Discurso de Lula da Silva (excerto)

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sábado, 30 de janeiro de 2010

“Partir”: Paixão no compasso da luta de classe Cloves Geraldo *

 

Colunas

Vermelho - 29 de Janeiro de 2010 - 16h00

“Partir”: Paixão no compasso da luta de classe

Cloves Geraldo *

Com traços do romantismo, diretora francesa Catherine Corsini leva o espectador ao sul da França e o coloca em meio à paixão da pequeno burguesa Suzanne pelo operário Ivan e aponta os impasses desta relação.

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Na abertura de “Partir”, da diretora francesa Catherine Corsini, há um cena que amarra toda a história e o espectador fica esperando o desfecho. A quarentona Suzanne Vidal (Kristin Scott Thomas) deixa a cama e caminha pelo corredor e a sequencia acaba com um barulho estranho. A que vem a seguir nada tem com este prólogo. O marido Samuel Vidal (Yvan Attal), médico, está às voltas com a construção do consultório dela, fisioterapeuta, que retoma a profissão depois de o casal de filhos chegarem à adolescência. Nada incomum, apenas uma obra que é também a reconstrução de uma vida, após um interregno em que ela se dedicou à família.
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As obras são, enfim, a maneira de as relações familiares irem se reconstruindo. Elas envolvem a família, no caso o casal Vidal, e os outros, o empreiteiro e os operários, com os quais os contatos se encerram ao término das obras. Mas há algo nas reconstruções que traem o sentido de continuidade da relação que elas representam. E para os Vidal, casal pequeno burguês, as relações conjugais, e com os filhos, e, enfim, entre a própria família, andam bem demais para que as reformas signifiquem apenas o recomeço para ela, Suzanne, pelo contrário, desnudam as rachaduras que a relação do casal apresenta.
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Existência dos Vidal não será mais a mesma
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Então, a abertura em que Suzanne deixa a cama e vai pelo corredor e a sequência seguinte se encaixam: quando as coisas vão bem demais, com tudo se encaixando, algo errado está para acontecer. Pode ser visto como determinismo, o espectador/leitor pode dizer que nem tudo se passa assim na vida dos casais. Mas com os Vidal, sim. Falta um elemento de desconforto para equilibrar as aparências e a vida dos Vidal não será mais a mesma. Primeiro deve-se começar pelo inverso: o marido. Médico, apaixonado pela mulher, disposto a lhe dar tudo, inclusive um consultório novo, ele tem com a mulher uma relação mecânica. Almoça com os filhos, cuida das ambições da esposa, mantém com elas relações maritais, e sonha em ser vice-prefeito em dobradinha com o atual chefe do executivo.
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Depois, os filhos adolescentes interessados em suas próprias descobertas, mal prestam atenção no que ocorre na relação entre eles e os pais e, de preferência, entre os próprios pais. Igual ao comportamento da maioria dos jovens, criando seu próprio círculo de amizade e vivendo seus sonhos. Enquanto a idade adulta não os trague para seu redemoinho lhes revelando um mundo novo, onde as aparências nas relações entre os pais se transformam em pesadelo. E estamos falando na família Vidal. Os dois, o rapaz e a moça, cada um a seu modo ignoram o que acontece no quarto de cama grande, muito menos o que rola nas conversas a dois, das quais eles não participam. E eles são o terceiro vértice da história de todas as famílias: pagarão um preço pelo alheamento, ou porque não foram introduzidos a tempo e a hora no reduzido circuito das relações entre os pais, só o percebendo quando o desejo acaba por tragar-lhes para o redemoinho do qual raras vezes sabem sair.
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Suzanne lembra Nora da “Casa de Boneca”
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E por último para não deixar escapar o segundo vértice familiar vem a mulher, Suzanne. Fruto de sua geração, ela tenta dar sentido à sua vida e não ser apenas a dona de casa que “serve ao marido” e cuida dos filhos. Quer dedicar-se à sua profissão e não dividir a conta bancária com o esposo e ficar em segundo plano nas decisões centrais. Busca assim ser independente e continuar compondo a família, no caso, os Vidal. Ela é a senhora Vidal. Assim todos a chamam. Ela não é Suzanne. Ela quer ser Suzanne. Relembra a Nora de Ibsen, em sua peça “Casa de Boneca”. Mas Suzanne vive no século 21, Nora é do século 19. Suzanne é mais sutil – até as duas sequências em questão, diga-se a bem do andamento da sonata. Ela tem o semblante cansado, o corpo ainda se despacha, conservando certa vivacidade. E começa a ter marcas no rosto. As rugas o demonstram. É cordata, educada; o marido combina e ela aceita. Afinal, é para “seu bem”.
