9 DE MAIO DE 2009 - 21h34
Marx, teorias das crises capitalistas e a posição dos comunistas (conclusão)
por Sérgio Barroso*
Buscando uma conclusão da série, primeiro recompõem-se aspectos centrais da teoria da dinâmica e das crises do capitalismo de Marx (em crítica direta à idéia-ficção da crise atual causada pela “paralisação da venda de mercadorias”, ou pelo “subconsumo das massas”); segundo, reiterando as características das crises do atual padrão financeirizado de acumulação capitalista (e definindo como pré-capitalista a “tese” da “suposta financeirização” ou da crise provocada por esse padrão ser “unilateral”); terceiro, defendendo a necessidade de reforço e ampliação das mediações táticas, no enfrentamento à grande crise atual do capitalismo (e em crítica às concepções do estrategismo como “atalho” à saída).
Como veremos, questões que, por fundamentos gnosiológicos, não podem ser desconectadas da tática e da estratégia revolucionária, motivadas por outras mudanças fundamentais no quadro geopolítico mundial.
O dogmatismo ainda é erva daninha no movimento comunista
Os disfarces do dogmatismo [2] são perceptivelmente risíveis. Os mesmos que (entre nós e alhures) alcunham-se “ortodoxos” e repetem que a financeirização capitalista global é “suposta”; que insistem em que a débâcle da globalização neoliberal não teve como nítida expressão uma forma financeira das crises do regime do capital, esses, não só desconhecem o vetor resultante da verdadeira inundação planetária do capital financeiro (seja o portador de juros, seja o fictício), como fenômeno absolutamente real dos últimos 30 anos - e inédito desde a constituição do modo de produção capitalista. Revelam também solene desprezo à imensa legião de pesquisadores que se esforçam sistematicamente para o desvendamento das singularidades do desenvolvimento capitalista contemporâneo – e as maneiras e meios de enfrentá-los. Por exemplo, neste esforço escreveu dias atrás o economista cubano Oswaldo Martínez:
“A partir do verão de 2008 a crise econômica capitalista avançou com rapidez desde uma crise setorial de valores imobiliários nos Estados Unidos, que adveio pouco depois da crise financeira nesse país, para estender-se de imediato a todo o mercado financeiro globalizado e por último, revelar-se como a crise econômica global que hoje envolve a economia real e faz sentir seus efeitos à escala mundial”. [3]
Aliás - capítulo à parte -, sabe-se lá se por coincidência, no plano da análise da complexa situação internacional, são costumeiros seus hábitos em excluir qualquer referência ao caráter socialista (socialismo de mercado) do regime da República Popular da China. Já a marcha objetiva da multipolaridade geopolítica mundial - e sua importância crucial para a reposição de tendências revolucionárias mais profundas nas lutas dos povos – aparece assim esmaecida para esses teóricos: “não significa necessariamente que esteja em curso uma transformação democrática das relações internacionais”. Ora, onde ocorreu, algum dia, em algum lugar, quem está imaginando transições geopolíticas baseadas em declínio de impérios, como se fossem sinônimas de convescotes acompanhados de chá?
Francamente: trata-se de um renitente dogmatismo: a) a experiência épica da grande revolução chinesa teria que ser àquela que se enquadrasse perfeitamente em rígidos esquemas mentais, num regresso ao apriorismo kantiano e religioso: socialismo quase “puro”, de preferência sem desigualdades sociais e regionais tout court! b) jogam-se no lixo as lições estratégicas e militares do acervo leninista, que recomenda a exploração das contradições no processo de acumulação de forças e no estabelecimento de alianças com setores “inconsistentes, vacilantes” – caso explícito das brechas da transição geopolítica atual.
Nas definitivas palavras de Lênin:
“Fazer guerra para derrotar a burguesia internacional, uma guerra cem vezes mais difícil, prolongada e complexa que a mais encarniçada das guerras comuns entre Estados, e renunciar de antemão a qualquer manobra, a explorar os antagonismos de interesses (mesmo apenas temporários), que dividem nossos inimigos, renunciar a acordos e compromissos com possíveis aliados (ainda que provisórios, inconsistentes, vacilantes, condicionados), não é, por acaso, qualquer coisa de extremamente ridículo?” [4].
