum (o único em que a designação genérico não corresponde ao título de nenhuma canção) marca também uma mudança significativa no trabalho do compositor. O acompanhamento não se limita já à viola de Rui Pato (que, aqui, toca também marimbas e harmónica), mas estende-se às colaborações de Sousa Colaço (segunda viola), José Fortunato (cavaquinho), Adácio Pestana (trompa) e Teresa Paula Brito, responsável pela voz feminina de Vai, Maria, vai.

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Traz Outro Amigo Também

José Afonso

Traz Outro Amigo Também (1970)

No texto de apresentação deste álbum, Bernardo Santareno realçava a 'pureza como 'a nota maior' da arte de Zeca. Pureza é, de facto, a palavra exacta para definir este disco, um imenso poema de fraternidade a que não falta a raiva de quem se sabe cercado. Uma raiva que tem a sua expressão mais evidente nas interpretações de Os eunucos (cuidadosamente subintitulada No reino da Etiópia, numa tentativa de dar a volta às malhas apertadas da censura) e do soberbo e angustiante poema de Jorge de Sena, Epígrafe para A Arte de Furtar. Gravado nos estúdios da Pye, em Londres, no ano de 1970, Traz Outro Amigo Também não pôde contar com a participação de Rui Pato, entretanto mobilizado para a tropa e com o passaporte apreendido pela PIDE. Em seu lugar estão Carlos Correia (Boris) e Filipe Colaço. As referências a África surgem, pela primeira vez, no trabalho de Zeca (em Avenida de Angola e Carta a Miguel Djéje), a par de temas como a emigração e o exílio (Canção do desterro), de canções populares (Maria Faia e Moda do Entrudo) e de uma nova viagem pêlos domínios camonianos (Verdes são os campos). Incómodo e belíssimo, Traz Outro Amigo Também assume-se como um disco de grande maturidade, através do qual, se dúvidas ainda restassem, se tornava claro que já tudo era diferente na música portuguesa. A prova, de resto, fora dada no ano anterior a este disco, durante um programa de televisão igualmente histórico, o 'Zip Zip'. Onde Zeca, curiosamente, nunca participou...

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Cantigas do Maio

José Afonso

Cantigas do Maio (1971)

O mais histórico e o mais referencial de todos os discos da música popular portuguesa. Gravado no Strawberry Studio, de Michel Magne, em Herouville (França), entre 11 de Outubro e 4 de Novembro de 1971, com arranjos e direcção musical a cargo de José Mário Branco, este disco assinala a primeira viragem de fundo na revolução musical iniciada por Zeca uma dúzia de anos antes. O tratamento instrumental de cada tema, a beleza poética e a subversão temática atingem, aqui um nível nunca anteriormente possível. E, uma vez mais, Zeca recusa a facilidade, incluindo canções onde o surreal é já assumido na sua totalidade (para desespero da direita e de uma certa esquerda, que insistia na necessidade de uma 'definição clara de Zeca, à luz do 'socialismo científico') como Ronda das mafarricas ou Senhor arcanjo, a par de belíssimos temas de inspiração popular, como Maio, maduro Maio, A mulher da erva ou Cantigas do Maio e de óbvios cantos de resistência, como o Cantar alentejano, dedicado a Cataria Eufemia, camponesa assassinada pela GNR, ou Coro da Primavera. Gravado num tempo recorde e contando apenas com as participações de meia dúzia de músicos (Carlos Correia, Michel Delaporte, Christian Padovan, Tony Branis, Jacques Granier e Francisco Fanhais, além de, naturalmente, José Mário Branco e Zeca), este disco seria considerado, em 1978, como o melhor de sempre da música popular portuguesa, numa votação organizada pelo Sete que contou com a participação de 25 críticos e jornalistas. Um tema, no entanto, bastaria para fazer de Cantigas do Maio um marco da história portuguesa: Grândola vila morena, escolhida em 1974 como senha para o arranque do Movimento dos Capitães, que em 25 de Abril derrubou a ditadura fascista.