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O espectador recebe em duas sequências tudo o que precisa para entrar e sair deste quase triângulo amoroso, cujo prólogo põe em sua cabeça uma dúvida e lhe apresenta em seguida o cotidiano de uma família pequeno burguesa do interior francês. É então que entra o quarto vértice da família Vidal: a casa. O sobrado de arquitetura moderna, de escadas livres, de paredes brancas, janelas envidraçadas, decorada com painéis e quadros de pintores modernos – alguns caros. Tapetes e esculturas estrangeiras. Vinhos finos e dispendiosos. Suzanne a ajudou construir e adquirir o que a decora e compõe sua visão e de Samuel sobre o que é a casa de gente de sua classe. Estes vértices e ambientes formam um todo de normalidade e até de certa harmonia e felicidade. A sequência inicial, porém, plantada na cabeça do espectador lhe diz o contrário, sem que ele o absorva direito. Apenas está lá.
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Barulho permanece na cabeça do espectador
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O que vem a seguir, o fator de desconforto, de desnudamento desta estrutura, é que irá flagrar também o espectador em sua capacidade de se entregar a uma história que precisa dele para seguir em frente. Mas isto não irá ocorrer. “Partir”, embora tenha plantado em sua cabeça um indício de perturbação não irá repeti-l ao longo dos entrechos. Lançará sobre ele uma série de situações que o dividirá entre aceitar o que lhe propõe a roteirista/diretora Corsini, entendendo sua narrativa como a de uma mulher que se defronta pela primeira vez com a possibilidade de viver segundo seu desejo, e o de torcer para que o marido entenda o que está acontecendo com ela e compreenda que a perdeu ou que lute para reconquistá-la.
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Poderá, dependendo de sua tendência e visão de classe, optar por um e outro. Por Samuel ao indagar o porquê de Suzanne deixá-lo, se ele lhe faculta tudo, inclusive seu retorno à profissão; por Suzanne devido à barreira que Samuel lhe impõe, em razão da paixão dele por ela. Porém aí seria baratear as intenções de Corsini e o que ela conseguiu em duas sequências plantar em sua cabeça (dele espectador). É preciso ir em frente, destrinchando as aparências das relações burguesas, numa sociedade de consumo.
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Quinto vértice cria uma situação nova
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“Partir” pode ser entendido como partir mesmo, sair, viajar, largar. No entanto, “Partir” é dividir, partir ao meio, fracionar, é isto que o quinto vértice do filme faz. Ele fraciona o que aparentemente estava unido, colado, e que sua simples presença (de quinto vértice) criou uma situação nova, incontornável, porque oferece a Suzanne a chance de viver segundo o que lhe impõe seu desejo. E o espectador pode e deve perguntar se é só isto mesmo: o desejo. Não se trata de tão só desejar, tentar evadir-se para concretizá-lo. Suzanne necessita realizá-lo para viver plenamente. Para estar viva e dar sentido à sua vida de tudo certinho, no lugar, inclusive na cama. Entretanto, vai além, ela precisa viver segundo seus próprios termos, daí sua semelhança com Nora. Precisa deixar Samuel para trás para sentir-se viva e plena. Então, faz sentido a primeira sequência. O barulho inexplicável com o qual Corsini abre seu filme.
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Não é novidade que os fatores de perturbação impulsionados pelo desejo podem ser criados apenas por uma situação: a chegada do terceiro vértice. De Frank Chambers (John Garfield) entrando na vida de Cora Smith (Lana Turner), em “O Destino Bate à Sua Porta”, que Tay Garnett tirou da novela homônima de James Cain. Cora vê no andarilho a chance de evadir-se da pobreza sem atentar para o turbilhão que a envolveria. Ou já esteja presente e provoque instabilidade a ponto de Louise Howell (Joan Crawford) andar em círculo, casando-se com um homem que não ama para escapar ao vazio de não ter David Sutton (Van Heflin) a seu lado, no filme que Curtis Bernhardt retirou da história de Rita Welman: “Fogueira de Paixão”. Nestes filmes, o desejo assume outras feições na ânsia de Cora viver uma vida decente, agora ao lado de Chambers, e de Louise evitar que Sutton se case com a enteada. Elas não se pontificam em se transformar em trabalhadoras para que seu desejo se concretize: prazer, trabalho e liberação compõem o perfil de Suzanne. Nisto se diferencia das mulheres do filme noir, carentes, vivendo apenas em função de seu objeto de desejo.
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“Mulheres fatais” não são liberadas
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As mulheres fatais em sua maioria não são liberadas, enredam seu objeto de desejo em tramas mortais das quais elas sequer escapam. Elas não existem para além de seu ambiente, idealizado, brotado da mente de roteiristas e diretores. Contribuem, pelo contrário, para a afirmação do star sistem hollywoodiano, da manutenção mais de estrelas que de atrizes. Têm como único objetivo livrar-se do fator de perturbação, o marido ou uma testemunha, e ficar ao lado de seu amado, que lhe escapa a todo instante, por ele também ser instável. Não estão dispostas a mudar suas vidas radicalmente para tê-lo a seu lado. Ajudando a sustentar-se mutuamente. Louis termina louca e Cora morre num acidente de automóvel, como exigia a censura estadunidense dos anos 30, 40 e 50. Traduzindo a mão pesada da sociedade burguesa de então não só para o crime, mas, principalmente, para condenar qualquer tentativa de liberação feminina e, por extensão, a superação do suposto conflito criado pelo desejo.
