Discurso de Lula da Silva (excerto)

___diegophc

sexta-feira, 8 de maio de 2009

“O Leitor”: falsa premissa


por Cloves Geraldo*

Diretor britânico, Stephen Daldry, conta história de bilheteira de bonde, que durante a 2ª Guerra Mundial foi supervisora de campo de extermínio de judeus, e do jovem que por ela se apaixona e passa a vida tentando inocentá-la.


É regra nas guerras estabelecer os inimigos, as estratégicas e as táticas para derrotá-los. As máximas de Adolf Hitler, na Segunda Guerra Mundial, incluíram o fator raça para levar adiante sua ânsia de dominar vastos espaços do planeta, sob o domínio, ainda, do Império Inglês. Havia, para isto, uma gama de fatores, dentre eles a visão de que eles, os judeus, controlavam finanças, comércio, ciências, cultura e, no limite, segmentos partidários, nos quais estavam os comunistas. Uma empreitada desta natureza requeria, como se viu depois, um arsenal bélico moderno, um núcleo de propaganda avançada, um complexo militar destemido e uma ânsia de conquista desmesurada, centrados na idéia da pureza de uma raça, a ariana, criada a partir dos escombros da derrota alemã na 1ª Guerra Mundial.


Numa época em que as comunicações se diversificavam, com o rádio, o cinema e a mídia impressa, um projeto dessa grandeza, sem dúvida, mexeu com ânimos, simpatias e resistências nos quatros cantos da Terra, inclusive no Brasil, de Getúlio Vargas. E sem contar que o Partido Nazista montou uma máquina de apelo visual, tendo o cinema, através da produtora estatal UFA, como seu principal esteio, para conquistar, como hoje se diz; corações e mentes.


Como se viu depois houve mais medo, ódio e horror que propriamente atração por uma idéia centrada notadamente na eliminação do inimigo. Tática, sem dúvida usada nas guerras pelos principais impérios, provocando o desaparecimento de vários povos ao longo dos milênios. Mas com a diferencia de que aqui, na Segunda Guerra Mundial, havia a trama macabra do extermínio. Nenhuma novidade, portanto, nesta longa introdução, pois todos estes aspectos já foram estudados à exaustão, através de ensaios, estudos, teses, biografias, romances e filmes que examinaram os estágios psicológicos, sociológicos, políticos, ideológicos e, principalmente, suas implicações industriais e militares. Menos por um aspecto, motivo destas considerações introdutórias; o de que, mesmo diante de um evento de tal magnitude, alguém possa ter ignorado seus desdobramentos meio século depois, por meio da ignorância dos objetivos do Partido Nazista, sob o comando de Adolf Hitler.


Propaganda Nazista usava dados emocionais


O cinema, como o analisaram os suecos Leif Furhammar e Folke Isaksson, em seu hoje clássico: “Cinema e Política” (1), se prestou a inúmeras abordagens no campo da propaganda político-ideológica durante a Segunda Guerra Mundial, nos lados dos aliados e, notadamente, no da Alemanha Nazista. “A propaganda nazista, por exemplo, usava os dados emocionais das histórias de amor com grande consistência e clareza, para sugerir uma hierarquia de valores ligando amor e política. O amor era considerado como fator positivo e as histórias propagandísticas eram estruturadas de modo a subordiná-lo a algo ainda mais elevado – lealdade a Hitler e morte pela pátria (...)” (2). E, nos final dos anos 30 e até 1945, quando terminou a guerra, dividia com o rádio a liderança como veículo de comunicação de massa. Não à toa muitos filmes, em suas aberturas, valem-se dos cinejornais para situar sua história. O que lhes confere veracidade e seriedade no tratamento da ação, ainda que muitas vezes se discorde de suas intenções.