Ademais, é óbvio que a marcha da multipolaridade geopolítica – similarmente à grande estratégia chinesa de desenvolvimento - possibilita o recurso da utilização “das reservas estratégicas” para a luta revolucionária. Como ensinou, com brilho, J. Stálin, as reservas da revolução podem ser indiretas, como as:
“(...) contradições, conflitos e guerras (por exemplo, a guerra imperialista) entre Estados burgueses hostis ao Estado proletário, que o proletariado pode utilizar em sua defesa ou manobrar; caso se veja obrigado a bater-se em retirada”. [5]
Mas, sem mais arrodeios, voltemos então ao nosso tema central.
Crise por “subconsumismo”: violação dogmática da teoria de Marx
No rastro da grande crise dos dias que correm, os teóricos aludidos voltaram a ressuscitar a tese de ser a crise atual gerada por “subconsumo das massas”; e por “superprodução de mercadorias”. De saída, o não-consumo dos chamados bens salários seriam os responsáveis pelas crises de superprodução. Vejamos mais uma vez sobre o assunto, de inegável importância, e questão representativa de uma visão deveras falseada da essência da dinâmica do regime do capital, conforme pesquisas de conjunto da obra marxiana (e marxista).
Na interpretação de Marx: a) capital (máquinas, equipamentos, instalações, matérias-primas, ativos financeiros) é valorização do valor que se expande; b) expande-se a mais-valia a partir da extração do excedente do trabalhador assalariado, subtraindo o valor do tempo de trabalho socialmente necessário, vis-à-vis ao pagamento para reprodução de seus meios de subsistência, da jornada de trabalho produtora de mais-valor; c) a concorrência intercapitalista impõe a ampliação das escalas de produção e o aumento da produtividade social do trabalho; d) para tal, tendência inexorável do capital é aumentar investimentos no capital constante (C), o que representa inovação tecnológica em bens de produção (bens de capital), em detrimento (ou no descarte) da força de trabalho e seus salários (v); e) na lei geral da acumulação capitalista, as duas alavancas decisivas são a concentração (e centralização) de capitais e o moderno sistema de crédito; f) a concorrência, o crédito, a concentração-centralização de capitais implicam nos fenômenos estruturais de superacumulação e superprodução de capitais; g) a superprodução de capital não indica em outra coisa senão superacumulação de capital, enquanto que o subconsumo assalariado representa o dado de que se parte previamente.
A esse respeito, observe-se então como Lênin prossegue aclarando o caráter da aludida contradição da epígrafe (entre a tendência a ampliação ilimitada da produção e a necessidade de um consumo limitado (a consequência da situação proletária das massas do povo):
“Sem embargo, o capitalismo leva sempre implícita, de uma parte, a tendência a ampliação ilimitada do consumo produtivo, a ampliação ilimitada da acumulação e da produção e, de outra parte, a tendência à proletarização das massas do povo, que traz limites bastantes estreitos à ampliação do consumo individual” (idem, 1974, p. 211-12).
Ou seja, as crises do capitalismo se expressam em superprodução de capital e também (numa distante essencialidade), de mercadorias; superprodução que, para ser assim designadas, envolve os vários ramos da economia e jamais serão deflagradas “por subconsumo das massas”. Regime do capital onde nunca existiu “estagnação” enquanto “modo de ser”, o que deveria ocorrer em função do “subconsumo das massas”, na era dos monopólios, como imaginaram P. Baran e P. Sweezy (ver: “O capitalismo monopolista”, 1969).
Como bem explica J. Gorender, em sua conhecida “Apresentação” a “O Capital”, o que acontece mesmo no desenlace do ciclo econômico não é que a crise sucede a uma queda do consumo, bem ao contrário, ela sucede a uma alta de mais acentuado consumo, uma elevação que na é a regra. [6] Quem afirmara antes e enfaticamente: é “por demais incontestável que Marx recusou a ideia de que a crise cíclica se desencadeasse por efeito da insuficiência de demanda solvente (ou demanda efetiva)”
Ainda sobre ao assunto, importa notar que após de escrever o exposto na epígrafe deste artigo, Lênin, em sua obra clássica “O desenvolvimento do capitalismo na Rússia” (1899), referindo-se a variadas passagens – objetivamente passagens que induzem a erros crassos, na medida do não cotejamento delas com o conjunto completo da obra de Marx sobre a temática ciclo-crise -, do texto magno de Marx, enfatiza que:
“Marx se limita a por manifestamente aqui uma contradição do capitalismo assinalada já em outras passagens de O Capital, a saber: a contradição entre a tendência a ampliação ilimitada da produção e a necessidade de um consumo limitado (a consequência da situação proletária das massas do povo)” (Lênin, 1898). [7]
Crise por “subconsumismo”: violação dogmática do Método de Marx
Cumpre notar aqui: Karl Marx levava em absoluta consideração o caráter revolucionário do seu Método, assentando nele boa parte dos êxitos de sua poderosa interpretação teórica. Com efeito, a clara distinção entre investigação e exposição significava exaustiva e a mais completa possível apropriação dos dados da realidade em movimento. Vistas as fontes em sua maior completude possível, a análise se voltava então para as conexões e as formas de desenvolvimento da matéria anatomizada. Só então passar-se-ia à exposição (interpretando) os resultados obtidos.
