A lasca de osso encontrada na Sibéria terá pertencido a uma espécie humana desconhecida - e hoje extinta - que coexistiu há 40 mil anos com os Neandertais e o homem moderno.
Os cientistas na gruta onde foi feita a descoberta (Johannes Krause)
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Quando olhou para os resultados, Johannes Krause, do Instituto Max Planck de Leipzig, na Alemanha, pensou que tinha havido um erro. Fez mais umas análises para ter a certeza de que o material genético era autêntico e muito antigo – e não o produto de uma qualquer contaminação. Quando acabou os testes, as dúvidas tinham desaparecido: estava mesmo perante “um novo tipo de ADN de homem primitivo”, como contou ontem numa conferência de imprensa telefónica.
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Espantado e excitado, Krause quis dar logo a incrível notícia ao seu colega Svante Pääbo – um dos mais reputados especialistas mundiais de paleoantropologia genética –, com quem tinha realizado a análise genética de uma lasca de osso fossilizado de um dedo com 30 a 50 mil anos de idade, encontrado numa gruta do Sul da Sibéria. Pääbo estava nesse momento em viagem nos Estados Unidos e, quando atendeu o telemóvel do outro lado do Atlântico, Krause lembra-se de lhe ter dito para se sentar.
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“O resultado era tão absolutamente espantoso que pensei que Johannes estava a pregar-me uma partida”, disse por seu lado Pääbo durante a mesma áudio-teleconferência, organizada pela revista Nature, que amanhã publica os resultados em questão.
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O que tinham descoberto que era tão fora do vulgar? Um bocado de ADN humano inédito, pertencente a uma linhagem diferente das duas principais que até aqui se sabia que tinham habitado na Europa e na Ásia naquela altura: os Neandertais e os Homo sapiens (os Neandertais extinguiram-se há uns 28 mil anos). Mas hoje, essa visão mudou. “Há 40 mil anos, o planeta tinha mais gente do que pensávamos”, escreve na Nature Terence Brown, da Universidade de Manchester, num comentário ao trabalho dos investigadores alemães.
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Contudo, a descoberta de uma potencial nova espécie humana não é em si inédita: a última, a do pequeno Homem das Flores, ou Hobbit, descoberto na Indonésia, aconteceu em 2003. Mas o que torna a nova descoberta notável, acrescenta Brown, é que, “pela primeira vez, uma nova espécie de humanos é descrita não a partir da morfologia dos seus ossos fossilizados, mas a partir da sua sequência de ADN”.
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Comparação genética
Por enquanto, Krause, Pääbo e os seus colegas não sequenciaram ainda o ADN do núcleo das células, mas apenas o ADN mitocondrial do fóssil desenterrado em 2008 na Gruta Denisova, nos Montes Altai da Ásia Central – a ponta do osso de um dedo mínimo (não sabem se da mão esquerda ou direita) que terá pertencido a uma criança de cinco a sete anos de idade, frisam ainda os investigadores.
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O ADN mitocondrial é um pequeno anel de material genético que se encontra dentro das mitocôndrias – as baterias das células – e que existe em muito maiores quantidades do que o resto do ADN. Utilizando técnicas de ponta desenvolvidas por estes mesmos cientistas para estudar o ADN dos Neandertais e de outras espécies extintas, foi possível ler cada “letra” desse ADN mitocondrial 156 vezes – tornando a probabilidade de erros de leitura extremamente remota.
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A seguir, os cientistas compararam esse ADN mitocondrial com o de 54 seres humanos actuais, um homem moderno que viveu há 30 mil anos, seis Neandertais, um bonobo e um chimpanzé. E, como escrevem na Nature, constataram que enquanto a sequência dos Neandertais difere da do homem moderno em 202 posições (ou “letras” do ADN mitocondrial), a sequência vinda do dedo de Denisova difere em 385 posições. “É duas vezes mais distante de nós do que a dos Neandertais”, salienta Pääbo.
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Isto sugere que o antepassado comum mais recente das três espécies terá vivido (em África) há cerca de um milhão de anos e que, na árvore da família humana, “o ramo que deu origem ao homem da Sibéria bifurcou -se muito tempo antes da separação dos ramos dos homens modernos e dos Neandertais”, lê-se num outro artigo também hoje publicado na mesma revista. “Se assim for, a suposta nova espécie terá saído de África aquando de uma migração até agora desconhecida, entre a do Homo erectus, há 1,9 milhões de anos, e a do antepassado dos Neandertais (...), há 300 mil a 500 mil anos.” (Diga-se, a título comparativo, que os nossos antepassados terão saído de África há uns 60 mil anos.)
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Krause e Pääbo permanecem muito prudentes quanto a dizer que se trata mesmo de uma nova espécie. Afinal de contas, o ADN mitocondrial representa apenas uma muito pequena parte da história genética, uma vez que é transmitido exclusivamente por via matrilinear directa. O ADN mitocondrial é indubitavelmente inédito, insistem ambos, mas só a sequência do ADN nuclear é que poderá dizer se se trata de uma nova espécie ou não. Os cientistas também já conseguiram extrair ADN nuclear do fóssil de Denisova e estão actualmente a fazer a sua sequenciação, que deverá estar pronta “dentro de uns meses”.
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Pääbo, entretanto recuperado da surpresa inicial, acredita que poderá haver muitas outras descobertas do mesmo género, sobretudo nas regiões mais frias do planeta, onde o clima permite a conservação do ADN dos fósseis – não só na Sibéria, mas também na Rússia e no Norte da China. “Até agora, a nova criatura que transportou este ADN para fora de África não tinha sido apanhada pelos nossos radares”, explica o cientista. Mas no fundo “não seria surpreendente [encontrarem] outras”.
