Um clássico brasileiro, um clássico universal
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Berta Brás
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O sentimento de fragilidade que de repente nos envolve, nos desaires de uma política de aventureirismo e ausência de escrúpulos que envergonham quem - e seremos a maioria – sempre se pautou pela confiança na estabilidade ao nível das instituições, e nos poderes organizados para proteger os cidadãos – antes da viragem que trouxe o caos – levou-me a atentar numa personalidade curiosa – a do Sr. Casimiro Rodrigues – que, indiferente a comentários, com a força real da pessoa honrada e amante da sua Pátria, decidiu criar um espaço que servisse para fazer transparecer opiniões silenciadas, mau grado a democracia, ou liberalizar opiniões mais ou menos contundentes contra a impertinência das políticas do individualismo e da injustiça que são as que temos.
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Apesar do risco dos ataques maliciosos ou menos educados daqueles que não sabendo mais que debitar as patranhas de um pseudo-saber feito dos chavões de uma falsa humanidade, ou apenas ocos e grosseiros, Casimiro Rodrigues, a todos acolhe, a todos responde, a todos pretende, singelamente, orientar, na calma da sua sinceridade, no destemor da sua frontalidade.
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Lembrei-me de um texto que em tempos escrevi, sobre uma obra do seu Brasil, como um Padre-Nosso que se reza em momentos de “vidas severinas”, para lho dedicar, e ao seu Jornal, com toda a simpatia:
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“Vida e Morte Severina”
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«A leitura de um poema narrativo em vários quadros, de João Cabral de Melo e Neto - “Vida e Morte Severina” - mostrou-nos como a simplicidade, clareza, simbolismo, riqueza linguística, não isenta de vocabulário popular e terminologia específica de costumes, objectos e natureza do nordeste brasileiro, podem ser sinónimos de dimensão clássica, pela denúncia, neles contida, de sofrimento, agressão, e exploração de um povo sacrificado numa terra agreste, onde se morre “de velhice antes dos trinta / de emboscada antes dos vinte, / de fome um pouco por dia / (de fraqueza e de doença / é que a morte severina / ataca em qualquer idade, / e até gente não nascida)” e cuja única saída é “a de saltar, numa noite, / fora da ponte e da vida”, depois de ter chegado ao fim da sua viagem, pelas margens do rio “Capibaribe”, o melhor guia na busca do Recife, mas ele próprio, por vezes imprestável com a seca, confundindo-se com a paisagem árida.
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Poema narrativo, particularizando uma situação específica de um povo, representado por um “Severino da Maria”, nome comum a muitos mais, ele é igualmente símbolo da vida humana, no sentido do absurdo representado pela luta sem esperança, ante o irreparável da morte, mas deixando também uma mensagem de confiança com o milagre do nascimento de mais uma vida, ainda que ela venha a ser “uma vida severina”.
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As influências mal se sentem no texto, ou apresentam um pendor singelo e até popular e infantil - a Bíblia (trata-se de um auto de Natal pernambucano), histórias de fadas e de bruxas (nas cenas dos dons das ciganas e das previsões dos vizinhos, juntamente com as dádivas - da pobreza mas também da alegria solidária, quais pastores de Belém - à criança que nasceu), mas, sobretudo os jeitos, as falas e os costumes mais ou menos grotescos dos participantes populares, ao longo da viagem, e os dizeres conceituosos por vezes de uma brutalidade que remete para o negativismo do conceito.
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E tudo isso num ritmo fácil de redondilha que nos lembra “O Fidalgo Aprendiz”, de D. Francisco Manuel de Melo, na auto-apresentação inicial do criado Afonso Mendes: “Sou velho, já fui mancebo / cousa que, mal que lhe pês / virá por vossas mercês; / nasci no Lagar do Sebo / faz hoje setenta e três”. Compare-se com a auto-apresentação de Severino: “O meu nome é Severino, / não tenho outro de pia. / Como há muitos Severinos, / que é santo de romaria, / deram então de me chamar / Severino da Maria: / como há muitos Severinos / com mães chamadas Maria, / fiquei sendo o da Maria / do finado Zacarias. / Mas isso ainda diz pouco: ...”
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Mas, mau grado a facilidade do ritmo poético e da linguagem aparentemente também singela, a peça vale por si, na simplicidade dos seus utensílios, sem artifícios nem rebuscamentos, e todavia uma obra-prima de extraordinária dimensão humana e universalidade de conceito.»
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