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Vermelho - 7 de Outubro de 2009 - 18h49
Era ela – Mercedes Sosa. Em minha memória, virou um signo dos anos de resistência, com canções que encarei como verdadeiros hinos de confiança na luta dos trabalhadores, uma afirmação, com sonoridade cristalina, de que as profundas dificuldades daqueles anos seriam vencidas.
Era a voz de um otimismo popular, proletário, que agradecia à vida que me há dado tanto. Vida que deu “Os dois materiais que formam meu canto / e o canto de vocês que é o mesmo canto / e o canto de todos que é meu próprio canto”. São versos da chilena Violeta Parra que exprimem um sentimento de unidade contra a ditadura e de confiança no futuro. Eles foram espalhados por todos os lados pela voz de La Negra.
Era, claramente, uma cantora com posição política – e somente muito mais tarde soube que era comunista, filiada ao Partido Comunista da Argentina e militante da resistência popular desde muito jovem.
Naquela época, eu não sabia isso, mas desconfiava. Como não pensar na opção socialista e revolucionária depois de ouvir Volver a los 17, também de Violeta Parra e cantada por Mercedes Sosa? Uma leitura superficial sugere a volta à juventude. Mas sempre imaginei que a canção aludia também a outro 17, ao ativismo e iniciativa popular da Revolução Russa, um instante fecundo. Indicação do caminho da mudança em busca de um mundo melhor.
Acho que tinha razão ao interpretar assim aquelas palavras. Afinal, a própria Mercedes proclamou isso em Todo cambia (Tudo Muda). “Muda o superficial / muda também o profundo / Muda o modo de pensar / muda tudo neste mundo”. Mas há coisas que não mudam, como a lembrança, “nem a dor / de meu povo e de minha gente”. Mas “o que mudou ontem / terá que mudar amanhã / assim como mudo eu / nesta terra estranha”.
Além disso lembrou também em várias canções que a mudança tem um personagem, um protagonista. Como em Te recuerdo Amanda, em cursos versos Mercedes fala do amor e da luta dos trabalhadores e do pesado preço pago pela ousadia de lutar pela liberdade. “Lembro de você, Amanda / a rua molhada / correndo para a fábrica / onde trabalha Manuel”.
Ia sorridente, para um encontro fugaz durante um breve intervalo na jornada diária. “A vida é eterna / em cinco minutos”, que terminam ao som da sirene que chama de volta ao trabalho. Mas Manuel “partiu para a serra”, onde “caiu destroçado”. E quando a sirene chama “de volta ao trabalho / muitos não voltaram / entre eles Manuel”.
Os povos das Américas perderam sua cantora no último domingo (dia 4), quando Mercedes Sosa deixou de viver. Os trabalhadores do mundo perderam uma voz que chamava para a luta mas também para a reflexão, para o afeto. Que olhava e cantava o belo, que persiste apesar dos males e das dificuldades. Olhando o futuro que nasce na luta diária. Gracia a la vida, Gracias a Mercedes!
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Gracias a Mercedes Sosa
José Carlos Ruy *Os traalhadores perdem a voz que cantava a confiança na luta e o otimismo no futuro.
Ouvi Mercedes Sosa pela primeira vez no início da década de 1970. Em 1969, um grupo de secundaristas de São Bernardo do Campo, do qual fazia parte, criou o Centro Cultural Guimarães Rosa. Era um verdadeiro biombo para a discussão cultural e política naquele período de ditadura pesada. Um dia, aí por 1972-1973, nos momentos de espera de uma apresentação do grupo de teatro do Centro Cultural, ouvi a voz maravilhosa de uma cantora que não conhecia, cujo canto tinha versos que despertaram meu interesse em saber quem era.Era ela – Mercedes Sosa. Em minha memória, virou um signo dos anos de resistência, com canções que encarei como verdadeiros hinos de confiança na luta dos trabalhadores, uma afirmação, com sonoridade cristalina, de que as profundas dificuldades daqueles anos seriam vencidas.
