Discurso de Lula da Silva (excerto)

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domingo, 17 de maio de 2009

No centenário do nascimento de Bento Gonçalves

Bento Gonçalves
nasceu há 100 anos

• J. M. Costa Feijão

Há 100 anos
Bento Gonçalves

Bento Gonçalves nasceu há cem anos. Recordemos hoje a vida do dirigente comunista, secretário-geral do PCP, que morreu no Tarrafal para onde foi deportado pelo fascismo. Um artigo de J. M. Costa Feijão.


Poucos dirigentes políticos legaram à posteridade um tão peculiar texto autobiográfico:

«Chamo-me Bento António Gonçalves, nasci em 2 de Março de 1902, sou natural de Trás-Montes, filho de Francisco Gonçalves, camponês, e Germana Alves (falecida). Comecei a trabalhar aos 13 anos de idade, após conclusão da minha instrução primária, como torneiro de madeiras. Aos 16 anos de idade mudei para torneiro mecânico, profissão que ainda conservo. Desde 1919 até Agosto de 1933, trabalhei no Arsenal de Marinha, como operário do quadro (oficinas de máquinas). Frequentei a escola industrial Afonso Domingues (Xabregas, Lisboa) e tenho o curso elementar de pilotagem.

«No Arsenal de Marinha fui alvo de vários convites para ascender a uma situação superior á de operário o que jamais aceitei. Recordo a propósito o convite que me foi feito, em 1920, pelo então engenheiro dirigente da oficina de máquinas, Sr. Antero da Silva Borges, tendo em vista a minha passagem para a sala de desenho acompanhado da preparação técnica, simultaneamente, no objectivo de mais tarde substituir um agente técnico inglês, que nesse tempo dirigia a mesma sala de desenho; recordo entre outros convites semelhantes, um que foi feito entre Março e Agosto de 1933, para eu ascender a operário-chefe da oficina de máquinas.

«A aplicação profissional foi sempre um princípio que norteou a minha vida de operário metalúrgico. E dos meus conhecimentos profissionais jamais fiz exclusivo pessoal.(*)»

Este percurso operário constitui, o bilhete de identidade de Bento Gonçalves, na contestação à Secretaria do Tribunal Militar Especial, elaborada no cárcere da Fortaleza de Angra do Heroísmo, em Fevereiro de 1936. - Neste excerto está patente a consciência e brio profissional do operário metalúrgico; a sua iniludível tenacidade e o esforço de promoção pela via do estudo; a noção precisa da importância da partilha de conhecimentos adquiridos com os outros e a repetida recusa de benesses a troco do sucesso individual.

Foram estas as qualidades, foram estes os «pergaminhos» que lhe granjearam o respeito e o prestígio entre os seus camaradas de trabalho e o levaram a Secretário - Geral do Sindicato do Pessoal do Arsenal de Marinha, em 1927.

Atento, e munido de um acerado espírito analítico, Bento Gonçalves ensaiava os primeiros passos como dirigente sindical, cônscio das dificuldades internas e externas que o movimento operário e sindical experimentava na época.

Quadro emergente da classe operária, com profundas raízes no seu seio, desde os alvores de uma adolescência vivida como aprendiz de torneiro, Bento colhera dados e analisara a situação da organização sindical que, desde 1924, entrara em acelerada desagregação estrutural e ideológica.

Avolumavam-se os cepticismos quanto à finalidade da luta, as hesitações minavam o vigor do protesto operário e instalara-se o desânimo face às dificuldades objectivas, agudizadas pelo 28 de Maio de 1926 e com 7 de Fevereiro de 1927. Enquanto a coesão da Confederação Patronal conseguia reduzir os custos de produção cortando gastos na força de trabalho, a predominante dispersão dos trabalhadores em múltiplos sindicatos, obedecendo aos princípios corporativos de agregação dos assalariados por profissão, impedia-os ou remotamente lhes possibilitava o sucesso, mesmo que parcial, nas lutas reivindicativas pela redução do desemprego, pela generalização das 8 horas de trabalho ou pela conquista de um salário mínimo.

Por outro lado, os vícios e perversões comportamentais que, aqui e acolá, afloravam no carreirismo corporativo e sindicalista, não só contribuíam para a desmobilização dos trabalhadores como alimentavam um espírito de renúncia à luta que Bento Gonçalves criticava:

«Alguns indivíduos observaram a possibilidade de se anichar, deram-se ao trabalho imediato de fazer dos sindicatos verdadeiros espantalhos que no fundo nada realizam, a não ser o enfraquecimento da própria organização operária, visto que não têm outra função que não seja a de assegurar uma situação cómoda a tais ou tais militantes, que logo que se acham emancipados da massa se tornam por via de regra reformistas»(**)

Homem sem partido, Bento viria a filiar-se no PCP em 20 de Setembro de 1928, tendo sido decisivo para tal opção a sua deslocação à URSS, integrando uma delegação operária portuguesa às comemorações do 10.º aniversário da Revolução de Outubro. Mas... se a crise grassava há muito no movimento sindical, o PCP não conhecia melhores dias, afundando-se no marasmo, sem trabalho revolucionário de massas, onde se ia alimentando a tese segundo a qual nas condições da ditadura militar era impossível fazer a luta de classes.

