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Em Porto Alegre, a Assembleia dos Movimentos Sociais ressurge: mais focada, menos conflitiva com a Carta de Princípios do FSM, mais aberta às distintas formas de construir um novo mundo.
Por Antonio Martins*
Lúcia Stumpf, da União Brasileira de Mulheres, tem diversas tatuagens desenhadas no corpo. Uma delas está pintada na parte interna do braço esquerdo e diz “Eu não vou me adaptar”. Na manhã de 29 de janeiro, último dia do Fórum Social Mundial (FSM)-2009, capítulo Porto Alegre, esta gaúcha de 28 anos fala para as quase mil pessoas reunidas na Usina do Gasômetro para a Assembleia dos Movimentos Sociais.
Ela lerá o texto que a Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), do Brasil, preparou como esboço de documento final para a Assembleia. Antes, porém, faz questão de partilhar sua visão sobre o significado do documento e da própria reunião. “A Assembleia é um dos principais espaços de articulação dos movimentos sociais na América do Sul e no mundo. Estamos felizes por nos encontrar no Fórum Social Mundial, este evento que simboliza a possibilidade de superar o capitalismo. Mas queremos deixar nossa marca própria. Achamos que esta reunião pode converter em algumas lutas e campanhas reais as centenas de sonhos compartilhados no FSM”.
Aparentemente banal, a cena encarna, para os que conhecem nuances e bastidores do FSM, ao menos três fatos inéditos. Capacidade de convocação. Estão presentes à Assembleia cerca de ¼ das pessoas que participaram assiduamente desta etapa do FSM. Nunca o peso dos movimentos sociais nos Fóruns foi tão grande.
Ausência de conflitos: ao contrário do que ocorreu em diversas edições anteriores do FSM, a Assembleia não tenta sobrepassar a Carta de Princípois do encontro, apresentando seu documento final como se fosse o de todo o Fórum. Ela simplesmente luta para exercer seu papel particular, no mosaico dos que se reúnem para superar o capitalismo.
Finalmente, definição de um objetivo claro. Embora relacione algumas dezenas de propostas, o documento lido por Lúcia, e as falas na Assembleia, revelam uma agenda onde sobressaem quatro pontos claros.
Quatro pontos claros na agenda: O primeiro é o combate à militarização da América Latina, expresso em três falas que tiveram destaque na reunião dos movimentos sociais. A hondurenha Lorena Zelaya narrou a resistência contra o golpe militar em seu país e anunciou que ela passa a uma nova fase, cujo objetivo é a conquista de uma Assembleia Nacional Constituinte.
O paraguaio Marcos Ibañez reportou o surgimento de uma Frente Social e Popular, que, segundo ele, examinou em detalhes a trama do golpe em Honduras e está preparada para evitar que o mesmo script se repita em seu país. A argentina Rina Bertaccini expôs a reunião, realizada um dia antes, sempre no âmbito do FSM, para desencadear, em todas as nações do continente, uma campanha contra a presença crescente de bases militares norte-americanas.
Um segundo objetivo é a defesa do ambiente. A Assembleia quer participar de modo ativo da mobilização contra o aquecimento global. Um ponto alto desta luta será a realização, entre 18 e 20 de abril, na Bolívia, de uma Conferência Internacional dos Povos sobre a Mudança Climática e a Defesa da Terra. O embaixador boliviano na ONU, Pablo Solón, compareceu pessoalmente à Usina do Gasômetro para fazer a convocação. Em sua fala, frisou que “já não é possível defender os Direitos Humanos sem batalhar pelos Direitos da Terra”.
As duas demais prioridades voltam-se claramente para a disputa política em curso na América do Sul. A Assembleia combate a criminalização dos movimentos sociais pelas forças da direita, mídia e alguns setores do Estado. E quer evitar que os governos da região voltem a ser controlados por setores sociais e políticos interessados em restaurar o neoliberalismo. “As elites não entregarão, de mão-beijada, o continente que sempre foi visto como quintal do imperialismo. Não são à toa os golpes em Honduras e contra Chávez (em 2002); a desestabilização de Lugo no Paraguai; a tentativa de golpe contra Lula no Brasil, em 2005. A turma do neoliberalismo não está morta e demonstrou isso nas eleições do Chile”, diz a declaração final do encontro.
Nos bastidores, auto-avaliação e relançamento: Com alguns adendos feitos em plenário, este plano concreto de lutas foi aprovado com entusiasmo, na reunião do Gasômetro. Como tal avanço foi possível? Nas semanas que antecederam o FSM-2010, revelou a própria Lúcia Stumpf a Terra Viva, as organizações que articulam a Assembleia dos Movimentos Sociais viveram um intenso processo de auto-avaliação e relançamento da iniciativa. A reunião de Porto Alegre foi a primeira expressão – bem-sucedida – da mudança. Ela prevê desdobramentos até o FSM-2011, em Dakar. Assume particularidades especiais no Brasil – que tem peso determinante na conjuntura social e política do continente, e onde haverá eleições presidenciais e legislativas, em outubro próximo.