Trata-se, sem dúvida, de um campo minado, ao que não fugiram várias obras que trataram ultimamente deste período, algumas premiadas, como “O Falsário”, de Stefan Ruzowitzky, Oscar de Melhor Filme Estrangeiro 2008, e “O Leitor”, de Stephen Daldry, Oscar de Melhor Atriz 2009, outras mereceram a atenção do público, caso de “O Menino do Pijama Listrado”, de Mark Herman. Cada uma, ao seu modo, debruçou-se num dos aspectos mais significativos das relações de poder e do trato das pessoas comuns com a gigantesca estrutura industrialmilitar montada pelo nazismo. Ruzowitzky baseou-se no caso real de Salomon Sorowitsch, falsificador de moeda profissional, Daldry buscou sua história na ficção de Bernhard Schlink, e Herman na fantasia macabra de John Boyne. Mas, para efeito de atualidade, devido à possibilidade de ainda ser visto nos cinemas, ficaremos com “O Leitor”, pela forma como analisa uma época e as implicações que ainda projeta, merecendo amplo espaço na mídia.


Daldry, de “As Horas” e “Bill Eliot”, é o mais conhecido deles, dada à projeção que seus filmes ganharam, à sofisticação como conduz suas narrativas, de modo sedutor, moderno, com amplo uso do flashback, à quebra da narrativa para olhar o personagem intimamente. Basta lembrar de “As Horas” para se ter uma ideia de seu estilo. Mantém suas características em “O Leitor”, com poucos personagens e uma trama que exige mais atenção do espectador, para não se perder nesta espécie de fantasia sobre a mulher cujo passado é tenebroso. E o faz entrar numa espiral em que o faz-de-conta se impõe. “E se ela, Hanna Schmitz (Kate Winslet), tivesse agido apenas como alguém que executava uma tarefa sem refletir sobre as suas cruéis implicações?” – indaga, fazendo coro com o romancista Schlink.


Hanna tenta se isentar dos crimes cometidos


Alguém que fosse operária numa fábrica privada e recebesse convite para ganhar mais num estabelecimento do Estado e recebesse a tarefa de vistoriar os equipamentos de gás que sufocavam os prisioneiros colocados em suas câmaras. Uma espécie de operação cirúrgica ao modo das usadas nas sucessivas guerras no Golfo Pérsico ou nas elaboradas armas químicas que eliminam seres humanos e deixam de pé prédios e demais instalações indústrias e comerciais. E que a ninguém ocorra que todos estes procedimentos são usados principalmente para exterminar inimigos, frutos de estratégias e táticas industriaismilitares, com o intuito de manter o poder de segmentos de elite germânicas ou, no caso do Iraque e Afeganistão, estadunidenses. Hanna diz, ao ser questionada sobre a assinatura aposta num documento de capital importância para o entendimento da execução de milhares de judeus, que se não o fizesse, eles escapariam (sic). Em suma, os objetivos não seriam alcançados, como uma meta a que se acostumara na fábrica na qual trabalhara antes de aceitar ser supervisora num campo de extermínio de judeus.


Implicações filosóficas sobre a natureza do trabalho nos tempos da produção em massa, que aliena o operário do planejamento, da gestão e da circulação de mercadorias. Despolitização do trabalhador que produz, pois está vinculado mais ao horário, à produção e ao salário que à produção da riqueza em si e o poder que dela emana. Desvinculação do real produtor da riqueza das questões político-ideológicas que ela enseja, para o país e para a classe à qual pertence. E com o agravante de que nada desta riqueza chega-lhe como retorno de principal esteio da empresa, que o leva a agir mecanicamente, guiado apenas pela falsa rentabilidade que lhe apregoa o patrão. No caso de Hanna existe a troca do patrão particular, privado, pelo empregador público; só que este tem natureza política por tática, para atingir seus objetivos, o extermínios de judeus, de comunistas, de homossexuais, de intelectuais, em suma, de todos aqueles que identifica como inimigos.