Voltemos, sob esse prisma, ao nosso ao tema. Hodiernamente, se o “subconsumo as massas” é a razão central das crises desse padrão de acumulação do regime do capital financeirizado, isto significa qu: 1) se o “subconsumo as massas” é a razão central das crises, então quanto maior o crescimento do PIB e do PIB per capita, mais se afastaria a possibilidade das crises no capitalismo dos nossos dias, certo? Totalmente errado: a Suécia sofrerá em 2009 uma recessão grave, com queda de 4,2% no PIB (Produto Interno Bruto), a maior desde o início da Segunda Guerra Mundial; retornará o desemprego em massa ao patamar de 12% até 2011, de acordo com as previsões do governo (Folha On Line, 01/04/2009 - 11h09). Ora, a Suécia sempre foi exibida como exemplo paradisíaco da moderna sociedade burguesa, vangloriando-se de uma renda per capita recentemente calculada em nada menos que US$ 39,6 mil (janeiro/2009). Bem, “subconsumo das massas” suecas como causa da crise? Isto é apenas piada em graça. 2) A Índia, segundo dados oficiais, possui cerca de 700 milhões de pessoas em condições pobreza, e pouco mais de 300 milhões incluídas entre as variadas camadas médias e burguesas. Entre 1991-2008, sua taxa de crescimento foi maior que 6%, alcançando em 2006-7, nada menos que 9,4% de avanço de seu PIB. Por que a Índia, ao invés de ser submetida a crises econômicas de “subconsumo das massas”, dadas especialmente as centenas de milhões de pessoas (cerca de 2/3 de sua população) vivendo em condição de pobreza crônica, cresce vertiginosamente sua economia a taxas tão elevadas? [8]
3) Finalmente, como se pode insinuar que a crise atual, objetivamente gerada a partir da débâcle das hipotecas suprime nos EUA, ou seja, uma crise centrada no capital portador de juros contidos nos título (hipotecas), auxiliada por residências vendidas aos milhões a uma baixíssima taxa de juros - o grande móvel de massas norte-americanas para, a partir das hipotecas, inflar empréstimos para o hiper-consumo (2/3 do PIB dos EUA); movimento esse revertido e “quebrado”, também pela inédita alavancagem do sistema bancário-financeiro, reforçada pela especulação derivativa, quer dizer, pela manipulação de títulos podres e impagáveis de famílias endividadas astronomicamente para consumir, tudo isso originou uma crise nos EUA “de subconsumo das massas?”
Exatamente sobre a questão, num esclarecedor artigo, o professor L. Belluzzo chama a atenção para o fato de o consumo representar mais de 70% da demanda agregada nos Estados Unidos. Conforme ele explica,
“A economia americana, nos últimos 20 anos, foi impulsionada, sobretudo, pelo crescimento sem precedentes do consumo das famílias. Nos últimos três anos e meio essa característica da economia americana exasperou-se: o crescimento do consumo “descolou” [disparou] da evolução da renda, dos salários reais e do emprego. Sua evolução depende cada vez mais do efeito-riqueza, concentrado, nos últimos anos, na valorização dos imóveis residenciais”. [9]
Seguramente, é de Lênin – e do ucraniano Túgan-Baranovski - a ideia moderna de que no capitalismo o que é preponderante é a demanda por meios de produção (bens de capital; e + ativos financeiros, hoje). As crises não são, portanto, deflagrada, criadas, originadas pelo “subconsumo das massas” ou por “superprodução de mercadorias”. As condições de realização da produção capitalista não são determinadas pelo nível de renda dos trabalhadores ou consumo das massas. É o investimento capitalista a variante independente e central na dinâmica capitalista, e por sua vez, é ele quem pode deflagrar a superacumulação e a superprodução - e as crises concretas.
