- Miguel Urbano Rodrigues
A mentira na História
e a compreensão da crise
e a compreensão da crise
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O capitalismo atravessa uma crise estrutural para a qual não encontra soluções.
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Para que os povos se mobilizem na luta contra o sistema que os oprime e ameaça já a própria continuidade da vida na Terra é indispensável a compreensão do funcionamento da monstruosa engrenagem que deforma o real, impondo à humanidade uma História deformada, forjada pelo capitalismo para lhe servir os interesses.
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Para que os povos se mobilizem na luta contra o sistema que os oprime e ameaça já a própria continuidade da vida na Terra é indispensável a compreensão do funcionamento da monstruosa engrenagem que deforma o real, impondo à humanidade uma História deformada, forjada pelo capitalismo para lhe servir os interesses.
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Essa compreensão é extraordinariamente dificultada pela máquina de desinformação mediática controlada pelas grandes transnacionais. Nunca antes a humanidade dispôs de tanta informação, mas em época alguma esteve tão desinformada. Nesta era da informação instantânea, as forças do capital estão conscientes de que a transformação da mentira em verdade é cada vez mais imprescindível à sobrevivência do capitalismo.
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No esforço para enganar e confundir os povos, a primeira mentira é inseparável da afirmação categórica, difundida através de um bombardeamento mediático, de que nos EUA irrompera uma grave crise, definida como financeira, resultante de especulações fraudulentas no imobiliário. Obama e os sacerdotes de Wall Street reconheceram a cumplicidade da banca e das seguradoras quando surgiram falências em cadeia, mas garantiram que o tsunami financeiro seria superado através de medidas adequadas. Trataram de ocultar que se estava perante uma crise profunda do capitalismo, de âmbito mundial.
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A simulação da surpresa fez parte do jogo.
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O presidente dos EUA e os senhores da finança mentiram conscientemente.
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As grandes crises mundiais raramente são previstas e anunciadas com antecedência. Mas quando se produzem não surpreendem. Inserem-se na lógica da História.
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Isso aconteceu, por exemplo, após a II Guerra Mundial. A aliança que fora decisiva para a derrota do III Reich não poderia prolongar-se. Era incompatível com as ambições e o projecto de dominação do capitalismo.
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A dimensão da vitória, ao eliminar a Alemanha como grande potência militar e económica, gerou uma situação potencialmente conflituosa.
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A partilha dessa dramática herança foi feita, numa atmosfera de aparente cordialidade, nas conferências de Teerão e Yalta. Mas quando os canhões deixaram de disparar, Washington e Londres logo se entenderam para criar tensões incompatíveis com o respeito pelos compromissos assumidos.
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A Guerra Fria foi uma criação dos EUA e do Reino Unido. Derrotado um inimigo, o fascismo, o imperialismo precisava de inventar outro. A tarefa não exigiu muita imaginação. Os slogans que nas duas décadas anteriores apresentavam o comunismo como ameaça letal à democracia foram rapidamente retomados.
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Como os povos estavam sedentos de paz, uma gigantesca campanha de falsificação da História foi desencadeada para persuadir no Ocidente centenas de milhões de pessoas de que a União Soviética configurava um perigo para a humanidade democrática. Essa ofensiva contribuiu decisivamente para dissipar as esperanças geradas pelas Nações Unidas e o discurso humanista sobre uma paz perpétua.
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A chamada Guerra Fria nasceu dessa mentira. O famoso discurso de Fulton, quando Churchill carimbou a expressão Cortina de Ferro para caracterizar a imaginária ameaça soviética, foi previamente discutido com a Casa Branca. O medo da «barbárie russa» abriu o caminho à doutrina Truman e à NATO.
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Não foi a URSS quem tomou a iniciativa de romper os acordos assinados pelos vencedores da guerra.
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Cabe recordar que, somente após o afastamento dos comunistas dos governos da França e da Itália, os ministros anticomunistas deixaram de integrar governos de países do Leste europeu.
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É também significativo que os historiadores norte-americanos e ingleses – com raríssimas excepções – omitam que a implantação de regimes alinhados com a União Soviética se concretizou na Europa sem recurso à força armada, enquanto na Grécia – país situado na zona de influência inglesa – o exército de ocupação britânico desencadeou uma violenta repressão quando os trabalhadores revolucionários estavam prestes a tomar o poder. Foram então abatidos milhares de comunistas gregos para garantir a sobrevivência de uma monarquia apodrecida, mas os media ocidentais ignoraram esses massacres. O tema era incómodo.
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O tão comentado plano russo de «conquista e dominação mundiais» não passa de um mito forjado em Washington e Londres para criar o alarme e o medo propícios à criação da NATO como «aliança defensiva» capaz de se opor «à subversão comunista». E a arma atómica passou a ser usada como instrumento de chantagem.
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Na realidade, a URSS, a quem a guerra custara mais de 20 milhões de mortos (a maioria homens de menos de 30 anos), precisava desesperadamente de paz para se reconstruir. As hordas nazis tinham devastado as zonas mais desenvolvidas e industrializadas do país. Como poderia desejar a guerra e promover o «expansionismo comunista» uma sociedade nessas condições?
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A agressividade vinha toda dos EUA que tinham sido enriquecidos por uma guerra que não atingiu o seu território e na qual as suas forças armadas sofreram perdas muito inferiores às do seu aliado britânico.
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A Grã-Bretanha, cujo império principiava a desfazer-se, ligou, porém, o seu destino ao colosso americano. Os elogios ao aliado russo, antes frequentes, foram substituídos por insultos e calúnias. Aos jovens de hoje parece quase inacreditável que Churchill, o inventor da Cortina de Ferro, meses antes do final da guerra tenha afirmado: «não conheço outro governo que cumpra os seus compromissos (…) mais solidamente do que o governo soviético russo. Recuso-me absolutamente a travar aqui uma discussão sobre a boa fé russa» (Citado por Isaac Deutscher em Ironias da História, pág. 184, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1968).
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Assim falava o primeiro-ministro do Reino Unido pouco antes de transformar o aliado que tanto admirava em ogre que ameaçava o mundo…
Mesma hipocrisia
numa crise muito diferente
numa crise muito diferente
Desagregada a União Soviética e implantado o capitalismo na Rússia, o imperialismo sentiu a necessidade de reinventar inimigos para justificar novas guerras. E eles foram rapidamente fabricados. Surgiu assim «o eixo do mal». Pequenos países como Cuba, o Iraque e a Coreia do Norte, metamorfoseados em potências agressoras, foram apresentados como «ameaça à segurança» dos EUA e dos seus aliados. Um homem, Osama Bin Laden, foi guindado a «inimigo número um» dos EUA. O Afeganistão, onde supostamente se encontrava, foi invadido, vandalizado e ocupado. Bin Laden, aliás, não foi sequer localizado. Permanece vivo, em lugar desconhecido. Mas a sua organização, a fantasmática Al Qaeda, é responsabilizada como a fonte do terrorismo mundial.
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Seguiu-se o Iraque. Durante meses, a máquina mediática dos EUA inundou o mundo com notícias sobre «as armas de extinção massiva» que Sadam Hussein teria acumulado para agredir a humanidade. O secretário de Estado Colin Powell declarou perante o Conselho de Segurança da ONU que Washington tinha provas da existência desse arsenal de terror. O britânico Tony Blair garantiu que também dispunha dessas provas.
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O Iraque foi invadido, destruído, saqueado e, tal como o Afeganistão, permanece ocupado. Mas Bush e Blair acabaram por reconhecer que, afinal, as tais armas de extinção massiva não existiam.
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Entretanto, o complexo militar industrial dos EUA agigantou-se. O Orçamento de Defesa do país é o maior da História.
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Agora chegou a vez do Irão. O berço de uma das mais importantes civilizações criadas pela Humanidade é a mais recente ameaça à «segurança dos EUA». A Agência Internacional de Segurança Atómica não conseguiu encontrar qualquer prova de que o país esteja a utilizar as suas instalações nucleares com o objectivo de produzir armas atómicas. Com o aval do Brasil e da Turquia, o governo de Ahmanidejah comprometeu-se a que o seu urânio seja enriquecido no exterior com fins pacíficos. Mas Washington acaba de impor, através do Conselho de Segurança da ONU, novas sanções a Teerão. Mais: o presidente dos EUA ameaçou já utilizar armas atómicas tácticas contra o país se ele não se submeter a todas as suas exigências.
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Isto acontece quando Obama se viu forçado a demitir o comandante chefe norte-americano no Afeganistão na sequência de uma entrevista na qual o general Mc Chrystal – aliás um criminoso de guerra – (ver artigo de John Catalinotto em odiario.info, 12.7.2010) criticou duramente o presidente e esboçou um panorama desastroso da política da Casa Branca na Região.
Entre a farsa e a tragédia
Diariamente, os grandes media norte-americanos repetem que a crise foi praticamente superada nos EUA graças às medidas tomadas pela administração Obama. É outra grande mentira. A taxa de desemprego mantém-se inalterada e a situação de dezenas de milhões de famílias é crítica.
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É suficiente ler os artigos sobre o tema de prémios Nobel da Economia, aliás empenhados na salvação do capitalismo – Joseph Stiglitz e Paul Krugman, por exemplo – para se compreender que a situação, longe de melhorar, pode eventualmente agravar-se.
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Não é a taxa do PIB que lhe define o rumo, porque a crise, global, é do sistema e não apenas financeira.
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Os discursos do presidente contribuem para confundir os cidadãos em vez de os esclarecer. Persistem contradições entre a Casa Branca e a finança. Mas elas resultam de os senhores de Wall Street e os chairman das grandes transnacionais considerarem insuficientes as medidas da administração que os beneficiaram. Pretendem voltar a ter as mãos totalmente livres.
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A retórica presidencial não pode esconder que a estratégia de Obama visou no fundamental salvar e não punir os responsáveis por uma crise que adquiriu rapidamente proporções mundiais.
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As empresas acumulam novamente lucros fabulosos enquanto os trabalhadores apertam o cinto. A desigualdade social aumenta e os banqueiros, driblando decisões do Congresso, continuam a atribuir-se prémios principescos.
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O grande capital resiste, aliás, com o apoio firme do Partido Republicano, a todas as medidas de carácter social, na maioria tímidas – como a reforma do sistema de saúde – que a administração adopta (ver artigo de John Bellamy Forster, odiario.info,13.7.2010).
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É cada vez mais transparente que estamos perante uma crise do capitalismo, sem solução previsível, embora a esmagadora maioria da humanidade não tenha tomado consciência dessa realidade.
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A tentação de ampliar a escalada militar na Ásia como saída «salvadora» é muito forte, mas no próprio Pentágono generais influentes temem as consequências de um ataque ao Irão. A invasão terrestre está excluída e o bombardeamento com armas convencionais de alvos estratégicos não produziria outro efeito que não fosse uma gigantesca vaga de antiamericanisno no mundo muçulmano.
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O recurso a armas nucleares tácticas é a opção de uma minoria. Essa hipótese tem sido admitida por destacadas personalidades internacionais, mas não se me afigura que possa concretizar-se.
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Não obstante a vassalagem dos governos da União Europeia e do Japão, os povos condenariam massivamente uma repetição do genocídio de Hiroshima. Seria o prólogo de uma tragédia cujo desfecho poderia ser a extinção da humanidade.
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Retomo assim a afirmação do início, tema desta reflexão. A mentira na História dificulta extraordinariamente a compreensão da crise de civilização que o homem enfrenta.
.Avante 2010.07.23
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