Discurso de Lula da Silva (excerto)

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terça-feira, 30 de março de 2010

Do Museu de Arte Antiga até ao Tejo por um jardim


Pedro Ressano Garcia
Lisboa

Do Museu de Arte Antiga até ao Tejo por um jardim

O arquitecto Pedro Ressano Garcia recebeu o Prémio Pancho Guedes com uma ideia para aproximar a cidade do rio - uma rampa/jardim que passa por cima da Avenida de 24 de Julho e da linha do comboio. E defende uma cidade reconciliada com o seu porto. Por Alexandra Prado Coelho

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Estamos no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa. Acabámos de o visitar e também de conhecer o espólio da Cruz Vermelha no museu desta instituição. Olhando para baixo, ao fundo vemos o Tejo. Começamos a descer pelo jardim, percorremos espaços verdes, descemos rampas. Por baixo dos nossos pés passam automóveis. Daí a pouco chegamos à beira do rio e sentamo-nos num dos bancos de madeira, a descansar e a ver o movimento dos navios no porto. Antes de regressarmos a casa, vamos ainda descobrir a obra de Almada Negreiros no museu instalado na gare marítima da Rocha do Conde de Óbidos.

Este é o sonho do arquitecto Pedro Ressano Garcia - uma espécie de jardim suspenso entre a zona daquele museu e o rio, através de uma plataforma que passaria por cima da Avenida de 24 de Julho e da linha do comboio, ultrapassando os obstáculos que hoje nos separam do Tejo. E um pólo cultural, em torno do mais importante museu nacional, mas com dois novos equipamentos, que hoje não existem: um museu da Cruz Vermelha e outro com a obra do pintor Almada Negreiros.

A ideia - Plataforma Tejo - recebeu o Prémio Pancho Guedes da Fundação Serra Henriques, e acaba de ser editada em livro, Plataforma Tejo - O regresso ao rio (à venda apenas na livraria A+A, na Ordem dos Arquitectos).

Mas, antes de chegar a esta ideia, Pedro Ressano Garcia foi ao passado para (e esse foi o objecto de estudo da sua tese de doutoramento) perceber a história da frente ribeirinha e de como a cidade foi mudando - sobretudo como mudou profundamente com a construção do porto industrial. "Orientei esta investigação como um detective que vai recolhendo "provas" com vista a desvendar o mistério", explica na introdução do livro. Enfiou-se nos arquivos e tentou reunir material que estava disperso entre a Câmara Municipal de Lisboa, os ministérios, a Administração do Porto, bibliotecas, museus, o Gabinete de Estudos Olisiponenses.

"Descobri que a primeira vez que se fez um mapa da grande Lisboa [1727], o desenho maior que encontrei está centrado na frente ribeirinha, na linha da costa. Isso despertou-me imenso interesse em perceber afinal o que é esta linha", conta ao Cidades.

Adeus ao rio

A história pode começar por uma imagem de Lisboa reproduzida no livro, uma vista dos jardins do Palácio Marquês de Abrantes, século XVIII, de autor desconhecido. Estamos num ponto alto, por detrás do muro do jardim, ao qual estão encostadas, a conversar, algumas figuras, e vemos a cidade à nossa esquerda e o rio, logo ali, à nossa direita. O casario desce até ao Tejo, que está cheio de embarcações.

Na página ao lado outra imagem. Os amigos mantêm a conversa encostados ao muro, mas na fotomontagem feita por Ressano Garcia usando uma imagem de 2003, onde antes estava água estende-se agora uma agitada avenida, cheia de movimento, de carros, de construções. Isto mostra claramente como a cidade mudou com os aterros que foram construídos sobre o rio, os primeiros logo a partir do século XVI, "mal compactados e por consequência pouco estáveis, sendo provavelmente essa a principal razão por que aluíram durante o desastre de 1755", escreve o arquitecto.

Em finais do século XIX construíram-se novos aterros para criar o porto industrial. "Construíram-se praticamente 50 hectares sobre o rio e isso foi uma transformação profunda da cidade da qual nós não temos bem noção", diz. O projecto escolhido foi o do engenheiro francês Pierre Hersent. Por uma razão simples, diz Ressano Garcia: "Era um projecto que gerava terreno e com venda desse terreno financiava as obras".

Assim, Hersent não só foi responsável pela construção do porto como pela sua exploração comercial durante os primeiros cinco anos. Os debates tinham-se arrastado por mais de uma década. Mas, para Ressano Garcia, há aqui uma lição: "Lisboa fez um porto sem dinheiro. Foi uma geração que teve imaginação e pensou a longo prazo".

Houve, no entanto, ideias do engenheiro francês que nunca chegaram a ser postas em prática. Ele propunha que a linha de caminho-de-ferro atravessasse toda a frente da cidade, incluindo o Terreiro do Paço e o Arsenal. "Lisboa inteira ficava cortada. A cidade teria sido outra coisa. Isso só não aconteceu porque um almirante da Marinha entrou em conflito com o Porto de Lisboa e abortou o projecto".