Dogmatismo, bancarrota do padrão capitalista financeirizado e a posição dos comunistas
“Deve-se distinguir bem a crise (...) do tipo especial que se chama também de crise monetária. Estas são crises, cujo movimento se centra no capital monetário e, por isso, bancos, bolsas de valores e finanças são sua esfera imediata” (Marx, “O Capital”, Livro 1). [10]
As grandes depressões de 1873-96 e 19299-33 tiveram determinações e circunstâncias históricas de cenários bastante diferentes da grande crise capitalista irrompida em agosto de 2007. A nova marcha depressiva não se imbrica agora com uma II Revolução Industrial, que impulsionou o sistema à etapa monopolista e reforçou a posição do grande capital industrial e financeiro no alvorecer do século XX. Até a Primeira Grande Guerra Mundial, expressou, em resumo, a expansão da grande empresa industrial e bancária, patrocinadora da voracidade imperialista.
Porém, note-se: depois de um boom no crescimento econômico norte-americano (1921-28), que se desdobrou à Europa, veio a crise de 1929-33 [Galbraith insiste, com razão, que a periodização correta é 1929-39]. Combinou-se o violento crash financeiro em Wall Street à superacumulação e superprodução subjacentes. A propósito, não foi também uma crise gestada pelo “subconsumo das massas” coisíssima nenhuma, muito ao contrário.
Segundo excelente estudo de Frederico Mazzucchelli, a partir de 1922 a economia americana ingressou em um “ciclo de crescimento virtuoso”: entre 1921 e 1929, o PIB (Produto Interno Bruto) cresceu 45% e a produção industrial 88%. Analisando as determinações deste ciclo – diz Mazzucchelli -, ele se sustentou em dois pilares fundamentais: a expansão do crédito; e na articulação efetiva de uma rede de investimentos interindustriais: automobilística, malha rodoviária, petróleo, construção residencial e comercial, bens duráveis domésticos, geração e distribuição de energia elétrica e demais setores associados a estes. [11]. Por demais evidente: superacumulação, superprodução, superespeculação expressando-se num crash financeiro.
Reafirme-se então que não estavam dadas, nem à vista, do ponto de vista sócio-político, as saídas do New Deal (EUA) e do Nazismo (Alemanha). Somente a conflagração bélica mundial forçou a criação de uma nova ordem global, com os EUA assumindo claramente a posição hegemônica no bloco capitalista “ocidental” do planeta. Sabidamente, os EUA imperialistas saíram fortalecidos enquanto potência capitalista, chancelaram a moeda-reserva internacional e iniciaram a corrida armamentista nuclear - aniquilando Hiroshima e Nagasaki.
Não é essa a situação circundante à crise atual. Os EUA são uma superpotência militar, em decadência econômica, social, ideológica e moral, vis-à-vis a contestação interna e externa que sofrem à sua dominação à base de mísseis e ocupação neocolonial genocida; vis-à-vis ainda à bancarrota de seu arsenal ideológico-doutrinário neoliberal: o receituário do comando da alta finança sobre tudo e todos, em visível despedaçamento. O que não quer dizer, por enquanto, o seu enterro – mas já se fabricam os caixões funerários apropriados.
De outra parte, o sistema monetário internacional passou a conviver com o declínio hegemônico do dono da moeda-reserva, o dólar. No entanto, se a moeda sofria desvalorização expressiva há seis anos, na crise global viu crescer nos últimos meses a demanda pelos papéis do governo americano, que continuam a ser vistos pelos investidores como o refúgio mais seguro - ainda que sua a taxa de juros tenha chegado próximo a zero! Segundo informações de abril último do FMI, 64% das reservas internacionais conhecidas estavam denominadas em dólar no fim de 2008. O governo da China (com mais de US$ 2 trilhões em divisas), também preocupado com o risco de que os títulos do Tesouro se desvalorizem (inflação futura, endividamento público gigantesco), apresentou proposta para um sistema monetário internacional mais estável e menos dependente do dólar, baseado nos DES (Direito Especial de Saques. [12]
Em nossas suposições: a) a moeda dos EUA não conseguirá deter a marcha interrompida de sua desvalorização, dada a deterioração geral de sua economia e a longa reconstrução de seu sistema financeiro e bancos, em bancarrota; b) o seu endividamento público, inédito desde a segunda Guerra Mundial, poderá levar o país ao calote; c) nenhuma moeda, de longe, tem condições de substituir o dólar, num horizonte presumível: a tendência – reafirmemos – de médio-longo prazo é um sistema internacional plurimonetário, com o dólar sendo uma das moedas importantes.