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Então, o quarto vértice de “Partir”, o fator de desconforto, ajuda a desconstruir esta mitologia. Ele ao dividir libera Suzanne para exercer sua porção feminina e realizar seu desejo em seus termos. Ela não irá viver segundo os termos por ele estabelecidos, irá compartilhar sua vida com ele e, a partir daí, irá trocar as aparências “sadias e equilibradas” da vida burguesa pela divisão de tarefas com seu objeto de desejo – e aqui outro componente – o de paixão. Esta inclui voltar à fisioterapia ou mesmo submeter-se a jornadas árduas de trabalho para ficar ao lado de seu novo parceiro. Enfim, Suzanne assume conviver em todas as dimensões da vida a dois com base na diferenciação de papéis e de gêneros. Diferente de Cora e Louise – se usa estes dois personagens apenas para facilitar a referenciação -, ela não se inclui no universo da mulher fatal, é tão só o primeiro vértice (o principal) da descoberta das possibilidades do amor ou do que poderia ser um triângulo amoroso comum.
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Suzanne é mulher dos tempos atuais
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Esta talvez seja uma das tramas mais difíceis de montar no cinema atual, devido a inúmeros filmes já feitos tendo-o como centro. Corsini usa-o, mudando as referências a ele e ao filme noir, embora “Partir” conserve elementos de ambos e seja mais um drama. Do primeiro por usar a mulher como objeto de desejo e do segundo por colocá-la como o principal vértice da história. Mas ao mesmo tempo, Corsin desconstrói a ambos: o noir porque Suzanne é uma mulher liberada, não quer ser vista só como mulher, sim como companheira e parceira do cotidiano no trabalho e nas relações afetivas/amorosas – do triângulo amoroso por ser consciente o suficiente para não se submeter nem ao marido nem ao novo companheiro apenas como mulher. Quer ser vista de outro modo. Para Samuel por tê-lo ajudado a construir o patrimônio que hoje tem – o quarto vértice da narrativa – e para o desconhecido Ivan ao mostrar-lhe ser capaz de compartilhar com ele seu cotidiano, inclusive no trabalho árduo.
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É esta mulher que emerge em “Partir”, impulsionada pelo quarto vértice: o operário espanhol Ivan (Serge Lopez), recém saído da prisão. É o fator desestabilizador do casal Vidal, sendo ao mesmo tempo de equilíbrio, por ajudá-la a recompor sua existência, livrando-a da prisão das aparências. O que a faz viver não é a tranquilidade da mansão onde vive, tampouco os adornos plásticos das paredes e as esculturas que não reforçam sua visão de mundo. Como na maioria das residências burguesas estão ali apenas para compor cenário. Não têm vida para além daquele ambiente porquanto não estão referenciadas em suas culturais de origem. Servirão no máximo como moeda de troca no mercado de artes quando lhes render bons lucros. E Ivan a traz para o mundo proletário onde tudo se constrói na labuta diária, sem possibilidade de acumulação, pois seu trabalho não é remunerado para gerar excedente. A acumulação se dá do outro lado para não lhe dar a chance de viver a plenitude de sua produção diária.
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Narrativa permite comparar mundos burguês e operário
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A chegada deste quinto vértice permitirá também ao espectador comparar o cotidiano de duas classes. A do imigrante operário e o da pequeno burguesa agora proletária. É o mundo das pensões, dos hotéis baratos, da comida rala e da carência de dinheiro. Um tipo de vida à qual Suzanne não está acostumada. Ela, no entanto, a suporta por ter a visão de que irá superar as dificuldades adiante. É uma mulher de seu tempo, mantendo em sua luta traços de heroína romântica. A paixão a impulsiona, a consciência a libera da subserviência. Ela e Ivan perambulando pelas plantações do interior da França e mantendo-se reforçam esta visão. Inclusive a labuta a que se entrega, tendo o filho a seu lado. É o outro lado da vida, suportado em toda sua extensão. Não que esta seja apenas imposição do meio em que vive Ivan, submetido a todo tipo de exploração – suas agruras são de responsabilidade de Samuel, disposto a fazê-la viver na penúria para trazê-la de volta.
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Ivan tem consciência de suas fragilidades e insuficiências. Não é fraco, é realista diante do cerco que lhes empreendido. Sabe das inconsistências do meio em que é obrigado a viver com Suzanne, de plantação em plantação, de bar em bar, de estrada em estrada em situações vexatórias, embora tenha condições de viver dignamente. Sua profissão lhe permite isto. É imigrante em situação regular na França. Encontra inclusive seu paraíso, um retiro de pedra em meio à natureza, que traduz o romantismo que impregna a narrativa quando ele e Suzanne estão juntos. Corsini o enreda nestas situações como se quisesse romper a estrutura burguesa da relação entre quatro paredes. A de Ivan com Suzanne é para além dos espaços fechados, movimentada, colorida, cheia de alternativas. Ele a torna mais decidida, ela o impulsiona evitando que ele lhe escape.
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Arte para burguesia só tem valor de troca

