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* Fernando Lima, Açoriano, ex-jornalista e actual assessor do Presidente da República
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Quando se assinalam os 50 anos do início da erupção vulcânica dos Capelinhos, na ilha do Faial, Açores, ainda guardo desse tempo a recordação de alguns momentos dramáticos vividos por uma população que se sentia ainda mais perdida na imensidão do Atlântico.
Na Horta, cidade onde nasci e cresci, a atmosfera parecia estranha nos primeiros dias da segunda metade de Setembro de 1957. Era o prenúncio de uma actividade sísmica fora do vulgar, que durou quase 15 dias. Mais de 200 abalos de terra, de intensidade geralmente fraca, foram sentidos na ilha do Faial. Lembro desse período a incerteza em que todos vivíamos, sempre na expectativa de que o pior estaria ainda para acontecer. As noites eram intermináveis. .
Ocupavam-se os espaços abertos, onde se dormia nos carros ou protegidos por abrigos de circunstância. A esta população assustada só restava confiar na força divina para o regresso à normalidade. O Rádio Clube de Angra, sediado na ilha Terceira, era a única fonte de informação na pesada escuridão da noite. Nesse período crítico, a estação prolongou as emissões pela madrugada e aqueles que tinham pequenos rádios portáteis podiam, apesar de tudo, encontrar alguma tranquilidade nas suas notícias. A 27 de Setembro, cerca das oito horas da manhã, começava uma erupção submarina, aproximadamente um quilómetro ao largo da ponte oeste do Faial, junto dos ilhéus dos Capelinhos. Desde então, praticamente, pararam os abalos de terra, mas o tremor contínuo prosseguiu com intensidade variável. Agora, a preocupação era outra.
Como ia crescer aquele ‘monstro marinho’ ameaçador e como as nossas vidas estariam ou não em risco. Lembro-me de ser levado pelo meu pai, podendo assistir às constantes explosões de cinzas negras, acompanhadas de uma nuvem branca de vapor de água. Excedia, por vezes, os quatro quilómetros de altura. O farol dos Capelinhos foi a principal ‘vitima’. Muitos dos grandes blocos de pedra que o vulcão expelia, mais ou menos incandescentes, caíram na área do farol, causando significativas destruições. Mesmo assim, a torre sobreviveu à erupção e transformou-se no seu ex-líbris. Cinquenta anos depois, a paisagem dos Capelinhos está diferente, a actividade vulcânica parece ter serenado, mas a ameaça sísmica mantêm-se, como se viu em crises posteriores, que voltaram a deixar, na ilha do Faial, um rasto de morte e destruição. .
TERRITÓRIO CRIADO POR VULCÃO SUBMERGE A 20 METROS POR ANO
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“Portugal já cresceu”, foi como em tempos no continente se reagiu aos efeitos do vulcão dos Capelinhos. A televisão ainda era incipiente e, apesar de o Estado se estender do Palácio de São Bento, em Lisboa, até Timor, o fervor patriótico não impedia que os portugueses se sentissem um país pequeno. Daí que mal se houve pé firme sobre a ilha edificada com pedras e cinzas lançadas pela erupção submarina, logo se lá tivesse ido colocar uma bandeira nacional. Menos de um mês depois, a erosão do mar submergiu a Ilha Nova e o país crítico e oposicionista riu. As notícias do vulcão continuaram durante muito mais tempo. O reactivar das erupções criou um novo território que voltou a cobrir os ilhéus dos Capelinhos e se estendeu num istmo até à ilha, e outra vez o mar submergiu tudo. Só a terceira língua de magma provocada pelo vulcão durou para além do fim da erupção em Outubro de 1958. É a que prolonga hoje a ilha do Faial na ponta dos Capelinhos, mas o mar não tem parado com a erosão. Em média, a nova zona perde 20 metros de extensão por ano, embora o ritmo esteja a abrandar. Os Capelinhos já estão à vista.
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NATUREZA VIOLENTA SEM VÍTIMAS
Uma das boas recordações das crises sísmicas e erupções vulcânicas registadas entre Setembro de 1957 e Outubro de 1958 é a de que, apesar da grande violência dos fenómenos naturais, acabou por não se registar qualquer vítima. Nem quando as cinzas cobriram completamente as casas de povoações da zona próxima do vulcão submarino nem quando os sismos abriram fendas em muitos locais houve que lamentar mortos ou feridos. A prevenção, com o abandono antecipado das casas, revelou-se absolutamente eficaz.
Personalidade importante em todas as operações foi um engenheiro residente na ilha, Frederico Machado, director distrital das Obras Públicas que tinha uma equipa de intervenção bem preparada e contou com o apoio activo do governador civil, Freitas Pimentel, médico de profissão e pessoa preocupada com a segurança dos habitantes.
De destacar é a operação de evacuação das populações de toda a zona, nomeadamente das aldeias da Praia Norte, Norte Pequeno e Capelo ao fim da tarde de 12 de Maio de 1958. Nessa noite o casario da primeira localidade colapsou por completo e ocorreram danos importantes nos outros dois povoados. Muitos faialenses tiveram de emigrar para continuar a ganhar a vida, mas todos salvaram a vida.