Sob outro ângulo, analistas burgueses passaram a falar agora que a crise confluirá para uma “década perdida”, no que tange ao crescimento e ao desenvolvimento econômico, desde o centro do capitalismo, a se espraiar pelo mundo. Isso representaria, além da recessão, estagnação ou depressão global, especialmente no “coração do capital”. Por que ainda não se sabe bem como se soerguerão da tempestade a China e principalmente os chamados BRICs (+ Rússia, Índia e Brasil). Por enquanto, indícios de certa resistência à queda, aí; mas a crise é profunda e se arrastará penosamente. A situação russa, por exemplo, sofreu fulminante degradação econômica conjuntural, com intensa fuga de capitais e esfrangalhamento do rublo; prevê-se acentuada negativação de seu PIB em 2009.
Nesse ambiente, a posição conseqüente dos comunistas deve ser, no caso brasileiro, aquela assinalada por Renato Rabelo, presidente do PCdoB, compreendendo: 1) um movimento “emergencial”: a luta por um “novo pacto político”, que rompa com a herança macroeconômica neoliberal dos governos de Lula, e se volte contra a aliança rentista; em defesa do emprego, dos salários e de investimento e gasto público. Acentue-se que serão dias difíceis, os que nos esperam. Repõe-se o massacre social sobre os trabalhadores, o que aponta ser imperioso a defesa do trabalho, em variadas suas formas de luta, pelos comunistas.
Por outro lado, esse rentismo vem sendo cevado (e metamorfoseado) no Brasil, na verdade, desde as reformas financeiras de Roberto Campos e Octávio Bulhões. Agigantou-se desde F. H. Cardoso, a financeirização através da liberalização financeira quase irrestrita, que veio se estabelecendo até março de 2005. Eis aí o grande desafio a um autêntico Projeto Nacional de Desenvolvimento. Sem absolutamente deixar de reconhecer os importantes avanços em várias áreas, obtidas pelo seu governo, sua coalizão governista e pela luta – ainda limitada - dos trabalhadores.
2) Vai ficando mais claro, aos olhos dos trabalhadores e dos povos submetidos ao regime do capital, que esse sistema é não só obsoleto, como superado historicamente. No plano internacional, as batalhas principais entre a grande burguesia financeira (e em geral) e as massas proletárias, que já acontecem deverão, de um lado configurar o grau de “reformas” que só serão impostas ao capital em longos combates.
Simultaneamente, a ideia de uma crise de civilização da sociedade burguesa vai se encorpando. O que significa maior proximidade nacional das tarefas que entrelaçam o caminho da transição ao socialismo. Pois, resguardando-se sempre as particularidades históricas das nações, vez que a grande crise atual carrega fortes indícios de exasperação/esgotamento mundial desse processo expansivo do capital, “a saída de fundo é o socialismo” – afirma Renato Rabelo.
E noutro enfoque, argumenta Rabelo: “A partir desse pensamento revolucionário atual, achamos que, no mundo de hoje, nos encontramos ainda em uma realidade de defensiva estratégica. (...)
Acho que a atual crise do capitalismo, com sua profundidade e extensão, coloca essa questão, afirmando e dando mais perspectivas à ideia do socialismo. Mas não quer dizer que, automaticamente, o socialismo já entre nesse quadro de correlação de forças em uma posição ofensiva. Não reunimos ainda forças para isso. Na realidade, o nosso desafio, hoje, é acertar qual é o caminho para que possamos chegar a essa situação de transição”. [13]
Vê-se que nada nessas formulações tem a ver com o “estrategismo” substitutivo das manobras táticas, dogmatismo principista que persiste vendo o mundo e a luta de classes sem mediações.
PS: Suspendo a minha colaboração regular com o Vermelho, por compromissos acadêmicos inadiáveis. Agradeço a atenção da Redação e dos leitores amigos, sempre críticos e generosos.