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Se Corsini não chega aos detalhes da exploração extrema da classe operária imigrante deixa-os claro ao colocar Suzanne e Ivan vivendo de bicos, recebendo parcos euros por jornadas extenuantes. E ao mesmo tempo esclarece a relação companheiro/companheira na construção do patrimônio comum. É ilustrativa a sequência em que Suzanne e Ivan entram na mansão que ela ajudou a construir e seleciona as obras que aliviarão sua falta de dinheiro. Esta escolha foge ao que tem valor afetivo para se concentrar no que é mais valioso, materialmente. O valor de troca se impõe diante da necessidade. Mostra desta forma o papel da mulher na construção do patrimônio comum. Desenrola-se eivado de suspense, de tensão, do temor de ambos serem pegos por Samuel. De maneira surreal por ela mudar de papel, de dona da mansão, para o de invasora, mais propriamente ladra, nos termos do ainda marido, Samuel.
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Estabelece-se a partir daí uma disputa em dois níveis: o do triângulo amoroso, com o marido tentando trazer a mulher de volta, não vendo que a havia perdido, e o da luta de classe a partir do momento em que Samuel insiste em satanizar Ivan por ser ele operário. Ele, Samuel, não consegue ver a ex-mulher agindo, lutando, para livrar-se das aparências da vida soporífera que levava com ele. Continua a vê-la manipulável, suscetível à influência de Ivan, quando na verdade ele com suas tramóias a empurra cada vez mais para longe dele. Ivan escapa a qualquer traço do que ele tenta lhe imputar. Foge às características normalmente dadas aos operários no cinema – de toscos, brutalhões, mal educados, ou extremamente idealizados. Ivan é carpinteiro, se vira como garçom, quando as portas lhe são fechadas se transforma em temporário nas colheitas de frutas e verduras.
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Romantismo impera em meio à natureza
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Serge Lopez, grande ator espanhol radicado na França (“O Labirinto do Fauno”), o compõe sem clichês, de gestos comedidos, fala mansa, argumentos sólidos, com seus momentos de fúria e exigências. Muitos deles ignoradas por Suzanne, mais idealista que ele, parceira, disposta a conviver com ele em seu meio sem pré-condições. Ele, Ivan, esperta em Suzanne o que ela manteve reprimido durante anos – ela também o instiga a se largar, entregando-se a prazeres antes insuspeitos. E não se impõe a ela, tentando evitar que fuja para seu recanto seguro ao lado do ainda marido.
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São sequências em que o romantismo impera. No entanto, longe do acento trágico imposto pelo mergulho dos personagens num tipo de vida dominado pelas dificuldades criadas por Samuel. Tem mais da visão de Corsini diante da possibilidade de transformação de Suzanne de dama pequeno burguesa em companheira de operário. Existe algo em seu horizonte que lhe permite equilibrar sua vida e viver em seus termos com Ivan, sem necessidade da ajuda financeira de Samuel. É isto enfim o que a anima – sabe, no entanto, que até lá terá de suportar a miséria em que mergulha a cada dia. Porém, os instantes que passa ao lado de Ivan lhe são gratificantes. E nisso reside a visão otimista de Corsini – talvez conciliatória em demasia. Há todo momento ela, via Suzanne, tenta tranquilizar Ivan, dizendo-lhe que conseguirá o que quer para eles viverem em paz. É o fator propulsor deste drama que transita por vários gêneros e se planta no idealismo com tintas de romantismo, pondo no meio pintadas de luta de classe.
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No drama romântico o trágico predomina
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Não deixa de ser uma maneira de escapar aos clichês do cinema atual que abusa da manipulação da estética vazia e da velocidade narrativa para manter o espectador aceso. Através do barulho da sequência inicial que não ressurge ao longo dos 85 minutos do filme, Corsini faz um círculo de 360 graus para repor a cena no ponto inicial. Um recurso também muito usado, mas que aqui ganha conotação nova. Ele é quase imperceptível. É possível que seja mais lembrada a cor da camisola de Suzanne que propriamente o som que não se espalha. E o objeto de desconforto muda de lugar, não é mais o quinto vértice, é agora o segundo vértice – como nos filmes noir (marido, mulher e amante), ele é que incomoda; que impede que os amantes consigam viver plenamente sua paixão.
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No drama romântico o trágico predomina – os amantes diante da impossibilidade de viver em paz se sacrificam. Corsini prefere aceitar a receita noir. Esta saída talvez diminua o impacto de sua narrativa. Mas o caráter da personagem, muito racional e destemida para não equilibrar suas decisões, cria esta dúvida. A obra representou, para ela, o recomeço, não da forma que imaginava. Ela testou seus próprios limites e entrou em vários impasses. Pode muito bem estruturar nova uma reconstrução. Uma ilação sem dúvida – talvez demasiada crua, entretanto baseada no comportamento motivador das ações da fisioterapeuta acostumada a trabalhar detalhes do corpo humano. Vai sempre por partes. Ela, entretanto, é tragada pelo desespero da vida cotidiana a que a submete Samuel – e daí o estampido se completa. O espectador talvez esperasse outra solução – a que está na tela é de Corsini. No entanto, “Partir” é um imaginativo filme no qual a narrativa encanta e surpreende, nem tanto pelo desfecho, mas pela forma como a diretora a conduz.
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“Partir”.(“Partir”). Drama. França. 2009. 85 minutos. Roteiro/Direção: Catherine Corsini. Elenco: Kristin Scott Thomas, Serge Lopes, Ivan Atta.


