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A Guerra estava no fim. A 30 de abril de 1945, em meio à tomada de Berlim pelas tropas soviéticas, Adolf Hitler cometia suicídio e novo governo era formado, pedindo o fim das hostilidades. A 2 de maio, a capital alemã era ocupada. Cinco dias depois, a Alemanha rendia-se incondicionalmente, em Reims. Os conflitos restantes aconteciam no Pacífico. E foi no Japão, mais precisamente em Hiroshima e Nagasaki, que a humanidade conheceu a mais terrível criação de sua própria tecnologia. A 6 de agosto de 1945, era lançada a primeira bomba atômica em alvo humano.
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Na manhã daquele dia, há sessenta anos, Hiroshima despertava quando, às 8h45m, os japoneses ouviram o alarme indicando a aproximação de um avião inimigo. Dele foi lançada a primeira bomba atômica, batizada de "Little Boy".
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Instantaneamente, os prédios desapareceram juntamente com a vegetação, transformando Hiroshima num campo morto e deserto. Num raio de 2 quilômetros tudo ficou destruído. Uma onda de calor intenso emitia raios térmicos, como a radiação ultravioleta. Os sobreviventes vagavam sem saber o que havia atingido a cidade. Quem estava a um quilômetro do hipocentro da explosão morreu na hora. Alguns tiveram seus corpos desintegrados. Isto aumentou o desespero de tantos e tantas que nunca vieram a confirmar a morte de seus familiares nem tiveram o consolo de poder dar-lhes sepultura digna.
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Quem sobreviveu, foi obrigado a conviver com males terríveis. O calor intenso levou a roupa e a pele de quase todas as vítimas. Vidros e metais derreteram como lavas. Uma chuva preta, oleosa e pesada, caiu ao longo do dia. Continha grande quantidade de poeira radioativa, contaminando áreas mais distantes do hipocentro. Peixes morreram em lagoas e rios, e pessoas que beberam a água contaminada sofreram sérios problemas durante vários meses. O cenário da morte era assustador e desolador.
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Hoje, sessenta anos depois, restam-nos os horrores e as consequências de uma arma nuclear com potência eqüivalente a 20 mil toneladas de dinamite. Ainda hoje, o número de vítimas dessa primeira insânia nuclear continua sendo contabilizado, já ultrapassando 250 mil mortos.
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Nas décadas que se seguiram aos bombardeios de Hiroshima e Nagasaki, o poderio nuclear das grandes potências cresceu, os arsenais sofisticaram-se e o mundo não cessou de ver-se às portas de uma hecatombe atômica insuflada pela guerra fria. Enquanto os hippies pediam paz e o escândalo de Watergate derrubava o presidente Nixon, armas atômicas continuavam sendo produzidas.
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Veio a bomba de Napalm e os horrores de outra guerra absurda. A União Soviética caiu e o acidente de Chernobyl pôs o mundo diante do pior acidente nuclear civil da história. Em 2001, dois aviões derrubaram as torres gêmeas em Nova York e mudaram os rumos da história, desencadeando uma guerra que vê e busca inimigos nos quatro cantos do planeta. Enquanto isso, a sombra do sinistro cogumelo que naquela manhã de 6 de agosto desenhou-se nos céus de Hiroshima continua convidando insistentemente a humanidade a pensar.
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Vinicius de Moraes, em sua poesia musicada por Gerardo Rocha, “Rosa de Hiroshima”, alerta esta humanidade de memória curta, que somos todos, para não esquecer e parar de pensar. Pensar nas crianças mudas, telepáticas. Pensar nas meninas cegas, inexatas. Pensar nas mulheres, rotas alteradas. Pensar nas feridas como rosas cálidas. E pede para não esquecer a rosa, a rosa. A rosa de Hiroshima, a rosa hereditária. A rosa radioativa, estúpida inválida. A rosa com cirrose, a anti-rosa atômica. Sem cor, sem perfume, sem rosa, sem nada.
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Essa rosa, que escureceu há sessenta anos os céus de Hiroshima e se transmutou em chuva escura que envolveu aquela cidade em tenebrosa e preta mortalha, continua pairando como ameaça real e assustadora sobre os céus de todo e qualquer lugar onde há vida ainda hoje. Se a visão tétrica da rosa sem cor, sem perfume, sem nada, não é capaz de continuar impressionando nossa memória, que ao menos as feridas o sejam. Pensemos nas feridas e nos feridos. Pensemos na chaga que a bomba abriu e ainda sangra das veias abertas e hemorragiadas da humanidade. Pensemos. Amanhã pode ser tarde.
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Maria Clara Lucchetti Bingemer Teóloga, professora e decana do Centro de teologia e ciências humanas da PUC-Rio. |
11 de Agosto de 2005
Depuis
Porto Alegre (Brésil)
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