Notas
[1] Em: “O desenvolvimento do capitalismo na Rússia”, Apud Mazzucchelli, F., 2004: 58: “A contradição em processo. O capitalismo e suas crises”, Unicamp, 2004.
[2] Refiro-me particularmente aquele marxismo vulgar sempre a esgrimir – para aparecer sempre à esquerda - a retórica esquerdista. O que, inclusive, mereceu de Eric Hobsbawm uma certa tipologia desse vulgarismo. No excelente “O que os historiadores devem a Karl Marx?”, ele estiliza, a exemplo, o determinismo econômico [que sustenta, lógico, a teoria da estagnação e “del derrumbe do capital”]; a visão dos que nunca foram “muito além da primeira página do Manifesto e da frase ‘a história [escrita] de todas as sociedades até agora existentes é a história das lutas de classes’” [ou seja, tudo se determina e se resume em luta de classes e na contradição capital/trabalho]; a inevitabilidade histórica enquanto leis, eivada da “regularidade rígida e imposta” etc. E ataca esse marxismo “positivista” que tenta “assimilar o estudo das ciências sociais aos das ciências naturais”, ou em forçar predeterminações analíticas que assimilam “o humano ao não-humano” (in: “Sobre história”, Companhia das Letras, 1998).
[3] Ver: “Crisis económica global. ¿Hasta cuándo?, ¿hasta dónde?”, de O. Martínez, in: rebelión.org (29/4/2009).
[4] “Esquerdismo, doença infantil do comunismo”, de V Lênin, pp. 84-85, Anita Garibaldi, 2004.
[5] Ver: “Fundamentos do leninismo”, de J. Stálin, p. 93, Global Editora, s/data. Mais adiante, Stálin exemplifica a questão na “importância gigantesca que teve o fato da guerra de morte travada entre os principais grupos imperialista no período da Revolução de Outubro... imperialistas a guerrear uns contra os outros, não puderam concentrar suas forças no jovem poder soviético... precisamente esta circunstância que permitiu ao proletariado erguer-se inteiramente a organizar suas forças, a consolidar seu poder...” (idem, p. 95).
[6] Ver: Apresentação a “O Capital”, J. Gorender, v. 1., p.LX, Abril Cultural, 1983.
[7] “Observación sobre el problema de la teoria de los mercados”, (Con motivo de La polémica entre los señores Túgán-Baranovski y Bulgakóv”), de V Lênin, in: “Sobre el problema de los mercados”, Escritos económicos (1893-1899), p. 210, Madrid, Siglo veintiuno, 1974.
[8] Acrescente-se: um informe governamental estima que 77% da população trabalhadora da Índia vivem com menos de meio dólar por dia. Ver: “Índia: a economia cresce, a fome também”, Anuradha Mittal, Portal Terra, 01/10/2008.
[9] Ver: “O consumo americano”, de L. Belluzzo, Portal Terra, 10/10/2008
[10] Em: “O Capital” volume I, p. 116, Nota 99 [à terceira edição alemã], Abril Cultural, 1983.
[11] Ver: ''Os passos de um gigante: notas sobre os EUA entre a Primeira Guerra e a Grande Depressão'', de F. Mazzucchelli, in: ''Os anos de chumbo: notas sobre a economia internacional no entre-guerras'', p. 165, 2007, edição eletrônica.
[12] Considere-se a observação recente do estudioso e ex-consultor do FMI Barry Eichengreen (Universidade da Califórnia em Berkeley): “Se quiserem ampliar o uso desse instrumento, alguém terá que subsidiar a formação de um mercado até que ele ganhe profundidade e liquidez”; e a seguir: ''Os governos, ou seja, os acionistas do FMI, teriam que assumir esse custo, o que exigiria muitos anos de trabalho” (dados e declarações em: “Valor Econômico”, 02/04/2009).
[13] Ver: “O caminho para a transição ao socialismo”, de R. Rabelo, texto para o Seminário nacional do PCdoB “Desvendar o Brasil”, São Paulo, 3,4 e 5 de abril 2009, ainda sem a revisão do autor.
*Sérgio Barroso, Médico, doutorando em Economia Social e do Trabalho (Unicamp), membro do Comitê Central do PCdoB.
* Opiniões aqui expressas não refletem, necessariamente, a opinião do site.
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