“O Leitor” é exemplo do “cinema de desmobilização”


Este é, aliás, com todas as voltas que Daldry lhe dá, o centro de “O Leitor”. Até quando se pode culpar alguém que, desconhecendo a natureza de seu trabalho, exterminou milhares de seres humanos, sem olhar para dentro da câmara de gás e refletir sobre o porquê de serem os judeus os escolhidos. Daldry usa, a partir do romance de Schlink, a suposição de que Hanna não fora alfabetizada, metáfora para o alheamento da maioria silenciosa alemã, que foi seduzida pelas coreografias nazistas, vistas em “O Triunfo da Vontade” e “Olímpia”, documentários da cineasta e fotógrafa alemã Leni Riefesnstahl, e pela garantia de pertencer a uma raça superior, a ariana, sustentada pelos “dias gloriosos” sob o comando Fuhrer. Artifício usado por ele, Daldry, desde as primeiras seqüências quando o papel exercido por Hanna, na máquina nazista, ainda não estava claro. Há sempre o recurso à montagem de palavras, como num quebracabeça, para ocultar seus mistérios. Ela se mostra interessada em música e em romances, histórias que a embalam e a fazem viver num mundo onde palavras e frases fazem sentido.


Este “cinema de desmobilização”, tão à moda atualmente, que estrutura o filme com linguagem avançada, recurso à quebra narrativa para encadear a narrativa de tal modo que o espectador se sinta envolvido, tanto pela técnica quanto pela história. Em “O Leitor” existe o eixo central que é o rito de passagem do jovem Michael Berg (David Kross), isolado na família pequenoburguesa, perdido em suas intenções de seguir o que lhe dita o pai, e suas bordas, subtramas, dentre elas a da função de Hanna nesta história, devido ao passado obscuro. Alguém que esconde uma crueldade, mas nem por isto deixa de ser humana, com o poder de se apaixonar. Talvez sirva para dizer que todas as atrocidades que causaram o extermínio de seis milhões de judeus foram obras de seres humanos, que, tragados pela barbárie, mostraram seus instintos de morte. E que eles, mesmo assim, são capazes de sentimentos nobres em determinada circunstância histórica, igual à em que vive Hanna, no pós-Segunda Guerra Mundial.


Hanna sabe manipular e se impor ao jovem


Mas, pelo visto, são as bordas que dominam a narrativa, porquanto seus desfechos revelam a natureza da enigmática Hanna. Um personagem de tal dimensão que apenas uma atriz da grandeza de Kate Winslet pode dar conta de suas nuances. Ela, Hanna, no entanto, sabe manipular, impor ao jovem e imaturo Berg suas supostas fragilidades. Leva-o à paixão, enquanto retira dele o verniz que a mantém viva, a necessidade de evadir-se do mundo em que se refugiou. Neste apenas as histórias, lidas para ela, a fazem expor suas emoções numa relação amorosa com alguém que pode dominar. Chega à irritação quando Berg invade sua privacidade, não a de reclusa no apartamento, mas a de seu trabalho. Há clara contradição nesta tipificação; Hanna é bilheteira, espécie de trocadora de bonde, protegida, ao que parece pelos colegas de trabalho. Tipo de blindagem dada àqueles que prestaram serviços escusos e que precisam ser protegidos para que o intruso não chegue ao cerne dos danos causados.


Daldry, então, procura dar uma dimensão humana ao drama de Hanna, com seus mergulhos no ostracismo, no fascínio que exerce sobre Berg (Ralph Finnes, na maturidade) ao longo de décadas, a ponto de ele não conseguir manter uma relação estável com a mulher Brigitte (Jeanette Hain). Demonstrando que, sem dúvida, as ações de Hanna continuam a ter implicações, tais como as do nazismo ainda em nossos dias. Haja vista a morte de pessoas pelos neonazistas no Brasil, jovens de classe média que cultuam um passado que jamais existiu ou existirá, pois Xangrí-la não rima com o sonhado paraíso ariano. E Daldry ainda molda seu filme com o clima retraído de quem está sofrendo, precisando ser arrancado desse sofrimento para continuar vivendo. Beg passa a vida toda vivendo em função de uma mulher cujo passado desconhece e que procura desculpar depois de ela confessar seus crimes. Assiste ao julgamento sobressaltado, ocultando ele mesmo seu envolvimento com ela, pois se descobre que a ele deve sua iniciação ao mundo adulto.