Era a voz de um otimismo popular, proletário, que agradecia à vida que me há dado tanto. Vida que deu “Os dois materiais que formam meu canto / e o canto de vocês que é o mesmo canto / e o canto de todos que é meu próprio canto”. São versos da chilena Violeta Parra que exprimem um sentimento de unidade contra a ditadura e de confiança no futuro. Eles foram espalhados por todos os lados pela voz de La Negra.
Era, claramente, uma cantora com posição política – e somente muito mais tarde soube que era comunista, filiada ao Partido Comunista da Argentina e militante da resistência popular desde muito jovem.
Naquela época, eu não sabia isso, mas desconfiava. Como não pensar na opção socialista e revolucionária depois de ouvir Volver a los 17, também de Violeta Parra e cantada por Mercedes Sosa? Uma leitura superficial sugere a volta à juventude. Mas sempre imaginei que a canção aludia também a outro 17, ao ativismo e iniciativa popular da Revolução Russa, um instante fecundo. Indicação do caminho da mudança em busca de um mundo melhor.
Acho que tinha razão ao interpretar assim aquelas palavras. Afinal, a própria Mercedes proclamou isso em Todo cambia (Tudo Muda). “Muda o superficial / muda também o profundo / Muda o modo de pensar / muda tudo neste mundo”. Mas há coisas que não mudam, como a lembrança, “nem a dor / de meu povo e de minha gente”. Mas “o que mudou ontem / terá que mudar amanhã / assim como mudo eu / nesta terra estranha”.
Além disso lembrou também em várias canções que a mudança tem um personagem, um protagonista. Como em Te recuerdo Amanda, em cursos versos Mercedes fala do amor e da luta dos trabalhadores e do pesado preço pago pela ousadia de lutar pela liberdade. “Lembro de você, Amanda / a rua molhada / correndo para a fábrica / onde trabalha Manuel”.
Ia sorridente, para um encontro fugaz durante um breve intervalo na jornada diária. “A vida é eterna / em cinco minutos”, que terminam ao som da sirene que chama de volta ao trabalho. Mas Manuel “partiu para a serra”, onde “caiu destroçado”. E quando a sirene chama “de volta ao trabalho / muitos não voltaram / entre eles Manuel”.
Os povos das Américas perderam sua cantora no último domingo (dia 4), quando Mercedes Sosa deixou de viver. Os trabalhadores do mundo perderam uma voz que chamava para a luta mas também para a reflexão, para o afeto. Que olhava e cantava o belo, que persiste apesar dos males e das dificuldades. Olhando o futuro que nasce na luta diária. Gracia a la vida, Gracias a Mercedes!
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* Jornalista, editor da Classe Operária, membro da Comissão Nacional de Comunicação e do Comitê Central do PCdoB; é da Comissão Editorial da revista Princípios
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venceremos
09/10/2009 15h15 ruy belissimo texto, nestes tempos em que falar de conteudo é raro,onde predomina o superficial tempos em que categorias, como classe social,independencia,soberania,é um atentado ao bem saber das academias,louvar mercedes sosa nos fortalece a consciencia, pois como dizia a propria mercedes é preciso que a america latina desperte de seu sono secular um grande abraço
jose carlos tisiusão paulo sp - SP
La Negra!
08/10/2009 8h57Obrigado, camarada, por trazer tão belas palavras sobre nossa amada Mercedes Sosa, cuja voz nos trazia alento e força para as nossas lutas - eu que ao final dos anos 70 fazia parte do movimento estudantil através do então chamada "Centro Cívico" - hoje Grêmio Estudantil- do meu colégio. Muitas foram as reuniões que aconteciam animadas pela voz de La Negra (en)cantando-nos com CANCION DE LAS SIMPLES COSAS entre tantas outras. Saudades de La Negra...Expedito Ximenes PontesFortaleza - CE.
..___.Colunas
Vermelho - 7 de Outubro de 2009 - 20h01
Gracias, Mercedes, "que nos ha dado tanto"
Paulo Vinícius *Duas das figuras que mais contribuíram para que eu me tornasse um internacionalista e pudesse me encontrar com a América Latina foram Mercedes Sosa e Pablo Neruda. Este pela prosa poética vertida em Confesso que Vivi, e aquela, "la negra", por tudo de arrebatador e pungente que há em seu repertório irretocável.
Como se hoje fora, recordo da saudade que senti de Neruda - estranha nostalgia de quem não se conheceu, lastreada em poesia. Tal sentimento se intensificou ao ouvir na voz de Mercedes Sosa os zambas, chacareras, os versos de justiça e amor, voando pelo espaço aninhados naquela voz vibrante, forte, inconfundível.
Foi assim, exposto a esta dupla influência que me vi repentinamente órfão da América Latina, lastimando-me por não a ter conhecido antes, inconformado e intrigado ante o paradoxo em que a proximidade geográfica não se faz amizade, conhecimento mútuo, identidade. E desde então isso mudou a maneira como me situava no mundo. Descobrira-me, malgrado tanto lixo que se nos empurra, enfim, latino-americano.
E o que Mercedes Sosa cantou me ensinou tanto! Meu portunhol bem ajambrado foi aprendido com ela, cantando e entendendo a rebeldia e o amor, a ânsia por justiça e a grandiosidade com que aquela tucumana afirmava nossa origem comum, nossa irmandade de história, povo e sonhos.
Ela dizia a simplesmente e dura realidade, que "a esta hora exatamente há uma criança na rua". Reinventou a geografia ao afirmar que "um verde Brasil beija meu Chile de cobre e mineral". Lembrou-nos em meio a tantas vicissitudes que "tudo muda e mudarmos não é estranho" ainda que "não mude meu amor por mais distante que eu esteja, nem a lembrança nem a dor do meu povo, da minha gente". Ademais, com os versos de Atahualpa Yupanqui, definiu para mim a amizade, ao mostrar-nos que temos "tantos irmãos que nem os podemos contar/, no bairro, na montanha/, no pampa e no mar/ cada qual com seu trabalho, com seus sonhos cada qual/ com a esperança adiante e as recordações lá de trás", "tenho tantos irmãos que nem os posso contar e uma irmã muito linda que se chama liberdade".
Versos assim se cravam no peito se os canta como ela cantava, ao clamar às massas empobrecidas, "irmão, dá-me a mão, venha comigo buscar esta coisa pequenina que se chama liberdade. Esta é a hora primeira e este é o justo lugar, em que com tua mão e a minha, irmão, havemos de começar. Olha adiante irmão, tua terra que te espera, sem distâncias nem fronteiras que a afastem de tua mão, sem distâncias nem fronteiras, nesta hora primeira em que o punho americano marque o rosto dos tiranos e a dor enfim vá embora".
Por tudo isto, quando ela veio a Brasília em 2008, senti que enfim chegava a oportunidade - que até desacreditava - de ouvi-la ao vivo, oportunidade que provavelmente fosse a última. E foi como um reencontro, essa sintonia tão estranha de fã, quando a ouvi erguer-se por cima da evidente fragilidade física pelas palavras de carinho e a voz inacreditável que venceu o tempo. E do meu lugar no Centro de Convenções Ulisses Guimarães, depois de ir ao Chile, Cuba, Paraguai, Bolívia, Nicarágua e Venezuela, depois de ver os ventos de mudanças tão ansiados em seus versos se fazerem realidade, pude ouvi-la frente a frente, a dizer tão bem do Brasil, de nosso povo, cantando nossa música, aquela irmã argentina a declarar um amor tão sincero ao nosso país. Não foi em vão.
E agora que ela partiu, em paz consigo e com seus sonhos de uma intimorata e bela América Latina, não posso pranteá-la, apenas. Tenho na verdade é de lhes sugerir o único tributo verdadeiro para uma pessoa que dizia que "se cala o cantor, cala-se a vida, porque a vida, a vida mesma é toda um canto". Não podemos é permitir-nos não ouvi-la, pois assim permanece viva, tão necessária que é a iluminar os caminhos singulares em que a arte nos faz entender com uma profundidade total esta irmandade latino-americana, este amor aos oprimidos e o ódio às injustiças.
