Discurso de Lula da Silva (excerto)

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quarta-feira, 6 de maio de 2009

Kil Abreu: Augusto Boal, o filho do padeiro e a revolução



Em uma época na qual a arte se identifica e se organiza em tendências de temporada, será cada vez mais raro encontrar um artista cuja tendência radical na direção da justiça é obra de uma vida inteira. Augusto Boal construiu uma carreira pontuada muitas vezes por lances decisivos, não apenas pessoalmente, mas para a história do teatro brasileiro. Por meio de sua obra, o andar de baixo finalmente vem à luz e personagens como operários, cangaceiros e jogadores de times de várzea ganham o palco.
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Kil Abreu *
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Filho de um padeiro português que chegou ao Rio de Janeiro por se recusar a servir como soldado em uma guerra com a qual não concordava e de uma certa senhora que abandonara o primeiro noivo praticamente no altar para casar, por decisão e gosto, com um “aventureiro”, Augusto Boal aprendeu desde logo que o mundo pode ser mudado, bastando para isso decisão e coragem. Toda a sua invenção no teatro parece se basear nesta fé sobre o efeito da ação do homem no mundo, que não é apenas um lance retórico, como no teatro burguês, e deve ser encontrada nos motivos da vida ordinária.
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Foi assim que ele construiu uma carreira pontuada muitas vezes por lances decisivos, não apenas pessoalmente, mas para a história do teatro brasileiro. Convidado ao então promissor Teatro de Arena, em 1956, empresta ao grupo os conhecimentos aprendidos, de encenação e dramaturgia, em uma recente temporada nos Estados Unidos.

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Principal ideólogo nos caminhos de uma cena preocupada em com as contradições da sociedade, é Boal quem intui que um teatro novo, com assuntos ainda não levados ao palco, pede também uma cena nova, com dramaturgia própria e um repertório técnico e artístico que dê conta de suportar a representação da realidade em chave crítica. Introduz o método de Stanislávski, que havia estudado no Actor's Studio, com vistas ao naturalismo que seria de grande valia para a primeira fase de renovação da cena que o Arena promoveria.

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O andar de baixo finalmente vem à luz e personagens como operários, cangaceiros e jogadores de times de várzea ganham o palco. Era a hora da representação dos temas nacionais, quando dirigiu, entre outros, Chapetuba Futebol Clube, de Oduvaldo Viana Filho (1959), espetáculo que dá seguimento a Eles não usam Black-tie, peça de Guarnieri (1958) dirigida por José Renato.
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Ainda em 1960, de mãos dadas com os ensinamentos vindos de Brecht e o seu teatro épico, Boal escreve Revolução na América do Sul , uma mistura de teatro de agitação, tradições populares e revista musical. O espetáculo tem direção de José Renato e afirma com grande inventividade as marcas que pautariam toda a sua produção posterior: de um lado, o espírito criativo iconoclasta, experimental e, de outro, a certeza de que a experiência estética não é mero formalismo, é meio para a discussão urgente de algum aspecto da vida em sociedade.
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O período que vai de 64 a 71, contabilizada a grande sede de justiça social provocada pelo golpe, é o período da resistência que inclui ações em várias frentes: alinhado ao CPC (Centro popular de Cultura) da UNE, já na ilegalidade, Boal dirige, no Rio, o Show Opinião, com Zé Ketti, João do Vale e Nara Leão. Em São Paulo cria, com Guarnieri e Edu Lobo, o musical Arena Conta Zumbi, cuja estrutura modelar seria aproveitada em outras montagens (Arena conta Bahia, Arena conta Tiradentes, Arena conta Bolívar).

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O propósito é evidente: fazer, através de personagens históricos ligados às lutas populares, o cotejamento com a realidade atual do país, apontando a necessidade de mobilização e de mudança. Mas não é só. Para que o efeito crítico seja efetivo os espetáculos trazem, entre outras inovações, o “sistema coringa”, uma técnica através da qual todos os atores interpretam todos os personagens e a fábula é conduzida por um narrador, que à maneira brechtiana faz a mediação crítica e chama a platéia a acompanhar as cenas à luz da razão.
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É ao fim deste duro período, quando finalmente será exilado depois de passar por tortura e de ver suas montagens censuradas, que está o nascedouro da experiência que consagraria Boal como um dos artistas brasileiros mais importantes do mundo. É quando surgem os princípios que vão orientar as técnicas que mais adiante serão aplicadas ao seu Teatro do Oprimido. É criado o Núcleo Independente, oriundo do Arena, que teria ação importante na periferia de São Paulo nos anos 70.

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O primeiro espetáculo chama-se Teatro Jornal 1a. edição e inspira-se no trabalho de um grupo de agit-prop americano dos anos 30, o Living Newspaper. O procedimento fundamental está próximo do que mais tarde seria o Teatro Fórum: os atores lêem as notícias do dia e criam situações cênicas para debater pontos de vista e lançar novos olhares sobre o noticiado.
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Expulso do seu país, Boal prossegue com seu trabalho no exterior, primeiro na Argentina, onde desenvolve a estrutura teórica dos procedimentos do Teatro do Oprimido (TO). É quando passa a sistematizar e a praticar uma revolução verdadeira. Simples como o são as coisas necessárias e urgentes, o Teatro do Oprimido tem como palco qualquer lugar onde um grupo de cidadãos possa se reunir e tem como fiinalidade dar voz, através da representação simbólica do mundo, aos que em geral permanecem calados.

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Com uma técnica engenhosa, que leva aquele que seria o espectador do teatro burguês ao lugar de atuante no curso dos acontecimentos, é uma forma teatral que desmistifica a coisa estética para ver a beleza no exercício de autonomia do sujeito, quando este é chamado a intervir no andamento da ação e a dar sentido político à sua própria existência.

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Recentemente o Teatro Legislativo, gênero derivado do TO e surgido durante o mandato de Boal como vereador no Rio de Janeiro, foi responsável pela criação de treze Leis municipais, todas nascidas da discussão comunitária, em encontros nos quais a população apresentou, através do teatro, as suas demandas.
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Nomeado pela Unesco Embaixador Mundial do Teatro em março deste ano, Boal deixa seus livros traduzidos em vinte idiomas e centros de teatro do oprimido espalhados por mais de setenta países.
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Nesta semana de homenagens póstumas não será demais lembrar uma fala, na apresentação da sua autobiografia, em que ele dizia que a idéia de se autobiografar é algo quase imoral, pois que o importante é a obra, não o homem. Mas o fato é que seu gênio artístico fará falta, sim, e tende a parecer cada vez mais uma anomalia, um idealismo ingênuo – como, aliás, está tratado já subliminarmente, nas falas de despedida, pela grande mídia e por vários dos seus companheiros de jornada, hoje rendidos ao mercado do entretenimento. Em uma época na qual a arte se identifica e se organiza em tendências de temporada, será cada vez mais raro encontrar um artista cuja tendência radical na direção da justiça é obra de uma vida inteira.
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* Kil Abreu é jornalista, crítico e pesquisador do teatro. É curador do Festival Recife do Teatro nacional e coordena o Núcleo de Estudos do teatro contemporâneo da Escola Livre de Santo André.
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in Vermelho - 5 DE MAIO DE 2009 - 18h01



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ver também
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Teatro do oprimido - Wikipédia, a enciclopédia livre

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