Diretor esmaece a contribuição de Berg


Daldry usa os argumentos de Schlink para esmaecer a cumplicidade do agora advogado Berg, que também não questiona Hanna sobre seus atos. Lembra a anistia aos torturadores da época da Ditadura Militar no Brasil e os da Era Bush; segundo Berg aquilo foi um engano cometido por alguém que não tinha condições de refletir sobre seus atos e dimensionar as atrocidades nazistas. Numa estratégia narrativa, contrapondo os argumentos de Berg, Daldry usa Rose Mathler (Lena Olin), cuja mãe pereceu num campo de extermínio, e que dele discorda, mas quer sepultar o passado. “Vamos passar uma borracha nisto tudo”, ao que parece, ela lhe responder. Estamos diante de uma obra política, recheada de paixão, quase um melodrama, não fosse à técnica apurada de Daldry e o roteiro povoado de dobras do dramaturgo britânico David Hare. Esta técnica, observe-se, evita o choque do espectador diante do que lhe é apresentado. É como se Daldry lhe dissesse: olhe esta mulher vai seduzir o garoto Berg, ela é nazista, foi supervisora de um campo de extermínio de judeus, mas é um ser humano.


Narrado linearmente, sem intervalos para a vida de Berg adulto, o impacto seria, naturalmente, outro. Porém, Daldry, que em “As Horas”, fez a narrativa passear por vários centros, inclusive o que incluía Virgínia Wolf, o leva a se enredar nas artimanhas da mulher sofrida e solitária, carente de afeto e compreensão. Só que sob este manto oculta-se a verdadeira mulher, capaz de, tecnicamente, abrir torneiras de gás para Hitler atingir seus objetivos. Difícil dizer que alguém capaz de livre escolha, dentre elas, a de deixar um emprego numa empresa de primeira linha para trabalhar num projeto secreto possa não saber de que se trata. Entramos na área do esquecimento, mas uma obra como “O Leitor”, com seus condenáveis argumentos, permite ao espectador manter-se atento, no instante em que, no Brasil e nos Estados Unidos, está em discussão a questão da anistia e do pacto de esquecimento.


Hollywood já atenuou a culpa de Rommel


Ainda nos anos 50, Hollywood, sempre disposta a unir política e espetáculo, traçou a cinebiografia de um dos principais membros do staff de Hitler: o Marechal-de-Campo Erwin Rommel (James Mason), no filme de Henry Hathaway, “Raposa do Deserto”. Espécie de precursor de “Operação Valquíria”, de Bryan Singer, tenta atenuar, através da obra de um oficial britânico, as atrocidades do comandante do “Afrika Korpos”, que saiu vitorioso em várias batalhas no Norte da África. Em dado momento, caiu em desgraça com seu chefe, foi afastado do comando das tropas e acabou por se envolver no atentado fracassado contra o Furher. Ganhou, assim, a simpatia dos estadunidenses e de quem não refletiu sobre seu papel como membro do Partido Nazista. Portanto, estas atenuações bem edulcoradas, a exemplo de “O Leitor”, não são novidade no cinema. Pertence a uma época em que o sistema financeiro, sob suposta liberdade de circulação, afogou o neoliberalismo e a si próprio e ainda insiste em não ser controlado.


