Discurso de Lula da Silva (excerto)

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domingo, 14 de março de 2010

Ruínas de Tróia - Península de Tróia no Estuário do Rio Sado


Desconhece-se a origem do nome Tróia. Na época romana, Tróia era uma ilha do delta do Sado, denominada de Ilha de Acála (conforme o refere Avieno). As primeiras referências às ruínas romanas de Tróia remontam a 1516 quando Gaspar Barreiros refere as “…salgadeiras em que se curava o peixe…”.
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Em 1622, João Baptista Lavanha, refere o local “…onde ainda se vêm os vestígios de tanques em que se salgaram os atuns, e outros pescados, aparecem ruínas de outros edifícios de aquela cidade e delas se tiraram estátuas, colunas e muitas inscripções….” 
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Ainda no terceiro quartel do século XVIII, tiveram lugar as primeiras escavações arqueológicas por iniciativa de futura rainha D. Maria I. Nessa ocasião foram postas a descoberto as casas da chamada Rua da Princesa.
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Em 1850 a Sociedade Arqueológica Lusitana promoveu novas escavações arqueológicas que incidiram na zona residencial da Rua da Princesa.
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No início do século XIX, Inácio Marques da Costa, conduziu trabalhos arqueológicos que levaram à descoberta de estruturas fabris e, sobretudo, de carácter religioso, como o batistério, de que não restam vestígios. Este arqueólogo deixou-nos pormenorizadas descrições e desenhos de todo o conjunto.
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O complexo industrial de Tróia terá começado a funcionar ainda na época da dinastia dos Júlios-Cláudios e o seu abandono ocorreu cerca do século VI d.C., quando o fim do império levou ao declínio das rotas comerciais e dos mercados consumidores.
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A evolução da ocupação de Tróia está ligada à própria história política do Império Romano.
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Acesso: Via Setúbal, por barco, ou por Est. via Alcácer, Grândola ou Santiago do Cacém.
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Protecção:

MN, Dec. 16-06-1910, DG 136 de 23 Junho 1910, ZEP, DG 155 de 02 Julho 1968. 
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Enquadramento:

Rural, borda d'água. Na parte N. da península de Tróia do lado do estuário, na margem esquerda do Rio Sado, numa restinga delimitando pelo E. um pequeno esteiro em forma de fenda, a Lagoa. 
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Descrição:  
As ruínas do agregado populacional compreendem uma área habitacional, um balneário, 4 zonas de enterramento, um núcleo religioso, além de vários núcleos industriais. Ruínas de edifícios de habitação, de r/c. e r/c. e 1º andar, formando quarteirões separados por ruelas, algumas luxuosas com mosaicos em "opus vermiculatum", estuques com pintura a fresco; balneário - com vestíbulo, "frigidarium", "tepidarium" e "caldarium" sobre "hipocaustum", piscinas e sala de ginástica; vestígios de mosaicos em "opus vermiculatum" numa das piscinas; necrópoles de tipologia diversa: sepulturas sobrepostas numa altura de 7 m (margem da Caldeira), sepultura de incineração de Galla, mausoléu de planta quadrada com nichos abertos nas paredes, para guardar urnas cinerárias, sepulturas de superestrutura quadrangular (junto à basílica); basílica paleo-cristã - com 2 partes distintas: a nave (22,5 x 13 m.), com vestígios de 8 bases de colunas e de arranques de arcadas transversais, a ábside, a O., com pavimento mais elevado, paredes estucadas e pintadas a fresco, com marmoreados, elementos geométricos e emblemáticos; cetárias - grande número de tanques de salga rectangulares e quadrangulares, contíguos, forrados em "opus signinum" e sem comunicação, com poços de boca circular nas proximidades, para fornecer àgua para a salmoura.  

     
Utilização Inicial:   

Residencial, industrial 
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Época de Construção:

Séc. 1 / 6 
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Cronologia:

Séc. 1 - início da ocupação, que se prolongou até inícios do séc. 6, por povo luso-romano cuja principal actividade era a pesca, o fabrico e a exportação de conservas de peixe. A submersão de parte da povoação terá sido motivada por um fenómeno de transgressão marinha (fenómeno inicial de afundamento seguido de levantamento já com sedimentos), associado a vagas sísmicas e à acção erosiva do Sado (SILVA, 1966). 
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Tipologia:

Romano, paleo-cristão. Aglomerado construído em função da actividade conserveira, com inúmeros vestígios de cetárias, além do equipamento urbano característico dos povoados luso-romanos: habitações, termas, necrópole, columbário, basílica de 4 naves, com frescos de inspiração paleo-cristã, que se aproximam de outros em igrejas asturianas (ALMEIDA, 1971).
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Características Particulares:
O columbário (sepultura familiar) é um exemplar raro em território português. Junto à basílica existia uma construção circular, a N. da actual capela, provavelmente um baptistério, entretanto desaparecido, descrito por Marques da Costa (1933), que ainda viu um "crismon" pintado nas paredes da basílica, por ele interpretada apenas como uma capela sepulcral. 
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Bibliografia:

APOLLINARIO, Maximiano, Estudos sobre Tróia de Setúbal, in O Arqueólogo Português, vol. 3, Lisboa, 1897; COSTA, A. Marques da, Estudos sobre algumas estações da época luso-romana nos arredores de Setúbal, in O Arqueólogo Português, vol. 26, Lisboa, 1924, vol. 27, Lisboa, 1929; vol. 29, Lisboa, 1933; SILVA, Carlos Tavares da, CABRITA, Mateus Gonçalves, O problema da destruição da povoação romana de Tróia de Setúbal, in Revista de Guimarães, vol. 76, Guimarães, 1966; ALMEIDA, Fernando de, MATOS, José Luís de, Frescos da Capela Visigótica de Tróia, Setúbal", in Actas do 2º Congresso Nacional de Arqueologia, vol. 2, Coimbra, 1971; ALARCÃO, Jorge, Portugal romano, Lisboa, 1974; SOARES, Joaquina, Estação romana de Tróia, Grândola, 1980; ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de, Arte paleo-cristã da época das invasões, in História da Arte, vol. 2, Lisboa, 1986. 
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Intervenção Realizada:

Séc. 18, 2ª metade - escavações patrocinadas por D. Maria I; 1850 - a Sociedade Arqueológica Lusitana procede a explorações em casas de habitação; 1924 / 1933 - escavações dirigidas por Marques da Costa; 1948 / 1955 - Dr. Leite de Vasconcelos; 1963 - início dos trabalhos arqueológicos dirigidos pelo Prof. Manuel Heleno e Dr. D. Fernando de Almeida; 1976 - assentamento de uma estrutura metálica para defender os frescos da capela paleo-cristã.
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As Ruínas de Tróia
por António Cavaleiro Paixão 
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CONJUNTO FABRIL DE CONSERVA DE PEIXE

A estação arqueológica de Tróia constitui um dos mais interessantes conjuntos fabris de conserva de peixe do Império Romano. Construído nos inícios do séc. I d.C., manteve-se em plena actividade até, praticamente, ao séc. IV d.C., momento a partir do qual entra num período de irreversível decadência. Estendendo-se outrora por uma faixa de quase 2 Km, este complexo conserveiro mantém ainda uma apreciável densidade de construções, testemunho da intensa actividade industrial e comercial que nele se desenrolava. A origem do nome "Tróia" ainda hoje permanece um mistério. A primeira referência a este topónimo, de que há notícia, data do séc. XVI, e poderá dever-se, tão-somente, à circunstância dos espíritos cultos da época se sentirem tentados a assemelhar estas ruínas à Tróia homérica, aliás, de latitude, cronologia e natureza bem diversas.
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INDÚSTRIA E COMÉRCIO

Tróia não foi um ponto isolado no Ocidente europeu. Na verdade, este centro conserveiro fazia parte de uma complexa cadeia comercial que, centrada no Mar Mediterrâneo, o "Mare Nostrum" dos Romanos, garantiu o fornecimento de produtos do mar a todos os grandes núcleos populacionais do Império, incluindo a própria cidade de Roma. Os tanques de salga, de formato triangular e de diferentes tamanhos, agrupados em núcleos independentes separados por muros de alvenaria, destinavam-se a conter o peixe e os ariscos obtidos no rio ou trazidos do alto mar. Aí eram lavados, separados segundo as espécies, e salgados. As vísceras, devidamente seleccionadas, a que eram adicionadas ervas aromáticas de diferente natureza, sofriam um tratamento de maceração e fermentação, delas se obtendo o "garum", espécie de pasta ou molho que servia para condimentar os alimentos. Acondicionado em ânforas ou em vasilhas de menores dimensões, era exportado para diversas partes do mundo romano, onde era altamente apreciado, chegando, por vezes, a atingir preços exorbitantes.
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OUTROS ASPECTOS DO COMPLEXO ARQUEOLÓGICO

Para além dos tanques de salga, revestidos de "opus signinum", de que foram, até hoje, descobertos para cima de cinquenta, é de assinalar a existência de uma área habitacional, de um balneário, de três zonas de enterramento, e de um núcleo religioso. A concorrência destes testemunhos de diferente natureza, numa zona praticamente isolada, cuja via de acesso principal seria a marítima ou fluvial, é, já por si suficientemente elucidativa da importância que este centro adquiriu na Antiguidade. Embora dependendo do exterior para a obtenção de vasilhame, de produtos agrícolas e pecuários, criou as estruturas suficientes para assegurar a presença no local de uma população activa responsável pela manutenção desta indústria durante um período de, pelo menos, quatro séculos.
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Basílica Paleocristã
Dos edifícios religiosos destaca-se a basílica paleocristã. De quatro naves, com forma irregular “… nas partes conservadas das suas paredes vemos pinturas a fresco que imitam mármores na mancha dos lambris. Nas partes superiores, umas mostram-nos temas geométricos , polígonos ou círculos com aves e outras imitações ilusionistas de remates de travejamento. No apoio da cobertura havia, pelo menos, algumas arcadas transversais, de que vemos alguns arranques decorados com florões saindo de taças e um cantharus que já arremeda os jarros litúrgicos do século VII. Desde o crismon, que Marques da Costa nos deu a conhecer e entretanto destruído, aos florões e aos temas geométricos, vemos toda uma gama decorativa de inspiração paleocristã que não nos parece anterior ao século VI. Algumas sepulturas do tipo mensa, muito evoluídas, cobertas por uma placa de mármore bordejada de molduras de opus signinum, sem qualquer espólio no interior, não desdizem desta datação, bem como o facto de estarmos diante de um espaço funerário implantado dentro dos limites da cidade romana. Mais tarde esta basílica recebeu uma espécie de abside quadrangular alteada, adaptando-se ao serviço religioso de então.” (Carlos Alberto Ferreira de Almeida).
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O carácter religioso do local parece ser anterior à construção da basílica. Aí foi exumado um políptico esculpido que tem sido interpretado como uma representação relacionado com o culto mitraico em que se vê os deuses sol e Mitra (…) e fragmento de um sarcófago de mármore branco…” (Carlos Tavares da Silva). O culto mitraico com origem na Pérsia, chegou ao Ocidente no decorrer do século II d.C., através das legiões romanas, implantando-se entre os grupo económicos mais abastados.
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Necrópole

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As práticas de enterramento em Tróia permitem acompanhar um período temporal que vai do século I d.C. ao século VI d.C. e analisar a evolução dessas práticas e atitudes mentais perante a morte.
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Um primeiro momento leva-nos à prática de incineração (queima dos corpos), comum a todos os povo indo-europeus e na qual se incluem os romanos e as populações indígenas da Península.
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Esta prática está representada pela sepultura de Galla (datada so século I d.C.), um monumento epigráfico que se encontra no Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal. Nestas sepultura as cinzas estavam acompanhadas por uma taça de bronze, um púcaro de cerâmica, dois ungentários em vidro, duas lucernas do século I d.C. e instrumentos de toilete e de lavores em osso. A partir do século II d.C. começou a impor-se lentamente a prática da inumação (deposição do corpo) como consequência da crescente influência das religiões oriundas da Pérsia do Mediterrâneo Oriental, como o culto Mitraico e o Cristianismo.
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Está neste caso o fragmento do sarcófago, descoberto sob a basílica paleocristã, onde está esculpida uma cena de transporte do morto em carro de bois para um espaço delimitado por uma rede e defendido por um animal feroz.
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Datado de finais do século II d.C. ou do século III d.C., o sarcófago, pela sua qualidade artística reflecte a adesão dos grupos sociais mais abastados à nova religião.
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Próprio de um período com domínio da prática da inumação é o mausoléu. Construído numa época em que o complexo industrial já estaria em regressão e portanto com fábricas abandonadas (talvez finais do século IV d.C.), o mausoléu, de planta rectangular e paredes reforçadas por contrafortes, tem o pavimento completamente preenchido por sepulturas de inumação e nichos nas paredes onde poderiam ter sido depositadas urnas.
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Nas traseiras e na frente do mausoléu, encontram-se igualmente espaços funerários. Não possuem cronologias seguras para estas zonas funerárias. É possível que tivessem sido utilizados numa época em que o complexo industrial já estava em acentuado estado de abandono. No espaço das traseiras foram utilizadas como urnas, ânforas produzidas no final do império e no espaço da frente do mausoléu utilizaram-se os próprios tanques para os enterramentos.
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Este momento ocorreu, possivelmente, no século VI, quando o complexo industrial já não funcionava, sendo Tróia habitada por pescadores que aproveitavam aquele espaço para enterrar os seus mortos.
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O carácter religioso do local manteve-se até aos nosso dias através da capela de Nossa Senhora de Tróia.

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http://www.troiaresort.com/cultura/ruinas.htm
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