Discurso de Lula da Silva (excerto)

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sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

“Budapeste” - Cloves Geraldo


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Vermelho - 25 de Setembro de 2009 - 0h00

“Budapeste”

Cloves Geraldo *

Baseado no livro homônimo de Chico Buarque, filme do brasileiro Walter Carvalho trata do universo dos que escrevem para que os outros ganhem a fama e eles continuem na obscuridade. E termina por discutir a falta de identidade no mundo globalizado.

Trafegando no mundo das falsificações e imposturas
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Muitos espectadores ao assistir a “Budapeste”, de Walter Carvalho, baseado no livro homônimo de Chico Buarque, irão trafegar por universos incomuns para o cinema brasileiro. Mais acostumado ao realismo terceiromundista, a exceção, talvez, dos filmes de Fernando Meirelles (“Ensaio sobre a Cegueira”, “O Jardineiro Fiel”), que a mergulhar em temas igualmente significativos. Isto porque existem inúmeras vertentes para se captar a realidade imediata; num mundo que se pretende globalizado, mas que busca desesperadamente construir uma identidade que o tire da uniformidade. Haja vista a quantidade de pequenas nações surgidas nesta pós-Queda do Muro de Berlim. Todas elas insubmissas, tentando tornar-se um país, que ao mesmo tempo busca se integrar aos grandes blocos político-econômicos.
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Ainda que escape à temática há muito ditada pelo Cinema Novo, “Budapeste” tem como matriz a afirmação de um escritor/poeta nativo neste planeta onde a identidade é mais o que consta no passaporte do que a cultura e o fazer que construam o cidadão. Mas, por contraditório que pareça, as mazelas pátrias estão todas no filme – da insubmissão ao que oprime o indivíduo a busca incessante de espaço mesmo em condições adversas. O que amplia, sem dúvida, seu olhar para além da geografia latinoamericana, através de um personagem que trafega entre o sistema e suas fronteiras. E fortalece desta forma a visão que a roteirista Rita Buzzar e o diretor Carvalho buscaram transmitir neste “Budapeste”: o da luta contra a falsificação e a impostura, o da luta pela visibilidade e a identidade.
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Se a maioria dos filmes nacionais busca hoje ampliar a visão que se pode ter do país, sem deixar de lado a herança do Cinema Novo, ao incluir o povo como personagem (“Cidade de Deus”, “Linha de Passe”, “Mutum”) ou a denunciar as estruturas viciadas e corruptas do país “Tropa de Elite”, “Budapeste” centra-se nas mazelas subreptícias da autoria e, por extensão, da identidade. Usa para isto uma cidade, Budapeste, como símbolo de um mundo em mutação, e o poeta brasileiro, José Costa (Leonardo Medeiros), que sobrevive escrevendo livros para outros assinarem. Enquanto nas palavras do também poeta Puskás Sándor, “Fora de Budapeste nada existe” – dada sua identificação com o ser anônimo, aquele que enaltece a criação não subscrita, que viverá apenas através da obra – Costa trava uma luta desesperada pelo reconhecimento. Existe um momento em que a transição de um mundo para o outro, de uma estrutura sócio-histórica para a outra, é vista por ele numa configuração incomum: a gigantesca estátua de Lênin deslizando pelo Danúbio numa balsa. Algo se foi, algo precisa ser reconstruído.
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Costa escreve mantendo seu olhar brasileiro