Claude Lanzmann, em seu monumental “Shoah”, traça, por meio de depoimentos e imagens dos campos de extermínio, um painel da criação, execução, consequências e reflexos da chamada “Solução Final”. Não há recurso à propaganda, à fragmentação artificial da narrativa, à manipulação da história, apenas pessoas discorrendo sobre o cruel momento de suas vidas em que defrontaram com a estratégia e a tática do Partido Nazista e de seu líder Adolf Hitler. Durante nove horas o espectador é chamado a caminhar com aqueles seres humanos por inúmeros campos de concentração, vendo imagens brutais, até o fechamento, que não deixa nenhuma dúvida sobre as atrocidades montadas para atingir objetivos da supremacia alemã, naquele momento histórico. Não é fácil arrefecer depois de assistir a “Shoah”. Dá a certeza de que nada falta ser analisado para que não se repita. Hanna, atraída para o redemoinho que instigou alcança uma liberdade, que, enfim, a faz cair na realidade de que não a merecia, por mais que Berg intente a tirá-la das trevas em que se metera.


Finalmente, obras como “O Leitor” são espetáculos cinematográficos, com estrelas e temas polêmicos. Alcançam seus objetivos ao atrair para sua história milhares de pessoas interessadas em duas horas de diversão, entretanto, cinema sempre é uma armadilha. O que leva à conciliação e ao esquecimento pode ser o mesmo que instiga o espectador a questionar. E por que? Esta dúvida é que valida a existência da obra. Mark Herman, em “O Menino de Pijama Listrado”, usa a parábola do garoto Bruno (Asa Butterfield), de oito anos, a partir do livro homônimo de John Boyne, para fazer o espectador levantar o seguinte: e se por acaso esse menino, filho do comandante do campo de concentração, acabasse na câmera de gás? Termina com um choque terrível. Embora com toda esta fantasia termina sendo mais elucidativo do que “O Leitor”, pois ninguém pode ignorar que de fato houve, num passado não tão distante, um momento da história que não foi nenhum faz conta.


“O Leitor” “The Reader”. Drama. Alemanha/EUA. 2008. 124 minutos. Roteiro: David Hare. Baseado no livro: “Der Vorleser”, de Bernhard Schlink. Direção: Stephen Daldry. Elenco: Kate Winslet, Ralph Finnes, David Kross, Lena Olin, Jeanette Hain.

(1)Furhammar, Leif; Isaksson, Folke, Cinema e Política, Editora Paz e Terra, 1976, 235 páginas;
(2)Idem, idem, pág.149.


Tem a ver


Muitos filmes merecem ser vistos pelo tema e pela abordagem que seus diretores, muitas vezes, desconhecidos, lhe dão. A coluna, que às sextas-feiras, veicula análise de um filme em cartaz, fará breves comentários de um ou mais deles, para que o leitor possa assisti-los em reprises, mostra dos melhores do ano ou em DVD. É uma forma de não deixá-los à margem da discussão como os que comentamos abaixo, que, de uma forma ou outra, mostram a construção do nazismo e suas consequências como a obra analisada nesta semana.


O triunfo da vontade (Triumph des Willens). Documentário. Alemanha. 1935. P&B. 124 minutos. Roteiro: Leni Riefenstahl/Walter Ruttmann. Direção: Leni Riefenstahl. Cobertura do Sexto Congresso de Nuremberg, em 1934, mostra a plantação da semente que, depois, se alastraria pela Europa causando os estragos já conhecidos. Mostra como partido Nazista e seu líder Adolf Hitler manipularam as massas através da propaganda que desembocou nos campos de concentração onde morreram seis milhões de judeus e outros tantos milhões de não judeus também pereceram em combates contra as tropas nazistas.


Shoah (Shoah). Documentário. França. 1985. 566 minutos. Direção: Claude Lanzmann. Através de depoimentos de sobreviventes e organizadores do processo de extermínio, Lanzmann registra a estratégia de construção dos campos de concentração e mostra, em cruas imagens, seu cotidiano e o desfecho de uma estratégia de horror em Dachau, Sobidor, Auschwitz, Birkenau, Treblinka e outros. Difícil não ficar estarrecido antes e após assisti-lo.