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Eu Vou Ser Como A Toupeira

José Afonso

Eu Vou Ser Como A Toupeira (1972)

Continuação lógica de Cantigas do Maio, este disco surge numa fase de grande empenhamento político de Zeca - que pouco tempo depois o levará novamente à prisão de Caxias. Apresentado como um trabalho de grupo, com colaborações de Benedicto Garcia, Carlos Alberto Moniz, Carlos Medrano, Carlos Villa, Ernesto Duarte, José Dominguez,  José Jorge Letria, José Niza, Maite,  Maria do Amparo, Pedro Vicedo, Pepe Ébano e Teresa Silva Carvalho. Praticamente impedido de cantar em Portugal, Zeca apresenta-se ao vivo em Espanha e em França e tenta dar conta, em disco, do que por cá se passa. Prenúncios da mudança que se avizinhava são temas como Ó Ti Alves ou A caminho de Urga. Mas, enquanto o dia novo não chega, Zeca continua a cantar a cólera e o desespero colectivos, através de momentos musicais inesquecíveis como A morte saiu à rua (dedicado a José Dias Coelho, assassinado pela Pide em 1961) e Por trás daquela janela (escrito para Alfredo Matos, antifascista do Barreiro que se encontrava preso), ao mesmo tempo que ironiza com a cadavérica memória salazarista (O avô cavernoso), faz novos apelos à luta (Fui à beira do mar, Eu vou ser como a toupeira) e se diverte com o aparente non sense de Fernando Pessoa (No comboio descendente), afinal a imagem perfeita de um certo laissez-faire tão tipicamente lusitano.

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Venham Mais Cinco

José Afonso

Venham Mais Cinco (1973)

Gravado em finais de 1973, em Paris, novamente com colaboração de José Mário Branco, inclui diversos temas escritos por Zeca durante o seu último período de 'férias' na prisão de Caxias, em Maio desse ano. É o disco em que o cantor conta com a participação de maior número de músicos (18, no total) e onde a poesia de Zeca atinge a sua expressão mais ampla, livre de significados imediatistas e de interpretações lineares. São, por junto, dez cantigas onde o tradicional lirismo de José Afonso se funde com uma grande 'modernidade' semântica (em Era um redondo vocábulo, por exemplo) atravessada em alguns casos por uma 'crueza' ímpar (Paz, poeta e pombas ou Rio largo de profundis) que chega a ser desconcertante (Gastão era perfeito ou Nefretite não tinha papeira) sem nunca perder o sentido daquilo que, para Zeca, foi sempre o fundamental: a agitação sociopolítica que as suas intervenções musicais possibilitavam. Exemplos soberbos são Adeus ó Serra da Lapa, A Formiga no Carreiro ou Venham mais cinco, o último dos grandes hinos de Zeca deste período.

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Coro dos Tribunais

José Afonso

Coro dos Tribunais (1974)

Venham ver, Maio nasceu. O sonho de tantos anos torna-se finalmente uma realidade, que Zeca acompanha de perto deslumbrado e com aquela vontade de virar o mundo do avesso que marcou o período mais fascinante das nossas vidas. O tempo, agora, é de preocupações prementes, há (pensamos todos) uma revolução urgente para fazer. Zeca parte para ela com todos os sentidos, ciente de que não bastou derrubar o fascismo: é preciso renovar o país e reconquistar a esperança. Coro dos Tribunais, gravado no final de 1974, em Londres, com Adriano Correia de Oliveira, Fausto (responsável pelos arranjos e pela direcção musical), Vitorino, Carlos Alberto Moniz, José Niza, o francês Michel Delaporte e o brasileiro Yório Gonçalves, é integralmente preenchido por temas escritos e compostos antes de Abril: Coro dos tribunais, O homem voltou, Ailé! Ailé!, Não seremos pais incógnitos, O que faz falta, Lá no Xepangara, Eu marchava de dia e de noite, Tenho um primo convexo, Só ouve o brado da terra, A presença das formigas.
Recusando-se a alinhar no populismo demagógico, ainda que eventualmente compreensível, que caracterizou algumas criações musicais (e outras) desta época, Zeca coloca-se, uma vez mais, na linha avançada da intervenção artística, através de um disco capaz de, por um lado, corresponder às exigências do seu tempo e, por outro, não alimentar falsas ilusões relativamente ao que estava feito e àquilo que era necessário construir.