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CIÊNCIA ESQUECEU CAPELINIANO
Apesar de não ser um fenómeno geológico inédito, a erupção submarina dos Capelinhos despertou grande curiosidade na comunidade científica da altura. Ao Faial deslocaram-se entre outras personalidades o mediático investigador Haroun Tazieff (1914-1998), nascido na Polónia sob controlo dos czares russos e pelos caminhos da emigração naturalizado sucessivamente belga e francês. Considerado pai da vulcanologia moderna, participou em muitas reportagens da revista ‘Paris Match’, sobretudo em vulcões italianos, e foi também aos Açores. O seu interesse não chegou, contudo, para fixar nos meios científicos o nome Capeliniano como denominação daquele tipo de erupção submarina.
O nome de marca do fenómeno acabou por surgir de um outro vulcão proveniente do fundo dos mares, seis anos depois, em 1963, a sul da Islândia e muito mais distante da costa. Foi o Surtsey que tornou as erupções marítimas conhecidas na comunidade científica como ‘Surtseyano’. A realidade é que em Portugal não houve na altura quem defendesse um nome português para o fenómeno, com grande pena do geólogo Vítor Hugo Forjaz, que ainda estudante de Liceu seguiu de perto o fenómeno. Segundo apurámos, a presença científica portuguesa ficou na altura limitada ao geógrafo Orlando Ribeiro, acompanhado de Raquel Soeiro Brito e do filho, António Ribeiro, então estudante e hoje geólogo, e aos técnicos dos Serviços Geológicos.
TERRA TREMEU MAIS DE UM ANO
16 DE SETEMBRO 1957
Uma crise sísmica sentida desde Maio na ilha do Faial atinge o máximo com uma sucessão de mais de 200 sismos de intensidade à volta do grau 5 da Escala de Mercalli.
27 DE SETEMBRO
Após meia dúzia de dias com a água a fervilhar e uma enorme nuvem de vapor, às 06h45 de dia 27, iniciou-se uma erupção vulcânica submarina a 300 metros da ponta dos Capelinhos. A erupção leva à formação de uma ilha em 10 de Outubro.
30 DE OUTUBRO
A ilha formada ao largo da costa acaba por ser submergida pelo mar, com a erosão das correntes a ser maior do que a quantidade de materiais eruptivos.
12 DE NOVEMBRO
Com o recomeço da erupção forma-se uma nova cratera que cobre os ilhéus dos Capelinhos e se liga à ilha do Faial por um istmo.
12/13 DE MAIO 1978
A ilha é sacudida por nova crise sísmica e abrem-se fendas na antigo vulcão da Caldeira. A erupção dos Capelinhos gera um lago de lava com repuxos de basalto em fusão.
24 DE OUTUBRO
Ocorrem as derradeiras explosões e o vulcão pára a sua actividade até hoje.
COMEMORAÇÕES TELEJORNAIS DA RTP
O vulcão dos Capelinhos será o cenário da apresentação dos dois telejornais do dia de amanhã na RTP, ou seja, o ‘Jornal da Tarde’ às 13h00 e também o das 20h00. Além disso, a partir das 16h00 o programa ‘Portugal Directo’ será igualmente transmitido da ilha açoriana.
FILMES EM FARO
Por iniciativa da Casa dos Açores do Algarve serão exibidos amanhã à noite, a partir das 22h00, no anfiteatro da Biblioteca Municipal António Ramos Rosa, de Faro, vários documentários sobre o vulcão dos Capelinhos. Também a Academia da Marinha vai promover uma sessão comemorativa marcada para 16 de Outubro, em Lisboa.
SITE OFICIAL NA NET
As comemorações têm um site oficial na internet, http://www.vulcaodoscapelinhos.org/ , onde além de vasta informação é possível ver um documentário assinado por Carlos Brandão Lucas.
MISSA E SESSÃO
O bispo de Angra, D. António de Sousa Braga, preside amanhã a uma missa comemorativa dos 50 anos do vulcão dos Capelinhos marcada para as 15h00 locais. Para a noite, 21h00, está anunciada uma sessão solene na Sociedade Amor da Pátria, com presença do presidente do Governo Regional, Carlos César, e o lançamento de uma medalha, um livro e a colecção de selos ‘Vulcão dos Capelinhos’.
PRESIDENTE NO DIA 7
O presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, associa-se às comemorações com a presença numa sessão marcada para dia 7 de Outubro, no Teatro Faialense, da Horta. Estreará na oportunidade uma peça musical alusiva da autoria do compositor Eurico Carrapatoso a interpretar por músicos locais.
.in Correio da Manhã 2007.09.26
Ver também: o tempo das cerejas*: 50 anos depois
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» Comentários no CM on line
Quarta-feira, 26 Setembro
- ormonde grande texto. viver nos açores é assim, a nossa história confunde-se com os episódios da geografia. a catastrofe e a beleza estão tão perto! esta atroz geografia molda-nos o carácter e engrandece-nos a alma!
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