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Enquanto não obtiverem a sequência dos cromossomas sexuais contidos no ADN nuclear, os investigadores não vão saber se o dono do dedo de Denisova era homem ou mulher. Mas já lhe deram uma alcunha: X-woman. Só para lembrar que o ADN mitocondrial é matrilinear – e porque, dizem, gostam de imaginar que era uma mulher.
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Espantado e excitado, Krause quis dar logo a incrível notícia ao seu colega Svante Pääbo – um dos mais reputados especialistas mundiais de paleoantropologia genética –, com quem tinha realizado a análise genética de uma lasca de osso fossilizado de um dedo com 30 a 50 mil anos de idade, encontrado numa gruta do Sul da Sibéria. Pääbo estava nesse momento em viagem nos Estados Unidos e, quando atendeu o telemóvel do outro lado do Atlântico, Krause lembra-se de lhe ter dito para se sentar.
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“O resultado era tão absolutamente espantoso que pensei que Johannes estava a pregar-me uma partida”, disse por seu lado Pääbo durante a mesma áudio-teleconferência, organizada pela revista Nature, que amanhã publica os resultados em questão.
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O que tinham descoberto que era tão fora do vulgar? Um bocado de ADN humano inédito, pertencente a uma linhagem diferente das duas principais que até aqui se sabia que tinham habitado na Europa e na Ásia naquela altura: os Neandertais e os Homo sapiens (os Neandertais extinguiram-se há uns 28 mil anos). Mas hoje, essa visão mudou. “Há 40 mil anos, o planeta tinha mais gente do que pensávamos”, escreve na Nature Terence Brown, da Universidade de Manchester, num comentário ao trabalho dos investigadores alemães.
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Contudo, a descoberta de uma potencial nova espécie humana não é em si inédita: a última, a do pequeno Homem das Flores, ou Hobbit, descoberto na Indonésia, aconteceu em 2003. Mas o que torna a nova descoberta notável, acrescenta Brown, é que, “pela primeira vez, uma nova espécie de humanos é descrita não a partir da morfologia dos seus ossos fossilizados, mas a partir da sua sequência de ADN”.
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Comparação genética
Por enquanto, Krause, Pääbo e os seus colegas não sequenciaram ainda o ADN do núcleo das células, mas apenas o ADN mitocondrial do fóssil desenterrado em 2008 na Gruta Denisova, nos Montes Altai da Ásia Central – a ponta do osso de um dedo mínimo (não sabem se da mão esquerda ou direita) que terá pertencido a uma criança de cinco a sete anos de idade, frisam ainda os investigadores.
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O ADN mitocondrial é um pequeno anel de material genético que se encontra dentro das mitocôndrias – as baterias das células – e que existe em muito maiores quantidades do que o resto do ADN. Utilizando técnicas de ponta desenvolvidas por estes mesmos cientistas para estudar o ADN dos Neandertais e de outras espécies extintas, foi possível ler cada “letra” desse ADN mitocondrial 156 vezes – tornando a probabilidade de erros de leitura extremamente remota.
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A seguir, os cientistas compararam esse ADN mitocondrial com o de 54 seres humanos actuais, um homem moderno que viveu há 30 mil anos, seis Neandertais, um bonobo e um chimpanzé. E, como escrevem na Nature, constataram que enquanto a sequência dos Neandertais difere da do homem moderno em 202 posições (ou “letras” do ADN mitocondrial), a sequência vinda do dedo de Denisova difere em 385 posições. “É duas vezes mais distante de nós do que a dos Neandertais”, salienta Pääbo.
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Isto sugere que o antepassado comum mais recente das três espécies terá vivido (em África) há cerca de um milhão de anos e que, na árvore da família humana, “o ramo que deu origem ao homem da Sibéria bifurcou -se muito tempo antes da separação dos ramos dos homens modernos e dos Neandertais”, lê-se num outro artigo também hoje publicado na mesma revista. “Se assim for, a suposta nova espécie terá saído de África aquando de uma migração até agora desconhecida, entre a do Homo erectus, há 1,9 milhões de anos, e a do antepassado dos Neandertais (...), há 300 mil a 500 mil anos.” (Diga-se, a título comparativo, que os nossos antepassados terão saído de África há uns 60 mil anos.)
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Krause e Pääbo permanecem muito prudentes quanto a dizer que se trata mesmo de uma nova espécie. Afinal de contas, o ADN mitocondrial representa apenas uma muito pequena parte da história genética, uma vez que é transmitido exclusivamente por via matrilinear directa. O ADN mitocondrial é indubitavelmente inédito, insistem ambos, mas só a sequência do ADN nuclear é que poderá dizer se se trata de uma nova espécie ou não. Os cientistas também já conseguiram extrair ADN nuclear do fóssil de Denisova e estão actualmente a fazer a sua sequenciação, que deverá estar pronta “dentro de uns meses”.
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Pääbo, entretanto recuperado da surpresa inicial, acredita que poderá haver muitas outras descobertas do mesmo género, sobretudo nas regiões mais frias do planeta, onde o clima permite a conservação do ADN dos fósseis – não só na Sibéria, mas também na Rússia e no Norte da China. “Até agora, a nova criatura que transportou este ADN para fora de África não tinha sido apanhada pelos nossos radares”, explica o cientista. Mas no fundo “não seria surpreendente [encontrarem] outras”.
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Enquanto não obtiverem a sequência dos cromossomas sexuais contidos no ADN nuclear, os investigadores não vão saber se o dono do dedo de Denisova era homem ou mulher. Mas já lhe deram uma alcunha: X-woman. Só para lembrar que o ADN mitocondrial é matrilinear – e porque, dizem, gostam de imaginar que era uma mulher.
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