Na comunicação social da classe dominante sucediam-se as manipulações do conteúdo da teoria marxista-leninista. Os cânticos da sereia reformista, com letras concebidas para desarmar o movimento operário e democrático, tentavam privar os trabalhadores das suas perspectivas e duma direcção política próprias, para conduzi-los ao aventureirismo anarco-sindicalista ou à renuncia a uma concepção revolucionária do mundo, renovando o ideal utopista e abstracto do "homem integral". Em suma, e como Lenin advertira, a burguesia semeava a ilusão de que é possível obter o progresso social sem a luta de classes e sem a revolução socialista.

Urgia pôr termo a tão grave situação, sendo imperioso retomar a iniciativa e guiar as massas trabalhadoras para os novos desafios colocados pelo avanço fascista. E, inconformados com a inactividade do trabalho político, com a ausência de palavras de ordem do Comité Central (reduzido a dois membros, sobrevivos à vaga de prisões e deportações), confrontados com um efectivo vazio de poder partidário, os operários da célula do Arsenal de Marinha tomaram a iniciativa de mobilizar as escassos dezenas de filiados que tinham escapado à fúria repressiva, para uma reunião em 21 de Abril de 1929.

Essa data perdura na História do PCP como um dos momentos charneira na luta dos comunistas portugueses. Aí se votou a moção que propunha a constituição de uma Comissão destinada a reorganizar os efectivos que restavam e a dar novo rumo ao projecto político do Partido.

Na primeira reunião da Comissão Central Provisória, ocorrida em fins de Abril de 1929, Bento Gonçalves foi eleito Secretário – Geral do PCP, sob o pseudónimo de Gabriel Baptista, "nome" que igualmente figura na autoria dos seus artigos em O Proletário desde Maio de 1929.

Cedo se manifestam, de forma bem precisa, as preocupações e as principais linhas de intervenção do PCP como "Partido de Novo Tipo", e logo em Maio de 1929 é editado o n.º 1 do Boletim mensal, teórico e informativo da C.C.E provisória do P.C.P. (Secção Portuguesa da I.C.), onde se alinham no sumário as grandes orientações do novo organismo de direcção dos comunistas em matéria de agitação e propaganda e de disciplina, como base da organização.

Num primeiro propósito afirma-se:

«Ao contrário do que em Portugal se tem feito, esta C.C.E. pretende alargar as fileiras do P., reforçando-as quer sob o ponto de vista de qualidade quer de quantidade, de modo a assumir a direcção de todas as lutas económicas e políticas do nosso proletariado. Nesse sentido, impõe-se a criação de células, núcleos sindicais no seio dos nossos organismos de classe e cursos de marxismo-leninismo» (***).

E, sendo reconhecida a disciplina como factor indispensável ao sucesso duma organização eficaz e combativa, apresenta-se de forma pedagógica o princípio do centralismo democrático:

«(...) A submissão rigorosa às resoluções da maioria não diminui a nossa personalidade.

«Dentro das discussões, no estudo de qualquer questão, temos o direito absoluto de apresentar o nosso ponto de vista e defender as nossas concepções até ao último momento. E não receamos o veredictum da maioria, se os nossos conceitos encerram a verdadeira dialéctica das questões objectivas e subjectivas.

«A disciplina não atrofia as actividades pessoais, estimula-nos, até pelo contrário, a um trabalho constante, a uma observação profunda das questões proletárias. Sem disciplina não pode haver trabalho colectivo, sem esse trabalho colectivo não há comunismo.

«O trabalho de um comunista é um trabalho de formiga que auxilia a sua companheira a levar para o celeiro a espiga de trigo demasiadamente grande e pesada para si só. Um comunista sem ter uma larga concepção da disciplina não pode dizer-se um bom comunista.

Infringir a disciplina do Partido é renunciar à luta e entregar a sua classe ao inimigo comum, a burguesia.

«É absolutamente necessário que se respeitem as resoluções não só da maioria como também as dos organismos superiores.

«Se ficarmos em minoria em determinada resolução, devemos não só conformarmo-nos como ainda cumprir quaisquer atribuições que nos sejam dadas: só assim daremos provas de verdadeiros marxistas-leninistas.» (****)

Ao evocarmos Bento Gonçalves, no centenário do seu nascimento, não recuperamos apenas a vida do dirigente comunista como a sua linha de pensamento e acção que permitiram alicerçar o PCP na classe operária e no marxismo-leninismo, partido que não confina a sua intervenção, nem privilegia a efémera luta institucional como objectivo político central do seu programa.

Tal como ele, os que lhe sucederam e que comungam de iguais princípios, não lutam apenas contra a repartição da riqueza no quadro da produção capitalista, mas fazem-no, tendo em conta a supressão da própria produção capitalista.