A lista de Schindler (Schindler´s List). Drama. EUA. 1993. Roteiro: Steven Zallian, baseado no livro “Schindler´s Ark”, de Thomas Keneally. Direção: Steven Spielberg. Elenco: Liam Neeson, Ben Kingsley, Ralph Finnes, Embeth Davidtz. Centrada na ação de Oskar Schindler, empresário responsável pela retirada de 1.100 judeus dos campos de concentração nazistas, na 2ª Guerra Mundial, contrapõe a visão do mal absoluto do oficial feito por Ralph Fiennes à desse homem, interessado em fazer da sobrevivência de milhares de seres humanos num período conturbado da Europa sua razão de ser. Filme de amadurecimento de Spielberg; vale pela rudeza das imagens em preto e branco e pela reconstrução de um período mostrado com visão adversa à de “O Leitor”.


O Porteiro da noite (Il Portiere Di Notte). Drama. Itália. 118 minutos. Roteiro e Direção:Lliliana Cavani. Elenco: Dirk Bogarde, Charlotte Rampling, Gabriele Ferzetti, Philipe Leroy. Este drama intenso, erótico e cativante, gerou polêmica na época de seu lançamento. Trata-se da relação amorosa entre o ex-oficial nazista Maximilian (Bogarde) e Lúcia (Rampling), sobrevivente do campo de concentração por ele comandado. Questões como ética, rancor, vingança, política, ideologia afloram nesta paixão mútua entre torturador e torturada, tratados por Cavani sem concessões. Em determinado momento, resvala para o sadomasoquismo à moda Yasuzo Masumura, em “Obsessão Cega”, em que a perversão predomina. Oportuno contraponto ao filme “O Leitor”, de Stephen Daldry, mostrando quanto o cinema já foi (e pode ser) transgressor e gerador de reflexões avançadas.


Em determinadas sequências os papéis se invertem e Lúcia passa a dominar o amante, pondo-o em situações humilhantes às quais ele se submete, para satisfazê-la. Quem assistiu a “Obsessão Cega” sabe a que isto leva. As câmeras de Masumura e Cavani não se intimidam, vasculham corpos e ambientes, pondo a nu os limites a que os seres humanos, apaixonados, se impõem à exaustão. Masumura, um dos gênios da nouvelle vague japonesa, usa cenários, esculturas, clima para enfatizar a tensão psicológica dos personagens, saída do conto do escritor de policiais, Edogawa Rampo. E Cavani faz Lucia e Maximilian ficarem presos a si mesmos em espaços que para eles nada significam, a não ser para levarem sua paixão às últimas consequências.


São filmes para desconstruir a maneira de ver cinema, de mergulhar numa obra, cujo limite é não ter nenhum. Não se trata aqui de imitar uma realidade, respeitar determinados padrões éticos e morais, manter estruturas narrativas e uma estética padrão, ainda que disfarçadas por técnicas usadas pela vanguarda há 30, 40, 50, 70 anos, portanto envelhecidas (veja a narrativa de Daldry, em seus filmes, há sempre off, flashbacks, tempos mortos, projeções, recursos que Goddard, Resnais, Glauber, Welles, Peixoto, já usavam, e hoje são comuns em novelas e séries da TV); criar outros espaços, construir novas realidades, apontar caminhos para a arte, é o que importa nestes filmes.


Nenhum espectador fica inume as abordagens de Masumura e Cavani nestes filmes. Principalmente, no caso específico de Cavani, para compará-lo com a de Daldry, guardadas as devidas contextualizações, influências, escolhas e tendências de cada cineasta. A observação aqui é apenas para chamar atenção para temas que foram abordados com mais contundência e radicalidade por outros cineastas, em outro contexto histórico, mas que continuam válidos e servem como canais condutores e explicadores dos caminhos a seguir.




*Cloves Geraldo, Jornalista, roteirista e documentarista.



* Opiniões aqui expressas não refletem, necessariamente, a opinião do site.
.
.
in Vermelho -
8 DE MAIO DE 2009 - 16h49
.
.

Sem comentários: