Discurso de Lula da Silva (excerto)

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segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Quem tem direito à soberania nuclear? - Breno Altman



 

Mundo

Vermelho - 9 de Dezembro de 2009 - 15h47

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O presidente Lula, na semana passada, questionou a legitimidade dos países que detêm o monopólio da bomba para se apresentarem como críticos do governo de Teerã. Mais ainda: colocou como pressuposto para um acordo sólido e democrático o desmantelamento de todos os arsenais nucleares. Foi o que bastou para a indignação estridente de alguns comentaristas.

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O mandatário brasileiro colocou o dedo em uma ferida. Quem possui autoridade para determinar quais países podem ingressar no clube atômico e quais não? Por exemplo, por que o Irã deve ser pressionado a abrir mão de seus projetos e Israel merece tolerância? A qual lógica obedece essa discriminação?
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Retornemos um pouco no tempo. O documento que serve de base institucional para essa arbitragem é o Tratado de Não-Proliferação Nuclear e foi assinado em 1968. Naquele momento, no auge da Guerra Fria, cumpriu papel de conjurar os riscos de um conflito atômico.
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Com o mundo dividido em dois campos, a restrição ao uso militar da energia nuclear nas mãos das duas superpotências, União Soviética e Estados Unidos, limitava as possibilidades de conflagração a partir de países que escapassem da hegemonia bipolar.
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Na prática, os Estados alinhados a uma ou outra das superpotências delegavam sua defesa estratégica à nação-líder do sistema político-econômico a que pertenciam. Não foi uma regra de fácil implantação: França e China, membros do Conselho de Segurança da ONU, assinaram o tratado apenas em 1992. Obviamente um acordo com esse perfil reforçava o papel hegemônico de soviéticos e norte-americanos.
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A fórmula continha, além do duopólio nuclear, regras de contenção que forçavam relativa paridade entre os dois campos, evitando que a supremacia de um ou outro lado, geradora de vantagem comparativa insuperável, servisse de incentivo a puxar o gatilho.
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O equilíbrio atômico impedia o choque entre União Soviética e Estados Unidos. Também estabelecia limites para intervenção militar em guerras regionais, como foi o caso do Vietnã, onde as forças americanas não puderam recorrer a seus arsenais nucleares. Por fim, ao bloquear a proliferação de armas dessa natureza, reduzia as chances de uma hecatombe que fluísse da periferia para o centro dos sistemas em disputa.
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Hegemonia imperialista
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Mas o cenário que deu origem a esse tratado caducou. Após o colapso soviético, o mundo mergulhou em uma situação de forte desigualdade militar, marcada pela preponderância dos Estados Unidos, que assumiram uma função pretoriana e unilateral sobre a questão atômica.
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As conseqüências geopolíticas dessa disparidade são visíveis. A Casa Branca pôde, nos últimos 20 anos, comandar guerras de dominação ou ocupação que possivelmente seriam inviáveis no passado. Apenas para lembrarmos os fatos mais notórios: os processos de pacificação da Iugoslávia, do Iraque e do Afeganistão, teriam ocorrido na era da bipolaridade?
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Os aliados regionais de Washington passaram a contar com uma margem de manobra muito ampla. A situação mais emblemática ocorre no Oriente Médio. O desequilíbrio bélico a favor de Israel, apesar desse país até hoje ter se recusado a assinar o tratado de não-proliferação, é pedra angular na política norte-americana.
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A fragilidade defensiva e ofensiva de palestinos e países árabes, além do Irã, garante ao sionismo não apenas a segurança das fronteiras israelenses como também a execução de uma política expansionista praticamente ilimitada. O desequilíbrio militar, afinal, é uma premissa para a hegemonia imperialista.
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A verdade é que os Estados Unidos, com a cumplicidade de outras potências atômicas, lograram fazer do velho tratado um instrumento de sua supremacia, exatamente um dos cenários que se desejava evitar há 40 anos. Os norte-americanos não são fortes o suficiente, por exemplo, para exigir a liquidação dos arsenais de Rússia e China, mas tratam de impedir que surjam novos protagonistas nucleares que desorganizem sua estratégia de poder.
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Afinal, até países com economia frágil, incapazes de manter exércitos regulares dotados com os equipamentos mais modernos, poderiam desenvolver o ciclo atômico completo e criar um arsenal tático, com poder dissuasório ou de médio alcance, ampliando sua capacidade defensiva. A Coreia do Norte, que rompeu com o tratado em 2003, é uma evidência dessa possibilidade.
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Validade vencida
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Não há qualquer sensatez, é evidente, em se apostar na disseminação do poderio nuclear como caminho para a paz. Mas a renúncia unilateral ou forçada à soberania atômica, nos termos atuais, significaria aceitar como imutável a geopolítica da supremacia.
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O presidente Lula, com seu modo cordato, deixou claro que o antigo tratado está com validade vencida. Suas palavras apontam para outro tipo de acordo, baseado na igualdade de todas as nações perante a lei internacional. Fora desse parâmetro, é o reino da hipocrisia.
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Breno Altman é jornalista e diretor de redação do Opera Mundi.

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