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Viva o Poder Popular

José Afonso

Viva o Poder Popular (1975) [Single]

Um single editado à margem do circuito comercial pela LUAR, em 1975. Circunstancial (o único, de todos os que Zeca gravou, a que pode aplicar-se cabalmente esta definição) e fortemente marcado pelos acontecimentos da época, inclui, além de uma primeira versão de Viva o Poder Popular, o tema Foi na Cidade do Sado, uma canção escrita a propósito de um célebre comício do então PPD (actual PSD) em Setúbal.

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República

José Afonso

República (1975)

Álbum de solidariedade para com o jornal República e a Reforma Agrária, editado em 1975, com interpretações de Zeca e de Francisco Fanhais, que inclui um tema inédito, Foi no Sábado Passado, escrito a propósito de uma manifestação de solidariedade com a revolução portuguesa, realizada em Roma. Os outros temas são Para não dizer que Não falei de flores, do brasileiro Geraldo Vandré, Se os teus olhos se vendessem, Canta camarada, Eu hei-de ir colher macela, O pão que sobra à riqueza, Vampiros, Senhora do Almortão, Letra para um hino e Ladainha do Arcebispo. Editado por iniciativa conjunta do II Manifesto e das organizações Lotta Continua e Vanguardia Operaria, nunca foi distribuído em Portugal.

Este disco pode ser ouvido integralmente aqui

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Com As Minhas Tamanquinhas

José Afonso

Com As Minhas Tamanquinhas (1976)

José Afonso dizia, num misto de provocação e de grande coerência, ser este o seu melhor disco. Gravado em 1976, reflecte as vivências ímpares «desse período maravilhoso que foi o PREC», as lutas das pequenas comunidades, as situações únicas e inesquecíveis da época a que, no discurso politicamente correcto dominante, se chama gonçalvista. Disco comprometido e datado é, no entanto, um trabalho capaz de sobreviver às situações que lhe deram origem. A gravação recente de Os índios da Meia Praia por Dulce Pontes é a prova disso mesmo. Verdadeira demonstração da capacidade de intervir artisticamente de forma eficaz, em termos imediatos, sem prejuízo dos valores estético-formais, Com As Minhas Tamanquinhas não cede às tentações mais primárias do chamado 'realismo socialista', a que Zeca nunca ligou grandemente, assumindo-se, contudo, como um trabalho de e para a mudança, na linha das melhores criações de Brecht e Maiakovski.

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Enquanto Há Força

José Afonso

Enquanto Há Força (1977)

Ainda sob a influência dos tempos áureos de 75, mas já com as marcas do retrocesso do processo político provocado pelo 25 de Novembro, este álbum mistura a esperança com o humor, a denúncia com o fervor revolucionário e transforma todos estes ingredientes» numa obra plena, daquelas que só a genialidade pode conceber. «Enquanto há força/ no braço que vinga / que venham ventos / virar-nos as quilhas»: a irreverência e o desafio, urna vez mais, a par de um certo desencanto (patente, por exemplo, em A Acupunctura em Odemira, um tema anterior a 74 que Zeca recupera para este disco) e de uma ironia subtil, expressa nos versos quase ingénuos da segunda versão de Viva o Poder Popular.
Pela primeira vez, José Afonso reparte com outro compositor a autoria de duas canções: Eu, o Povo, sobre texto do poeta moçambicano Barnabé João [Mutiatimi Barnabé João, aliás João Pedro Grabato Dias, aliás António Quadros (Pintor). Pseudónimos de António Augusto de Melo Lucena e Quadros (1933-1994), pintor, escultor e poeta, que tem vários textos musicados por Zeca e, mais recentemente, por Amélia Muge.], e A Acupunctura em Odemira, ambas musicadas de parceria com Fausto, que com Zeca assume também a direcção musical do disco. Entre a lista dos colaboradores escolhidos para a sua concretização, podem ver-se os nomes de Michel Delaporte (que assina, aqui, a sua última participação em gravações de José Afonso), Pintinhas, Guilherme Inês, José Luís Iglésias, Carlos Zíngaro, Pedro Caldeira Cabral, Rão Kyao, Luís Duarte, Paulo Godinho, Yório Gonçalves, Adriano Correia de Oliveira, Sérgio Godinho, Alfredo Vieira de Sousa e do próprio filho de Zeca, Pedro Afonso, entre outros.