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Esta apreensão de Budapeste se dá pelo aprendizado – “o Húngaro não se aprende nos livros” – diz a amante de Costa, Kriska (Gabriela Hámori), ela também numa lexicólografa. E por sua integração ao meio ao qual está acostumado: o da produção de obras para outros assinarem. Costa o faz, desenraizado, destoando da voz húngara, fato reconhecido por Kriska, dado que seu olhar continua a ser de um brasileiro que constrói versos e estrofes de acordo com sua cultura. Trata-se, sem dúvida, de tema árido, de difícil tratamento imagético, pois a identificação do espectador com esta área é quase nenhuma. Rita Buzzar, como roteirista/produtora, e Carvalho, como diretor, conseguiram, no entanto, transpor a obra de Chico Buarque com uma clareza e sensibilidade suficientes para que ele, o espectador, consiga acompanhar, entender as dificuldades de Costa para se desfazer das amarras do anonimato e aprender as nuanças do novo idioma.
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As aflições e frustrações de Costa são elucidadas em suas próprias reflexões, feitas na primeira pessoa. Ele se debate, se deprime por ver outros conquistarem uma glória que deveria ser dele. Quando justo ele, um ghostwriter, escritorfantasma, não deveria passar por estes dilemas: é de sua profissão escrever para os outros assinarem. Como o é do escritor de discursos políticos e do portavoz. Ambos sabem que seu papel é o de servir de sombra à visibilidade de quem o contratou. Não é o de portar-se ao lado do subscritor da obra para que se identifique o autor real. Bem o diz Puskás Sándor, que seu papel é o de ser anônimo. Na própria Budapeste há, no filme, uma estátua louvando-o, por não querer vir ao sol, preservando sua contribuição impressa em livro. O próprio Costa chega a Budapeste, vindo da Índia, depois que seu avião teve de fazer um pouso forçado na capital húngara. E lá se enreda numa busca infernal por identidade. Dando, assim, ao espectador a chance de entender suas tentativas de reconhecimento. Pilhas e pilhas de livros, coquetéis de lançamento, coberturas da mídia, autógrafos. Tudo o deprime.
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Escrita de Costa usa corpos humanos
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Nestas sequências não há em que o espectador se apegar, principalmente porque a narrativa não é linear – ela vai a Budapeste e regressa ao Rio de Janeiro. Está na primeira pessoa (Costa refletindo sobre seus dilemas) e na terceira (o diretor situando o espectador na trama). Porém, assume o caráter real ao se deter na vida amorosa de Costa, mostrando sua mulher, Vanda (Giovanna Antonelli), e em sua vida profissional, via reuniões na editora. São as imagens, belas, bem estruturadas, com a ação rápida, que vão, aos poucos, levando ele, espectador, ao universo do poeta/sombra. Carvalho o envolve na trama usando espectros, claro/escuro, cortes rápidos - Costa andando pela desconhecida Budapeste, de ruas desertas, gélidas, envolvendo-se com o submundo húngaro, vivendo situações limite. Discute o poder da palavra, da construção do sentido, da escrita se grudar ao corpo, à pele, de forma a ser permanente. Na linha de Peter Greenaway, em “O Livro de Cabeceira” (veja abaixo). De o homem ter sua história escrita no próprio corpo – e dela não poder mais se despregar.
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Nestas sequências predomina o sensorial. Os corpos ao terem inscrições assumem o caráter de instalações – montagens de objetos que traduzem uma realidade imediata. E o filme seria hermético se nisso ficasse. A dupla Buzzar/Carvalho consegue escapar a esta armadilha: o do filme voltado apenas para o sensorial, com códigos fechados, para iniciados. Quando Costa começa a se integrar ao universo húngaro, a pensar e escrever em húngaro, a narrativa se abre, surge outra vertente: a da falsificação e da impostura. Tema não distante dele, espectador. Principalmente porque a mídia tem denunciado, sem se aprofundar, a escrita de monografias para conclusão de cursos superiores, por meio de ghostwriters profissionais que as vendem por altos preços. Tema recorrente também discutido em “O Poeta da Vila”, cinebiografia de Noel Rosa, ao mostrar compositores vendendo suas músicas a outros que assumem sua autoria. Ou, nos caso mais comuns, o de ghostwriters especialistas em biografias de celebridades ou nem tanto. Um mundo por demais amplo – sem contar o da falsificação de obras de arte, tratados por Orson Welles, em “Verdades e Mentiras”. Há sempre alguém querendo usar os “préstimos” deles para ter visibilidade, reconhecimento, identidades às suas custas.
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Kriska, húngara, traduz seu universo para Costa
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Quando o filme chega a estas sequências o espectador já foi tragado para sua trama central. A tentativa desenfreada do homem moderno de se despregar da massa, de ter seu “eu” próprio, de ter voz e poder ser reconhecido em sua inteireza. Costa o consegue depois de muito sacrifício – de denunciar, ser expulso da Hungria, de perseverar nessa trilha, de regressar. Não o faz por si, há Kriska a ajudá-lo. Portanto, há em quem se escorar; que o proteja, e ele se deixa orientar, ainda que resista à suas orientações. Adverso de Vanda, sua mulher, brasileira, mais interessada na badalação, para quem a autoria não conta, sim quem está sob os holofotes. Nada ajuda a construir. Diferente de Kriska, mãe do garoto Pisti, que irá traduzir Budapeste, seu universo particular para ele, abrindo-lhe novos caminhos. Uma parceria, enfim. O espectador vê, assim, as vertentes se entrecruzarem e fazerem sentido. E o levar à abertura desta escrita – de o filme abrir outra vertente para o cinema nacional: o de ler o Brasil a partir do exterior. Costa é o espectador lutando para ganhar visibilidade, se reconhecer ou ser reconhecido como autor de sua própria história.
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O meio em que Costa transita é o das megalivrarias, verdadeiros hipermercados, onde se dá tanto a venda da obra, o real, multiuniversos, como a impostura, o lançamento da obra escrita pelo ghostwriters. Um símbolo do hipercapitalismo, da globalização da cultura, que contradiz a afirmação de Puskás Sándor, de que “fora de Budapeste, nada existe”. Enquanto ele se amolda, trafegando entre a impostura e a conivência, Costa se insurge. A voz terceiromundista em pleno espaço da Comunidade Européia. Lembra Jardel Filho, denunciando o ditador do fictício Eldorado, em “Terra em Transe”, e clamando por justiça, liberdade, democracia. Talvez estas junções, leituras e projeções só evidenciem a proximidade das temáticas: a políticosocial, a terceiromundista e as que trafegam pelo universo da falsificação e da impostura. Espaços, portanto, distantes do povo, porém projetados no personagem, no caso Costa, que, como profissional, tenta construir sua identidade e tê-la reconhecida.
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Desfecho recompensa o espectador sem o frustrar
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O interessante neste “Budapeste” é que se as primeiras sequências são intrincadas, Carvalho e sua roteirista Rita Buzzar não se aventuraram pelo final fechado, enigmático. O espectador mais exigente talvez o esperasse. Contudo, eles não o frustram. O recompensam com a possibilidade de a impostura ser denunciada e a autoria restituída a quem de direito. De uma forma, elucidativa. A tenacidade de Costa não poderia redundar em fracasso. A própria construção de sua dignidade de poeta, escritor; exige um desfecho diferente. Aponta, com isto, uma série de possibilidades, de caminhos e vertentes – o de o brasileiro não ser um inadaptado no estrangeiro. E de sua contribuição deixar de ser anônima, submersa, sendo ele mesmo um fantasma terceiromundista em países cujas identidades estão sendo reconstruídas. Um belo exercício de estilo, clima e temática, para quem se interessa por um cinema adulto e voltado para questões tão imediatas quanto a simples sobrevivência.
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“Budapeste”. Drama. Brasil/Hungria. 2009. 113 minutos. Roteiro: Rita Buzzar, baseado no romance de Chico Buarque. Fotografia: Lula Carvalho. Direção: Walter Carvalho. Elenco:Leonardo Medeiros, Gabriela Hámori, Giovanna Antonelli,Antonie Kamenling.