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NOTAS:

(*) Contestação de Bento Gonçalves à Secretaria do Tribunal Militar Especial – O Militante, Ano 38, série 3, n.º 169 (Fev. 1971), pp 1-5

(**) Relatório da Comissão Provisória do PCP, 30 de Junho de 1929.

(***) A disciplina como base da organização comunista - Páginas Vermelhas, Boletim mensal, teórico e informativo da C.C.E provisória do PCP (Secção Portuguesa da IC, Ano 1, n.º 1, Maio, 1929

(****) Idem

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Biografia

Gonçalves, Bento - Bento António Gonçalves (torneiro mecânico) :
Pseudónimo - Gabriel Baptista (no PCP e em O Proletário 1929/30 ).
Pseudónimo - Albino ou João Albino (no PCP e na IC 1933/35).

1902-03-02
- Nasce em Santo André de Fiães do Rio - Montalegre.

1915
- Aprendiz de torneiro de madeira numa oficina do bairro da Sé - Lisboa.

1919-10-29
- Aprendiz de torneiro mecânico no Arsenal da Marinha.

1920-1922
- Estudante nocturno na Escola Industrial Afonso Domingues, em Lisboa.

1922-06-16
- Inicia o serviço militar obrigatório.

1923
- Frequenta o Curso Elementar de Pilotagem, na Escola Auxiliar da Marinha.

1923-01-15
- Apresenta-se na Escola de Condutores Militares de Automóveis.

1924-01-01
- Transferido para o Depósito Militar Colonial.

1924-01-14
- Embarca rumo a Angola.

1924-01-30
- Desembarca em Luanda.

1924-01/1926-03
- Torneiro mecânico nas Oficinas Gerais do Caminho de Ferro de Luanda e activista no movimento sindical da colónia de Angola, tenta organizar o «Sindicato dos Operários de Luanda»

1926-03-25
- Regressa a Lisboa.

1927
- Membro do Conselho Técnico Sindical do SPAM - Sindicato do Pessoal do Arsenal da Marinha.

1927-11
- Membro da delegação operária e sindical portuguesa às comemorações do 10.º Aniversário da Revolução de Outubro, em Moscovo.

1928
- Eleito Secretário - Geral da Comissão Administrativa do SPAM - Sindicato do Pessoal do Arsenal da Marinha.

1928-03
- Membro da delegação sindical portuguesa ao IV Congresso da ISV - Internacional Sindical Vermelha, que reuniu em Moscou, de 17 de Março a 3 de Abril de 1928.

1928-04
- Editor e redactor principal de O Eco do Arsenal desde o n.º 125.

1928-09-20
- Filia-se no PCP, passando a integrar a célula do Arsenal da Marinha.

1929-04-21
- Participa na Conferência de Reorganização do PCP.
- Eleito para a Comissão Central Provisória do PCP.
- Eleito Secretário-Geral do PCP, na primeira reunião da Comissão Central Provisória (fins de Abril de 1929).

1929-06
- Inicia o trabalho de reorganização das Juventudes Comunistas.

1930-09-29
- Preso pela Polícia de Informações, no Arsenal da Marinha.

1930-10-08
- Transferido do Forte de São Julião da Barra para o Cais de Santos, embarca, como deportado, no navio Lima, rumo à ilha do Pico - Açores, onde lhe é fixada a residência nas Lajes do Pico.

1931-02
- Transferido para Cabo Verde.

1933-02
- Regressa ao Arsenal da Marinha.

1933-08-09
- Passa à clandestinidade.

1933-10/1933-12
- Encontra-se em Madrid, estabelecendo contactos com a IC e o PCE.

1934
- Como membro do Secretariado do PCP, o Secretário-Geral controla directamente o Comité Regional de Lisboa e o Comité Regional do Sado.

1935-07-25/1935-08-21
- Lidera a delegação do PCP e intervém no VII Congresso da IC.

1935-11-11
- Preso pela PVDE, em Lisboa.

1935-12-20
- Transferido para o Aljube.

1936-01-08
- Deportado para Angra do Heroísmo, na ilha Terceira - Açores.

1936-01-13
- Internado na Fortaleza de São João Baptista, em Angra do Heroísmo.

1936-08-03
- Julgado no Tribunal Militar Especial.

1936-10-23
- Em Angra do Heroísmo, embarca no navio Luanda, transferido como deportado para a colónia de Cabo Verde.

1936-10-29
- Desembarca na Achada Grande do Tarrafal (ilha de Santiago - Cabo Verde), sendo internado na Colónia Penal do Tarrafal - Campo da Morte Lenta.

1939-01-11-1939-01-16
- Cumpre castigo na frigideira.

1942-09-11
- Morre no Campo do Tarrafal, vitimado por uma biliose.

«Avante!» Nº 1475 - 7.Março.2002



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«Avante!» Nº 1327 - Monumento a Bento Gonçalves

6 Mai 1999 ... A memória de Bento Gonçalves fica perpetuada, desde o passado dia 25 de Abril, na sua terra natal, Fiães do Rio, concelho de Montalegre, ...
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