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Fura Fura

José Afonso

Fura Fura (1979)

Foi graças a este disco (e ao tão substimado Histórias de Viageiros, de Fausto, também de 1979) que os Trovante começaram a ganhar a força que necessitavam para sair do circuito mais ou menos fechado das actuações em comícios do PC, que até então frequentavam. O grupo de Baile no Bosque é, de facto, o grande suporte musical deste trabalho, evidenciando também o empenhamento de Zeca (notório, de resto, em todos os seus trabalhos) no apoio às novas gerações de músicos. Incluem-se, aqui, os temas que Zeca escreveu para a peça 'Zé do Telhado', do Grupo de Teatro A Barraca, e duas canções escritas para a 'Guerra do Alecrim e Manjerona', da Comuna. Com arranjos distribuídos por Júlio Pereira, Trovante e José Afonso, este álbum marca o regresso do cantor a algumas formas de expressão utilizadas nos seus primeiros álbuns, enriquecidas, no entanto, por toda a experiência adquirida, humana e artisticamente.

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A Luta Continua

José Afonso

A Luta Continua (1976)

LP não editado em Portugal, gravado em 1976 durante um espectáculo realizado em Hamburgo com Francisco Fanhais e comercializado em 1982, por iniciativa do grupo Portugal-Solidaritàt. Inclui os temas Os fantoches de Kissinger, Hino à liberdade, Grândola, vila morena, Cantar alentejano, Vira, O que faz falta e Adeus muros de Custóias, além de uma pequena biografia do compositor e do texto escrito por Urbano Tavares Rodrigues para Cantares do Andarilho. Apesar das muito deficientes condições de gravação, é um documento importante que, entre outras coisas, ajuda a compreender a forma como Zeca sempre encarou a sua actividade, dando-lhe acima de tudo um sentido político e social. Vale, também, por alguns excertos quase antológícos, como seja a quadra popular «Ó meu Portugal tão lindo / Ó meu Portugal tão belo / Metade é Jorge de Brito / metade é Jorge de Melo» [Jorge de Brito e Jorge de Melo eram tidos, juntamente com António Champalimaud, como os donos dos maiores grupos económicos portugueses até ao 25 de Abril.] ou o aparte em que Zeca pergunta a Fanhais se deve ou não cantar uma determinada estrofe: «Vai a das caralhadas?» [Trata-se de uma quadra popular galega que diz assim: "Viva Lugo, viva Vigo / A Coruna e Pontevedra / Que se vá para o caralho / O cabrão da nossa terra". O cabrão em referência era o ditador fascista Franscisco Franco, natural do Ferrol.] A resposta, deduz-se de seguida, foi com certeza afirmativa...

(Na contra-capa deste disco pode ler-se:" Diese Aufnahmen entstanden bei einer Portugal-veranstaltung des kommunistischen bundes am 23.Jan.76 in Hamburg.
Der preis der platte beträgt Dm 15 - Darin sin Dm 2, - für die Landarbeiter - Kooperativen in Portugal Enthalten."

As canções do disco não estão mencionadas como acima se diz. Ver neste disco.)

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Fados de Coimbra e Outras Canções

José Afonso

Fados de Coimbra e Outras Canções (1981)

O regresso às origens, 20 anos depois. Não chegou a ser a reconciliação, pelo simples facto de nunca ter havido da parte de Zeca um repúdio da tradição coimbrã, mas apenas uma evolução natural derivada do 'corte epistemológico' que o cantor decidiu fazer com a praxe mais severa, Ao reassumir a sua condição de 'cantor de Coimbra' no início da década de 80, José Afonso não se limita a ser corajoso, mas está a contribuir novamente para tornar coerente a sua preocupação de sempre: manter viva a cultura portuguesa, o que não pode nem deve ser confundido com quaisquer intuitos de revivalismo saudosista. Voltando a cantar fados de Coimbra, José Afonso assume todo o seu trabalho, define-lhe os contornos, e, de novo, posiciona-se uma vez mais como provocador de emoções e agitador de mentalidades. Ao mesmo tempo, presta homenagem a Edmundo Bettencourt (este é o seu primeiro e único disco com dedicatória expressa) e ao seu contributo para a renovação e dignificação da música popular. Participação musical de Durval Moreirinhas e Octávio Sérgio. A foto da contracapa, não assinada nas diversas edições deste disco, é de Fernando Negreira.