Entre 21 e 23 de janeiro, conta Lúcia, um conjunto de entidades historicamente associadas à Assembleia realizou um seminário em São Paulo. Foi um encontro reservado, para cerca de 40 pessoas – provenientes da América Latina, Europa, África e Ásia. Emergiram alguns consensos.
Avaliou-se que no FSM-2009, em Belém, os movimentos sociais tiveram expressão insuficiente, o que dificultou uma ação mais incisiva diante da crise econômica. Adotou-se um plano para reverter este esvaziamento.
A exemplo do que já ocorreu em Porto Alegre, a Assembleia voltará a se reunir ao longo de uma séries de encontros de articulação da sociedade civil mundial, marcados ao longo do ano. O objetivo de médio prazo é acumular densidade para uma presença destacada em Dakar-2011.
O perfil que se quer dar a estes encontros é o que prevaleceu em Porto Alegre. Os movimentos sociais querem evitar qualquer conflito com a Carta de Princípios do FSM. Em contrapartida, vêem a Assembleia como um espaço onde é possível dar prioridade a certas propostas consideradas prioritárias – e transformá-las em campanhas concretas.
Influir nas eleições, mantendo autonomia: No Brasil, a Coordenação dos Movimentos Sociais – que reúne, entre outras, as centrais sindicais, o MST, a Marcha Mundial de Mulheres e a União Nacional dos Estudantes – pretende dar outros desdobramentos, também inéditos, a esta nova postura.
Uma Assembleia Brasileira de Movimentos Sociais foi convocada, já na reunião da Usina do Gasômetro, para 31 de maio. Será precedida de assembleias regionais e estaduais, nos próximos meses.
O objetivo explícito é articular a intervenção dos movimentos sociais nas eleições de 2010. Última grande novidade: ao contrário do que é tradicional nos processos institucionais brasileiros, trabalha-se para que tal posicionamento não esteja subordinado à lógica da disputa entre os partidos políticos.
“Não vamos nos dividir, nem nos diluir nas candidaturas. Queremos formular um projeto para o Brasil e debatê-lo com o conjunto dos candidatos. Estamos sintonizados com o espírito de autonomia do Fórum Social Mundial”, diz Lúcia Stumpf.
No que pode ser uma marca simbólica desta mudança de postura, o documento final da Assembleia dos Movimentos Sociais adotou como título uma frase também presente no Acampamento Mundial da Juventude. Ela expressa a possibilidade de construir o pós-capitalismo não num futuro magico, mas nas ações quotidianas: “Fórum Social Mundial: Outro Mundo Acontece!”...
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*Antonio Martins é jornalista e editor do Le Monde Diplomatique-Brasil. Participou das equipes de redação de diversas publicações alternativas, como Agência Carta Maior, revista Reportagem e jornal Brasil Agora. Integra (como membro do movimento ATTAC) o grupo de entidades brasileiras que lançou o Fórum Social Mundial, onde ajudou a criar a Ciranda Internacional da Informação Independente.
Ela lerá o texto que a Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), do Brasil, preparou como esboço de documento final para a Assembleia. Antes, porém, faz questão de partilhar sua visão sobre o significado do documento e da própria reunião. “A Assembleia é um dos principais espaços de articulação dos movimentos sociais na América do Sul e no mundo. Estamos felizes por nos encontrar no Fórum Social Mundial, este evento que simboliza a possibilidade de superar o capitalismo. Mas queremos deixar nossa marca própria. Achamos que esta reunião pode converter em algumas lutas e campanhas reais as centenas de sonhos compartilhados no FSM”.
Aparentemente banal, a cena encarna, para os que conhecem nuances e bastidores do FSM, ao menos três fatos inéditos. Capacidade de convocação. Estão presentes à Assembleia cerca de ¼ das pessoas que participaram assiduamente desta etapa do FSM. Nunca o peso dos movimentos sociais nos Fóruns foi tão grande.
Ausência de conflitos: ao contrário do que ocorreu em diversas edições anteriores do FSM, a Assembleia não tenta sobrepassar a Carta de Princípois do encontro, apresentando seu documento final como se fosse o de todo o Fórum. Ela simplesmente luta para exercer seu papel particular, no mosaico dos que se reúnem para superar o capitalismo.
Finalmente, definição de um objetivo claro. Embora relacione algumas dezenas de propostas, o documento lido por Lúcia, e as falas na Assembleia, revelam uma agenda onde sobressaem quatro pontos claros.
Quatro pontos claros na agenda: O primeiro é o combate à militarização da América Latina, expresso em três falas que tiveram destaque na reunião dos movimentos sociais. A hondurenha Lorena Zelaya narrou a resistência contra o golpe militar em seu país e anunciou que ela passa a uma nova fase, cujo objetivo é a conquista de uma Assembleia Nacional Constituinte.
O paraguaio Marcos Ibañez reportou o surgimento de uma Frente Social e Popular, que, segundo ele, examinou em detalhes a trama do golpe em Honduras e está preparada para evitar que o mesmo script se repita em seu país. A argentina Rina Bertaccini expôs a reunião, realizada um dia antes, sempre no âmbito do FSM, para desencadear, em todas as nações do continente, uma campanha contra a presença crescente de bases militares norte-americanas.
