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Quando comecei a acessar a internet, em 1998, o que havia de mais popular entre meus amigos e colegas de escola era o mIRC, um programa de chat. Tudo girava em torno dele, naquela época. Se íamos marcar um encontro, era por lá. Se tínhamos um arquivo do colégio para enviar para o outro, idem. Se procurávamos garotas, o mIRC era nossa primeira opção.
Para quem não conheceu o programa, tentarei explicar mais ou menos seu funcionamento. Cada usuário escolhia um apelido, um nickname, e uma vez conectado a algum servidor (cada rede de IRC unificava vários servidores, que geralmente eram mantidos em máquinas de provedores de acesso a internet; a importância de uma rede era medida justamente pelo número de servidores e de usuários conectados a ela), ele escolhia em quais salas de conversa iria entrar. Essas salas eram chamadas de "canais", e cada cidade tinha seu próprio "canal". O daqui se chamava "Feira"; o de João Pessoa (PB), onde fiz vários amigos, se chamava "Jampa", e por aí vai. Havia também, claro, as salas temáticas, como "Hardware" e "Ajuda", que eram canais de suporte aos usuários.
Como todo bom nerd, eu era muito tímido. (Hoje já não sou um nerd, mas continuo tímido; não tanto quanto antes, graças a Deus.) E nada melhor para um tímido do que uma tela de computador. Afinal, só por aqui é possível ter (ou forjar) uma eloquência e um charme que muitas vezes não conseguimos revelar (ou realmente não temos) pessoalmente. Foi por isso que, desde o princípio, apostei todas as minhas fichas no mIRC, para conseguir uma namorada.
Ora, todo santo dia alguém me vinha com a conversa de que "pegou" uma garota no fim de semana e estava com outro encontro marcado para alguns dias depois. Quem era cara de pau e não muito feio certamente bateu recordes de "pegação" naqueles anos. Porque não precisava ser um galã. Geralmente os galãs tinham namorada ou já estavam com fama de "galinhas", o que espantava as garotas mais certinhas. E algumas delas, acreditem, eram (são!) bonitas. E lá fui eu atrás delas.
Mas não era tão fácil. As meninas mais certinhas geralmente eram também as mais difíceis. A abordagem virtual variava pouco: "Oi, td bem? Quer teclar?". Algumas respondiam com um "não" que, se não fazia barulho, derrubava o ego, causando uma leve (?) sensação de fracasso. Que, é óbvio, durava pouco. Só o tempo de escolher um outro nick e fazer mais uma vez a mesma pergunta.
Nessas idas e vindas, confesso a vocês, não tive sucesso nenhum. Me apaixonei, sim, algumas vezes, não tenho vergonha de admitir. Isso fez com que a conta telefônica da nossa casa chegasse a níveis nunca dantes vistos. Outra consequência nefasta dessas paixões virtuais foi a queda drástica do meu desempenho escolar. Se bem que, na verdade, a culpa disso foi minha vontade de dominar o mundo pelo mIRC. Uma pena eu não ter encontrado outro Cérebro, apenas Pinkys.
Mas voltemos às paixões. A internet mostra que podemos ainda nos apaixonar pelas ideias de alguém, pela sua conversa, pelas afinidades, e não apenas por um par de coxas e seios volumosos. É possível se apaixonar por caracteres, por fotos, por sorrisos lindos e distantes. Depois, nos apaixonamos pela voz e pelo riso gostoso que nos chegam instantaneamente através de fios. Nos apaixonamos pelo "desliga você primeiro". Mas tudo isso pode naufragar no primeiro encontro. É quando você descobre que aquela voz de bebê na verdade tem quase 100 quilos e você, ora, você é apenas um pirralho com menos de 50.
O que era uma pena, certamente. Porque você, o tímido, o que não pegava ninguém, enfim poderia chegar no colégio triunfante, na segunda-feira, dizendo que no fim de semana havia "pegado" a linda, a inteligentíssima, a super-gente-fina "Flor de Lis". Isto se ela não tivesse "omitido" certas características físicas suas e, na verdade, fosse mesmo digna do nick "Willy".
Bom, deixemos as decepções de lado e falemos de casos mais amenos. Como quando cheguei a enviar um buquê de flores para uma garota, porque, como nos ensinam os filmes, toda mulher se derrete por um buquê de flores. Infelizmente, os filmes não nos preparam para as mulheres que não se derretem por um buquê de flores. Resultado: gastei dinheiro à toa e não ganhei sequer um selinho. Só um abraço, um beijo na bochecha e, claro, a sua amizade (bah!)