* Jornalista e cineasta, dirigiu os documentários "TerraMãe", "O Mestre do Cidadão" e "Paulão, lider popular". Escreveu novelas infantis,  "Os Grilos" e "Também os Galos não Cantam".
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* Opiniões aqui expressas não refletem necessáriamente as opiniões do site
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Trailer: Partir van Catherine Corsin

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Partir
18/12/2009

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Suzanne tem cerca de quarenta anos e é casada com um médico. O casal vive com os dois filhos adolescentes no sul da França. Cansada de sua vida tranquila, decide voltar a trabalhar como fisioterapeuta, ofício que abandonou para criar os filhos. Seu marido concorda com a ideia e ajuda a construir um consultório no quintal da casa. O responsável pelas obras é Ivan, homem rústico que já esteve na prisão. Em pouco tempo, as barreiras entre Ivan e Suzanne transformam-se em atração mútua, e ela decide largar tudo e partir com ele, disposta a se entregar totalmente à paixão.
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Partir foi exibido no Festival do Rio 2009 e na 33ª Mostra de Cinema de SP.
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Ficha técnica
Titulo Original: Partir
França, 2009, 85 min .

Direção: Catherine Corsini
Roteiro: Catherine Corsini e Gaëlle Macé
Direção de Fotografia: Agnès Godard
Montagem: Simon Jacquet
Produção: Michel Seydoux e Fabienne Vonier
Produtora: Pyramide Productions
Distribuição nacional: Imovision
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Elenco
Kristin Scott Thomas, Sergi Lopez, Yvan Attal
.Sobre a diretora
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Catherine Corsini nasceu em 1956, na França. Aos 18 anos, mudou-se para Paris, decidida a ser atriz. Após pequenos papéis e trabalhos como assistente no teatro, virou roteirista e diretora. Depois de uma série de curtas, dirigiu, em 1988, seu primeiro longa-metragem, Poker. Entre seus filmes, destacam-se também O Ensaio (2001), Competição Oficial do Festival de Cannes, Casadas Mas Nem Tanto (2003) e Os Ambiciosos (2006).
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