Um segundo objetivo é a defesa do ambiente. A Assembleia quer participar de modo ativo da mobilização contra o aquecimento global. Um ponto alto desta luta será a realização, entre 18 e 20 de abril, na Bolívia, de uma Conferência Internacional dos Povos sobre a Mudança Climática e a Defesa da Terra. O embaixador boliviano na ONU, Pablo Solón, compareceu pessoalmente à Usina do Gasômetro para fazer a convocação. Em sua fala, frisou que “já não é possível defender os Direitos Humanos sem batalhar pelos Direitos da Terra”.
As duas demais prioridades voltam-se claramente para a disputa política em curso na América do Sul. A Assembleia combate a criminalização dos movimentos sociais pelas forças da direita, mídia e alguns setores do Estado. E quer evitar que os governos da região voltem a ser controlados por setores sociais e políticos interessados em restaurar o neoliberalismo. “As elites não entregarão, de mão-beijada, o continente que sempre foi visto como quintal do imperialismo. Não são à toa os golpes em Honduras e contra Chávez (em 2002); a desestabilização de Lugo no Paraguai; a tentativa de golpe contra Lula no Brasil, em 2005. A turma do neoliberalismo não está morta e demonstrou isso nas eleições do Chile”, diz a declaração final do encontro.
Nos bastidores, auto-avaliação e relançamento: Com alguns adendos feitos em plenário, este plano concreto de lutas foi aprovado com entusiasmo, na reunião do Gasômetro. Como tal avanço foi possível? Nas semanas que antecederam o FSM-2010, revelou a própria Lúcia Stumpf a Terra Viva, as organizações que articulam a Assembleia dos Movimentos Sociais viveram um intenso processo de auto-avaliação e relançamento da iniciativa. A reunião de Porto Alegre foi a primeira expressão – bem-sucedida – da mudança. Ela prevê desdobramentos até o FSM-2011, em Dakar. Assume particularidades especiais no Brasil – que tem peso determinante na conjuntura social e política do continente, e onde haverá eleições presidenciais e legislativas, em outubro próximo.
Entre 21 e 23 de janeiro, conta Lúcia, um conjunto de entidades historicamente associadas à Assembleia realizou um seminário em São Paulo. Foi um encontro reservado, para cerca de 40 pessoas – provenientes da América Latina, Europa, África e Ásia. Emergiram alguns consensos.
Avaliou-se que no FSM-2009, em Belém, os movimentos sociais tiveram expressão insuficiente, o que dificultou uma ação mais incisiva diante da crise econômica. Adotou-se um plano para reverter este esvaziamento.
A exemplo do que já ocorreu em Porto Alegre, a Assembleia voltará a se reunir ao longo de uma séries de encontros de articulação da sociedade civil mundial, marcados ao longo do ano. O objetivo de médio prazo é acumular densidade para uma presença destacada em Dakar-2011.
O perfil que se quer dar a estes encontros é o que prevaleceu em Porto Alegre. Os movimentos sociais querem evitar qualquer conflito com a Carta de Princípios do FSM. Em contrapartida, vêem a Assembleia como um espaço onde é possível dar prioridade a certas propostas consideradas prioritárias – e transformá-las em campanhas concretas.
Influir nas eleições, mantendo autonomia: No Brasil, a Coordenação dos Movimentos Sociais – que reúne, entre outras, as centrais sindicais, o MST, a Marcha Mundial de Mulheres e a União Nacional dos Estudantes – pretende dar outros desdobramentos, também inéditos, a esta nova postura.
Uma Assembleia Brasileira de Movimentos Sociais foi convocada, já na reunião da Usina do Gasômetro, para 31 de maio. Será precedida de assembleias regionais e estaduais, nos próximos meses.
O objetivo explícito é articular a intervenção dos movimentos sociais nas eleições de 2010. Última grande novidade: ao contrário do que é tradicional nos processos institucionais brasileiros, trabalha-se para que tal posicionamento não esteja subordinado à lógica da disputa entre os partidos políticos.
“Não vamos nos dividir, nem nos diluir nas candidaturas. Queremos formular um projeto para o Brasil e debatê-lo com o conjunto dos candidatos. Estamos sintonizados com o espírito de autonomia do Fórum Social Mundial”, diz Lúcia Stumpf.
No que pode ser uma marca simbólica desta mudança de postura, o documento final da Assembleia dos Movimentos Sociais adotou como título uma frase também presente no Acampamento Mundial da Juventude. Ela expressa a possibilidade de construir o pós-capitalismo não num futuro magico, mas nas ações quotidianas: “Fórum Social Mundial: Outro Mundo Acontece!”...
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*Antonio Martins é jornalista e editor do Le Monde Diplomatique-Brasil. Participou das equipes de redação de diversas publicações alternativas, como Agência Carta Maior, revista Reportagem e jornal Brasil Agora. Integra (como membro do movimento ATTAC) o grupo de entidades brasileiras que lançou o Fórum Social Mundial, onde ajudou a criar a Ciranda Internacional da Informação Independente.
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