.
Numa outra oportunidade, um amigo e eu marcamos um encontro duplo, porque, claro, se fôssemos premiados com dois dragões, um poderia ajudar o outro com a desculpa "ih, rapaz, minha mãe tá precisando que eu vá pra casa agora". Nesta oportunidade, não chegamos a conhecer nossas talvez-futuras-namoradinhas. Ambas nos deram bolo. Como já estávamos no cinema mesmo, fomos assistir a Pearl Harbor, para não perder a viagem. E ficamos brincando de Nostradamus, mesmo sem conhecer o fato que deu origem ao filme, acertando tudo o que iria acontecer na cena seguinte.
Mas, como diz aquele ditado, "água mole em pedra dura, tanto bate até que fura", a verdade é que foi através do mIRC que conheci a mulher da minha vida. Passamos anos conversando virtualmente, sem nunca marcar um encontro. Talvez por causa da timidez que nos dominava. O engraçado é que nossas conversas eram inocentes, não havia, nenhum de nós tinha "segundas intenções". Era mesmo somente amizade, gostávamos de conversar um com o outro. Nos divertíamos bastante e dividíamos nossos problemas e decepções ― inclusive as amorosas! Talvez essa tenha sido a razão de nunca termos proposto um encontro: o mundo real poderia fazer com que nossa amizade esfriasse, com que nossas conversas se tornassem monótonas.
O fato é que não se pode escapar do destino e, no fim de 2002, na primeira fase de uma entrevista de emprego ― aquela, da dinâmica de grupo ―, descobrimos nossas identidades secretas, totalmente por acaso. A amizade continuou e só fez aumentar, a partir de então. Finalmente, no fim de 2004, nossa história juntos teve início.
No fundo, no fundo, vivo um amor que teve origem em conversas virtuais e foi crescendo e ultrapassando as barreiras internéticas até se transformar num amor real, de carne e osso. É fato que poucas são as histórias românticas virtuais que dão certo, mas algumas, felizmente, vencem as dificuldades e as distâncias e duram por muito tempo. A diferença, entre amores virtuais e amores reais, é só o meio. O sentimento é o mesmo.
Rafael Rodrigues
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in Digestivo Cultural
.Quando comecei a acessar a internet, em 1998, o que havia de mais popular entre meus amigos e colegas de escola era o mIRC, um programa de chat. Tudo girava em torno dele, naquela época. Se íamos marcar um encontro, era por lá. Se tínhamos um arquivo do colégio para enviar para o outro, idem. Se procurávamos garotas, o mIRC era nossa primeira opção.
Para quem não conheceu o programa, tentarei explicar mais ou menos seu funcionamento. Cada usuário escolhia um apelido, um nickname, e uma vez conectado a algum servidor (cada rede de IRC unificava vários servidores, que geralmente eram mantidos em máquinas de provedores de acesso a internet; a importância de uma rede era medida justamente pelo número de servidores e de usuários conectados a ela), ele escolhia em quais salas de conversa iria entrar. Essas salas eram chamadas de "canais", e cada cidade tinha seu próprio "canal". O daqui se chamava "Feira"; o de João Pessoa (PB), onde fiz vários amigos, se chamava "Jampa", e por aí vai. Havia também, claro, as salas temáticas, como "Hardware" e "Ajuda", que eram canais de suporte aos usuários.
Como todo bom nerd, eu era muito tímido. (Hoje já não sou um nerd, mas continuo tímido; não tanto quanto antes, graças a Deus.) E nada melhor para um tímido do que uma tela de computador. Afinal, só por aqui é possível ter (ou forjar) uma eloquência e um charme que muitas vezes não conseguimos revelar (ou realmente não temos) pessoalmente. Foi por isso que, desde o princípio, apostei todas as minhas fichas no mIRC, para conseguir uma namorada.
Ora, todo santo dia alguém me vinha com a conversa de que "pegou" uma garota no fim de semana e estava com outro encontro marcado para alguns dias depois. Quem era cara de pau e não muito feio certamente bateu recordes de "pegação" naqueles anos. Porque não precisava ser um galã. Geralmente os galãs tinham namorada ou já estavam com fama de "galinhas", o que espantava as garotas mais certinhas. E algumas delas, acreditem, eram (são!) bonitas. E lá fui eu atrás delas.