Apesar disso, gradualmente a cidade foi sendo separada da zona ribeirinha. "Não se previu que isso iria acontecer. No início não havia esse efeito de corte porque havia duas carruagens a passar por dia e um comboio de manhã e outro à tarde. É o próprio movimento da cidade que vem enfatizar esse efeito de corte". E as barreiras vão-se multiplicando. Nos anos 40 do século XX, os "tempos gloriosos do automóvel", começa a surgir "o primeiro anel de uma circular rodoviária ribeirinha", que, acreditava-se, iria resolver os problemas do trânsito na cidade (a Avenida de 24 de Julho é concluída em 1964). Antes disso, em 1910, Ventura Terra desenhava Lisboa Futura, um projecto para a Avenida de Santos até ao Cais do Sodré - uma frente ribeirinha monumental com vários cais de muitos degraus que desciam elegantemente até ao rio. Nunca chegou a acontecer.

Problemas iguais lá fora

Começa então a discutir-se a separação entre a cidade e o rio, e as formas de a ultrapassar. As diferentes discussões que em diferentes épocas se fazem em Lisboa são em tudo semelhantes às que mais ou menos nas mesmas alturas se fazem noutras cidades portuárias do mundo, que enfrentam os mesmos problemas e desafios. É por isso que, no seu trabalho, Ressano Garcia estuda também duas dessas cidades, São Francisco e Barcelona, para estabelecer paralelos.

E, numa prova de que o pensamento evoluiu de forma mais ou menos paralela em diferentes sítios (em resposta aos problemas que vão surgindo), quando começou a trabalhar na sua ideia para a Plataforma Tejo, Ressano Garcia apercebeu-se de que noutras cidades outros arquitectos trabalhavam sobre ideias semelhantes. No livro mostra o exemplo do Olympic Sculpture Park em Seattle, um projecto de criação de espaço público da autoria dos arquitectos Weiss e Manfredi, também baseado numa plataforma que desce até ao rio. Ou o projecto em Izmir, Turquia, entre a praça Konak e a gare marítima do mar Egeu - igualmente uma plataforma que passa por cima de uma grande avenida.

Mas não são ideias novas, sublinha o arquitecto português. Na sua investigação nos arquivos, uma das coisas que lhe chamaram a atenção foi a Rua do Alecrim, que tem no seu final um viaduto que desemboca na Praça do Duque da Terceira, junto ao Cais do Sodré. Trata-se de uma ligação "entre duas cotas da cidade anteriormente ligadas por uma escada". "Sendo uma solução testada há séculos, apresenta características muito próximas às que proponho para a frente ribeirinha", escreve no livro.

Aí, trata-se de criar um percurso em rampa com uma inclinação de seis por cento. No interior, explica Ressano Garcia, haveria perto de 8000 metros quadrados para comércio e serviços e 4000 para estacionamento (120 lugares). Por cima, vegetação. A solução, diz o autor, permitiria ampliar o Museu de Arte Antiga (um museu que luta com problemas de falta de espaço e de dificuldades de acesso), a sede da Cruz Vermelha, o terminal de cruzeiros e expor ao público o espólio de Almada Negreiros na gare marítima, que já tem pinturas murais do artista.

"Este estudo não foi encomendado pela autarquia nem pelo porto, é um estudo autónomo, que é uma coisa que tem faltado", conclui. "O meu trabalho é gerar ideias. Se me disserem que alguém leu o livro e que agora quando passa ali olha de outra forma para o sítio, está ganho. É esse o meu papel".
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Imagem virtual da Plataforma Tejo

As ambições do porto de Lisboa


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"Ainda não perdemos a corrida. Há hipóteses. Temos uma oportunidade extraordinária, mas não estamos a fazer o suficiente". O arquitecto Pedro Ressano Garcia tem estudado várias cidades portuárias no mundo e acredita que o porto de Lisboa pode recuperar a importância que já teve.

"Percebi que há cidades portuárias com economias pujantes porque dizem "nós precisamos deste motor", que é o porto". Entristece-o, por isso, ver que Lisboa perdeu o papel que tinha a esse nível. E atribui as culpas à "descontinuidade de políticas". Um porto "não vive de ciclos de votos, tem de haver pensamento a longo prazo".

Defende, por exemplo, que, à semelhança de Estocolmo ou Barcelona, Lisboa podia atrair muito mais cruzeiros. "Estamos a planear um novo terminal. Se calhar, não devíamos estar a planear só um. Há a possibilidade de receber muitos cruzeiros, mas também de receber muitos contentores. A actividade portuária é uma porta e isso tem a ver com o sentido e a cultura deste lugar".

Sublinha que não é um especialista em políticas portuárias, mas tem constatado que as decisões que se prendem com a passagem de mais navios por um determinado porto "são tomadas nos conselhos de administração dos grande operadores portuários mundiais e o que algumas cidades têm conseguido é criar as melhores condições para atrair esses decisores".

Em vez de se olhar o porto como algo que impede o acesso dos habitantes da cidade ao rio, a tendência hoje nas cidades portuárias é para integrar as actividades do porto na vida da cidade, encará-las como parte integrante desta. Em Hamburgo, que é visto como um caso de sucesso, "desenvolveram-se mestiçagens, misturaram-se actividades e conseguiu-se, através de um plano fora dos ciclos autárquicos, ter uma ambição a longo prazo". A.P.C.
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