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José Afonso ao Vivo no Coliseu

José Afonso

José Afonso ao Vivo no Coliseu (1983)

Mais que um registo, este duplo-álbum é o retrato de uma vida e de um percurso musical e poético extremamente rico, parte integrante da história de todos e de cada um de nós. Desde os sonhos adolescentes das margens do Mondego até às utopias desejadas do presente, da inquietação de Os vampiros à esperança colectiva de Grândola, da simplicidade da Canção de embalar à raiva de A morte saiu à rua, é um José Afonso vivo e actuante, ainda contemplativo e por vezes até ingénuo que encontramos neste disco, lembrança memorável daquela noite de 29 de Janeiro de 83, quando Lisboa se pareceu novamente com uma «cidade sem muros nem ameias». É também, um José Afonso muito humano, já afectado pela doença, mas disposto a resistir, que se comove com os primeiros versos de Saudades de Coimbra e se entusiasma com Um homem novo veio da mata, é principalmente este Zeca muito verdadeiro que se encontra ao longo destas 17 canções. Um disco perfeito? Longe disso. Mas é precisamente essa 'imperfeição' que faz dele um documento autêntico, precioso, gratificante. Como todas as memórias das pequenas emoções.

[As reedições posteriores em CD são francamente piores do que o original em vinil. A primeira, ainda da responsabilidade da editora Sassetti, divide as canções com sucessões de fade-outs sem o mínimo rigor estético ou técnico. A segunda, já com o selo da Strauss, pelo contrário, inclui a gravação integral do espectáculo. Curioso como documento, mas de duvidosa legitimidade, já que não apenas adultera o trabalho de Eduardo Paes Mamede, responsável pela produção do disco original, como desrespeita a vontade do próprio Zeca, que foi, em última análise, quem decidiu as canções que deveriam ou não ser incluídas no disco.]

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Zeca em Coimbra

José Afonso

Zeca em Coimbra (1983) [Bootleg / Unauthorized]

Maxi-single gravado ao vivo, no Parque de Santa Cruz, em Maio de 1983, por altura da homenagem que a cidade de Coimbra prestou ao seu maior cantor. A sua publicação da responsabilidade de Leonel de Brito, à margem da editora a que, então, José Afonso estava vinculado por contrato, provocou alguma polémica, o que não impede este registo de ser um documento interessante, até pelo reencontro, de que dá testemunho, entre o cantor e a cidade onde tudo começou.

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Como Se Fora Seu Filho

José Afonso

Como Se Fora Seu Filho (1983)

O último disco em que José Afonso participou activa e integralmente. Passou despercebido a muita gente (que, provavelmente, achou terem sido suficientes as lágrimas vertidas por altura do espectáculo do Coliseu) e, no entanto, é um testemunho espantoso de vitalidade e lucidez criativa. Gravado entre Novembro de 82 e Abril de 83, com arranjos repartidos por Júlio Pereira, José Mário Branco e Fausto (concebidos, em boa parte dos casos, a partir de ideias de Zeca, como, de resto, aconteceu com a grande maioria das suas composições), constitui um verdadeiro olhar em volta, amadurecido e calmo, só possível por parte de quem viveu a vida com muita intensidade, com muita paixão.
Uma autêntica viagem entre a utopia e o desencanto, é o que nos oferece Zeca Afonso neste álbum magnífico, onde é possível descobrir todas as memórias cruzadas dos tempos vividos, os desejos insatisfeitos, os sonhos. Onde pode descobrir-se, por exemplo, um dos mais belos poemas sobre o 25 de Abril (Papuça), uma reflexão serena e quase existencial sobre o que se fez e o que ficou por fazer (Canção da Paciência), urna certa angústia que não renega, antes reforça, tudo aquilo por que se passou (Eu Dizia). E, também, a crítica acutilante (O País Vai de Carrinho), o prazer dos sons e das novas experiências (Canarinho), a esperança que não morre (Utopia). Um disco ao nível dos melhores, capaz de sobreviver aos tempos e às fronteiras.