Mas não era tão fácil. As meninas mais certinhas geralmente eram também as mais difíceis. A abordagem virtual variava pouco: "Oi, td bem? Quer teclar?". Algumas respondiam com um "não" que, se não fazia barulho, derrubava o ego, causando uma leve (?) sensação de fracasso. Que, é óbvio, durava pouco. Só o tempo de escolher um outro nick e fazer mais uma vez a mesma pergunta.
Nessas idas e vindas, confesso a vocês, não tive sucesso nenhum. Me apaixonei, sim, algumas vezes, não tenho vergonha de admitir. Isso fez com que a conta telefônica da nossa casa chegasse a níveis nunca dantes vistos. Outra consequência nefasta dessas paixões virtuais foi a queda drástica do meu desempenho escolar. Se bem que, na verdade, a culpa disso foi minha vontade de dominar o mundo pelo mIRC. Uma pena eu não ter encontrado outro Cérebro, apenas Pinkys.
Mas voltemos às paixões. A internet mostra que podemos ainda nos apaixonar pelas ideias de alguém, pela sua conversa, pelas afinidades, e não apenas por um par de coxas e seios volumosos. É possível se apaixonar por caracteres, por fotos, por sorrisos lindos e distantes. Depois, nos apaixonamos pela voz e pelo riso gostoso que nos chegam instantaneamente através de fios. Nos apaixonamos pelo "desliga você primeiro". Mas tudo isso pode naufragar no primeiro encontro. É quando você descobre que aquela voz de bebê na verdade tem quase 100 quilos e você, ora, você é apenas um pirralho com menos de 50.
O que era uma pena, certamente. Porque você, o tímido, o que não pegava ninguém, enfim poderia chegar no colégio triunfante, na segunda-feira, dizendo que no fim de semana havia "pegado" a linda, a inteligentíssima, a super-gente-fina "Flor de Lis". Isto se ela não tivesse "omitido" certas características físicas suas e, na verdade, fosse mesmo digna do nick "Willy".
Bom, deixemos as decepções de lado e falemos de casos mais amenos. Como quando cheguei a enviar um buquê de flores para uma garota, porque, como nos ensinam os filmes, toda mulher se derrete por um buquê de flores. Infelizmente, os filmes não nos preparam para as mulheres que não se derretem por um buquê de flores. Resultado: gastei dinheiro à toa e não ganhei sequer um selinho. Só um abraço, um beijo na bochecha e, claro, a sua amizade (bah!)
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Numa outra oportunidade, um amigo e eu marcamos um encontro duplo, porque, claro, se fôssemos premiados com dois dragões, um poderia ajudar o outro com a desculpa "ih, rapaz, minha mãe tá precisando que eu vá pra casa agora". Nesta oportunidade, não chegamos a conhecer nossas talvez-futuras-namoradinhas. Ambas nos deram bolo. Como já estávamos no cinema mesmo, fomos assistir a Pearl Harbor, para não perder a viagem. E ficamos brincando de Nostradamus, mesmo sem conhecer o fato que deu origem ao filme, acertando tudo o que iria acontecer na cena seguinte.
Mas, como diz aquele ditado, "água mole em pedra dura, tanto bate até que fura", a verdade é que foi através do mIRC que conheci a mulher da minha vida. Passamos anos conversando virtualmente, sem nunca marcar um encontro. Talvez por causa da timidez que nos dominava. O engraçado é que nossas conversas eram inocentes, não havia, nenhum de nós tinha "segundas intenções". Era mesmo somente amizade, gostávamos de conversar um com o outro. Nos divertíamos bastante e dividíamos nossos problemas e decepções ― inclusive as amorosas! Talvez essa tenha sido a razão de nunca termos proposto um encontro: o mundo real poderia fazer com que nossa amizade esfriasse, com que nossas conversas se tornassem monótonas.
O fato é que não se pode escapar do destino e, no fim de 2002, na primeira fase de uma entrevista de emprego ― aquela, da dinâmica de grupo ―, descobrimos nossas identidades secretas, totalmente por acaso. A amizade continuou e só fez aumentar, a partir de então. Finalmente, no fim de 2004, nossa história juntos teve início.
No fundo, no fundo, vivo um amor que teve origem em conversas virtuais e foi crescendo e ultrapassando as barreiras internéticas até se transformar num amor real, de carne e osso. É fato que poucas são as histórias românticas virtuais que dão certo, mas algumas, felizmente, vencem as dificuldades e as distâncias e duram por muito tempo. A diferença, entre amores virtuais e amores reais, é só o meio. O sentimento é o mesmo.
Rafael Rodrigues
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in Digestivo Cultural
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