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Tem a ver

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Muitos filmes merecem ser vistos pelo tema e pela abordagem que seus diretores muitas vezes, desconhecidos, lhes dão. A coluna, que às sextas-feiras, veicula análise de um filme em cartaz, traz breves comentários de um ou mais deles, para que o leitor possa assisti-los em reprises, mostra dos melhores do ano ou em DVD. É uma forma de não deixá-los à margem da discussão como o que comentamos abaixo, que mostra seu diretor usa o corpo humano para narrar a vingança de uma escritora. Tem o objetivo de traduzir para a escrita os códigos usados no Japão Medieval para preservar a história do povo nipônico.
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“O Livro de Cabeceira” (“The Pillow Book”). Drama. Inglaterra/Japão/Hong Kong. Fotografia: Sacha Vierny. Roteiro/Direção: Peter Greenaway. Elenco: Vivian Wu, Ken Ogata, Ewan McGregor, Yoshi Oida.
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O menos complicado filme do artista multimídia britânico, Peter Greenaway, é um estudo das implicações da escrita sobre o ser humano. Usando os mais diferentes recursos narrativos, inclusive divisão da tela, janela, flashbacks em preto e branco sobre tela colorida ou viceversa, misturando tempos e espaços, tem uma trama aparentemente intricada, mas se o espectador prestar atenção verá que se trata de um filme linear. A ação começa quando Najiko Kiyohara (Vivian Wu), herdeira da tradição de se escrever narrativa na pele humana, começa a construir seu “Livro de Cabeceira”. Diário de seus amores e descobertas, viagens e pesquisas sobre a escrita e o idioma inglês, ele acaba levando-a a vingança contra o algoz de seu pai. A diferença aqui está na forma usada por Greenaway de reverter códigos narrativos, usar recursos multimídia, para transformar seu filme numa instalação menos metafórica.
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Como ocorre em seus filmes (“A Barriga do Arquiteto”, “Afogando em Números”, “O cozinheiro, o ladrão, sua mulher e o amante”) há símbolos, metáforas, inversão de estrutura narrativa, e eficiente uso da cor. Mas em “O Livro de Cabeceira”, Greenaway está contido, trabalhando seus códigos narrativos sem dispersão, obscuridade e menos interesse em chocar. Há, enfim, uma história, a da vingança, usando corpo humano masculino para ditar o ritmo e conteúdo da trama. E um desfecho que nada ficar a dever aos filmes orientais atuais – o filme é de 1996. Um filme para se ver que existem outras formas narrativas, que ao serem usadas com eficiência, apontam novos caminhos. Aliás, frequentes nos filmes de Greenaway.  

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