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Galinhas do Mato

José Afonso

Galinhas do Mato (1985)

Impossibilitado de cantar devido ao avanço progressivo e impiedoso da sua doença, José Afonso faz editar, em finais de 1985, um novo LP de originais. Dos dez temas que o compõem, apenas dois (Escandinávia Bar e Década de Salomé) são por ele interpretados. Aos restantes emprestaram a voz Helena Vieira (Tu Gitana), Né Ladeiras (Benditos), Luís Represas (Agora) Janita Salomé (Moda do Entrudo, Tarkovsky, Alegria da Criação), Catarina e Marta Salomé (Galinhas do Mato) e ainda José Mário Branco (Década de Salomé, de parceria com Zeca). Um vasto grupo de amigos decidiu apoiar o cantor neste disco novo - e renovado, apesar da doença - contribuindo para, de novo, dar corpo a um notável trabalho de José Afonso. Não é favor dizê-lo: Galinhas do Mato é mesmo um grande disco, e nem a impossibilidade física de o seu autor participar a cem por cento na sua feitura conseguiu retirar a este trabalho um grande brilho e uma grande sinceridade. A prova, afinal, de que as palavras e a música de Zeca são mesmo capazes de resistir a tudo. Mesmo à ausência da voz que uma doença estúpida conseguiu calar.

Unable to sing due to the progressive and unmercyful advance of his disease, José Afonso releases, at the end of 1985, a new original LP. Of the ten songs it has, only in two (Escandinávia Bar e Década de Salomé) are sung by him. To the remaining songs Helena Vieira (Tu Gitana), Né Ladeiras (Benditos), Luís Represas (Agora) Janita Salomé (Moda do Entrudo, Tarkovsky, Alegria da Criação), Catarina e Marta Salomé (Galinhas do Mato) and José Mário Branco (Década de Salomé, together with Zeca) lend their voices. A great number of friends decided to support the singer in this new - and renewed, despite his disease - record, contributing to, once again, make a remarkable work by José Afonso. It's no favour to say it: Galinhas do Mato is really a great record, and neither the physical impossibility of participating at one hunder per cent on the product could take its great sincerity and shine. The evidence, in the end, that Zeca's words are able to resist to everything. Even the voice absence that a stupid disease could shut.

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De Capa E Batina

José Afonso

De Capa E Batina (1996) [Compilation]

CD editado em 1996 pela Movieplay, inclui as primeiras gravações de José Afonso (nomeadamente as referidas nas notas sobre Fado das Águias e Aquela Moça da Aldeia) e ainda os temas do single Menina dos Olhos Tristes . Alguns destes temas não eram reeditados desde há quatro décadas. A edição inclui um oportuníssimo libreto (que se repete nos restantes CDs, relativos ao período em que Zeca esteve ligado à editora Orfeu elaborado por José Niza e que é uma excelente resenha da vida e obra do poeta-cantor.

CD released in 1996 by Movieplay, it includes the first recordings by José Afonso (the ones from Fado das Águias and Aquela Moça da Aldeia) and also the two songs from the single Menina dos Olhos Tristes . Some of these songs haven't been reissue since four decades. The edition includes an important booklet (which repeats on the other reissues, from the time when Zeca was related to  Orfeu written by José Niza that is an excellent life and oeuvre review of the singer-songwriter.