Conheçam Mercedes Sosa e partilhem do legado caudaloso de sua obra, das lições e do prazer de ouvi-la cantar, da poesia tão bem escolhida por uma intérprete que sabia o que dizer à mente e ao coração, uma irmã tucumana, argentina, latino-americana que, como a vida, pôde nos dar tanto.
Mais canções citadas (pra você curtir):
1- Gracias a la Vida - Violeta Parra - http://www.youtube.com/watch?v=xm9sIAW39o0
2- Hay un Nino en la Calle - Armando Tejada Gómez - Ángel Ritro - http://www.youtube.com/watch?v=apzGIJNipdY
3- Canción con todos - A. Tejada Gomez e Cesar Isella - http://www.youtube.com/watch?v=icrCSlBGkl0
4- Todo Cambia - Julio Numhauser - http://www.youtube.com/watch?v=In5TjoaYMRs
5- Los Hermanos - Atahualpa Yupanqui - http://www.mercedessosa.com.ar/cancionero/letras/loshermanos.htm
6- Hermano Dame tu Mano - Jorge Sosa, J. Sánchez - http://www.youtube.com/watch?v=F9-pdpfHxrs
7- Si se calla el cantor - Horacio Guarany - http://www.youtube.com/watch?v=xm9sIAW39o0
.* Cientista social e bancário.* Opiniões aqui expressas não refletem necessáriamente as opiniões do site...-
Obrigado!
30/11/2009 11h53 Grande camarada Paulo Vinicius! Só tenho uma coisa a dizer: muito obrigado por tão bela homenagem a nossa querida Mercedes Sosa, cujo canto embala nossas lutas e nossos amores.
Expedito Fortaleza - CE -
Maravillosa...
20/10/2009 16h51 Sou chilena que mora faz 2 anos no Brasil... Fiquei maravilhosamente emocionada pelas palavras aqui expostas... Somos uma só américa, somos o canto dos valientes... Não existe fronteras, nem idiomas para sentir a voz " De La Negra" dançando no nosso universo américano... Viva la Negra, por siempre... Nunca te apagarás Negra querida! "Gracias a la vida que me ha dado tanto..."
CarlaSorocaba - SP -
Nenhum Cd da Negra
09/10/2009 14h35 Em Florianopolis, capital de SC,em nenhuma loja de ventas de Cds tem siquer um de Mercedes Sosa, como diz um jornalista , como se as livrarias só vendese best sellers.
maria teresaflorianopolis - SC -
gracias camarada Paulo,
09/10/2009 13h49 por nos oferecer um texto taõ rico em sentimento, poesia e fervor REVOLUCIONÀRIO,acompanhado de toda mágia e seduçaõ das canções da eterna MERCEDES. Até a VITÒRIA SEMPRE!!! por uma AMÈRICA LATINA unida e justa.
claudio romerobrasília - DF -
Sabia!
08/10/2009 20h57 Sabia que faria esta homenagem. Realmente há em você Neruda e Mercedes. Espero que esteja bem.
DanielaSão Paulo - SP -
"La Negra" da América Latina
08/10/2009 8h59 Tomba a pessoa, mas não sua obra... O canto de liberdade, amor e justiça de Mercedes Sosa continuará reverberando por essa nova América Latina que vai surgindo, altiva e cada vez mais unida! Excelente artigo, PV!
Mario César Fonseca da SilvaCampo Grande - MS -
GACIAS
07/10/2009 17h09 Gracias por tomar mi video... las imaenes de las mujres indigenas fueron filmadas mientras Mercedes Sosa moría en Buenos Aires... Hasta la Victoria Siempre
Memorias de laTierra - LuisFormosa - AM -
Sadaudes eterma Mercedes
07/10/2009 9h11 É isso ai PV, a sensibilidade revolucionária e a busca da unidade e avanço está na "alma e no espirito" de luta. Parabéns pelo feliz artigo. Um abraço, Zezito Reis
Zezito ReisBrasília - DF
Gracias Mercedes,.....
07/10/2009 1h27Muito bom seu artigo. Eu tb admiro tanto Mercedes Soza, Pablo Neruda. És felizardo, a viu cantar! Ficamos, todos, mais pobres!!!!Elisa Helena de Carvalho SantosGuaratinguetá - SP..
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