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Filhos da Madrugada Cantam José Afonso

Various Artists

Filhos da Madrugada Cantam José Afonso (1994) [Compilation]

Publicado em 1994 pela BMG, este duplo CD inclui vinte canções de José Afonso interpretadas por outros tantos grupos, a saber: Madredeus, com Maio maduro Maio; GNR, Coro dos tribunais; Sitiados, A formiga no carreiro; Vozes Da Rádio, Os Índios da Meia Praia; Tubarões, Venham mais cinco; Peste & Sida, O homem da gaita; Ritual Tejo, Canto moço; Delfins, Vejam bem; Diva, Canção de embalar, Opus Ensemble, Era um redondo vocábulo; Xutos & Pontapés, Coro da Primavera; Sétima Legião, Cantigas do Maio, Resistência, Chamaram-me cigano; Entre Aspas, Traz outro amigo também; Mão Morta, O avô cavernoso; Frei Fado d'el Rei, Que amor não me engana; Censurados, O que Jaz falta; Brigada Victor Jara, Ronda das mafarricas; UHF, A morte saiu à rua; e Essa Entente, Senhor arcanjo. Uma última faixa, inevitável: Grândola vila morena, em interpretação colectiva. Trabalho desigual, qualitativa e interpretativamente, foi ainda assim um instrumento muito importante para a divulgação da obra de Zeca junto das gerações mais jovens.

Published in 1994 by BMG, this double CD gathers twenty songs by José Afonso interpreted by twenty artists: Madredeus, com [i]Maio maduro Maio; GNR, Coro dos tribunais; Sitiados, A formiga no carreiro; Vozes Da Rádio, Os Índios da Meia Praia; Tubarões, Venham mais cinco; Peste & Sida, O homem da gaita; Ritual Tejo, Canto moço; Delfins, Vejam bem; Diva, Canção de embalar, Opus Ensemble, Era um redondo vocábulo; Xutos & Pontapés, Coro da Primavera; Sétima Legião, Cantigas do Maio, Resistência, Chamaram-me cigano; Entre Aspas, Traz outro amigo também; Mão Morta, O avô cavernoso; Frei Fado d'el Rei, Que amor não me engana; Censurados, O que Jaz falta; Brigada Victor Jara, Ronda das mafarricas; UHF, A morte saiu à rua; e Essa Entente, Senhor arcanjo. A last track, inevitable: Grândola Vila Morena, on a colective interpretation. An unbalanced work, in terms of quality and interpretation, but still an important mean to make Zeca more known among the younger generations. [/i]

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Maio Maduro Maio

José Mário Branco, Amélia Muge & João Afonso

Maio Maduro Maio (1995)

Outro duplo CD, este de Amélia Muge, João Afonso e José Mário Branco, editado em 1995 e vencedor, no ano seguinte do... Prémio José Afonso. Gravado ao vivo, no teatro de S. Luiz entre 13 e 15 de Dezembro de 1994, reúne 25 temas, dois deles feitos a partir de textos inéditos de José Afonso (Entre Sodoma e Gomorra, com música dos seus sobrinhos João Afonso e Zé Lima, e Nem sempre os dias são dias passados, musicado por Amélia Muge,) e um outro, de José Mário Branco, intitulado apenas Zeca. Simultaneamente intimista e empolgante, este trabalho representa, provavelmente, a melhor homenagem que se podia fazer a um criador como José Afonso: cantá-lo, de viva voz, reinventando-o sem nunca trair aquilo que é verdadeiramente essencial das suas canções - o carácter genuíno, simples e grandioso de cada uma delas.

Another double CD, this by Amélia Muge, João Afonso and José Mário Branco, released in 1995 and winner, in the following year of... José Afonso Prize. Recorded live, in S. Luiz theatre between December 13rd and 15th of 1994, it gathers 25 songs, two of them made starting from unreleased lyrics by José Afonso ("Entre Sodoma e Gomorra"], with music by his nephews João Afonso and Zé Lima, and "Nem sempre os dias são dias passados", put to music by Amélia Muge,) and another, by José Mário Branco, simply titled "Zeca". Simultaniously intimists and exciting, this work represents, probably, the best hommage that one could do to a creator like José Afonso: to sing him, in all its strength, reinventing him without never betraying what is truly essential in his songs - the simply, great and genuine character of each of them.
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As Voltas de Um Andarilho
As Voltas de Um Andarilho
 A evolução da música portuguesa e da de José Afonso, com a sua discografia comentada.
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The evolution of the Portuguese and Zeca's music, with comments to his discs.

Autor: Viriato Teles
ISBN: ISBN 972-706-303-9
Ano de Edição: Novembro de 1999
Edição: Ulmeiro

Updated: 28-X-2007
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