Discurso de Lula da Silva (excerto)

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quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Política e a Questão Racial - Antonio Ozaí da Silva


Política e a Questão Racial

Novembro 15, 2009
antonio-ozaipor Antonio Ozaí da Silva*

“A propaganda abolicionista, com efeito, não se dirige aos escravos.(…) A emancipação há de ser feita entre nós, por uma lei que tenha os requisitos, externos e internos, de todas as outras. É, assim, no Parlamento e não em fazendas ou quilombos do interior, nem nas ruas e praças das cidades, que se há de ganhar, ou perder, a causa da liberdade”. (Joaquim Nabuco. O Abolicionismo)
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“A sociedade brasileira largou o negro ao seu próprio destino, deitando sobre seus ombros a responsabilidade de reeducar-se e de transformar-se para corresponder aos novos padrões e ideais de homem, criados pelo advento o trabalho livre, do regime republicano e do capitalismo”. (Florestan Fernandes. A Integração do Negro na Sociedade de Classes)
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Considerado do ponto de vista institucional, isto é, sob a ótica do Estado, a participação política dos negros e negras foi historicamente neutralizada, ora por mecanismos de cooptação (principalmente nas regiões mais atrasadas do Brasil), ora pela repressão. O próprio movimento abolicionista realizou-se em seu nome e com objetivos colaboracionistas, colocando senhor e escravo no mesmo patamar: vítimas iguais de um mesmo sistema. Aos escravos foi negado o direito de ser agente de transformação da sua própria história. Então, veio a abolição, mas a causa da liberdade permaneceu irresoluta: ao escravo liberto não foram facultadas as condições econômicas e sociais para o usufruto da plena liberdade.
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As condições históricas da inserção do negro na sociedade brasileira são elementos facilitadores do controle e exclusão política. Escravos na colônia e no império, sustentáculos do desenvolvimento econômico brasileiro durante décadas, foram jogados no seio de uma sociedade fundada em bases secularmente racistas. Libertos foram preteridos do mercado formal de trabalho em nome de um projeto elitista de branqueamento do país. Tiveram que disputar com o imigrante europeu até mesmo as mais modestas oportunidades de trabalho livre, como a de engraxate, jornaleiro ou vendedor de frutas e verduras, transportadores de peixe e carregadores de sacas de café, etc. as mulheres negras garantiram a sobrevivência da família trabalhando, ontem como hoje, como domésticas, faxineiras, babás, doceiras, cozinheiras, lavadeiras e outras atividades similares. As melhores ocupações ficaram com seu concorrente direto: o europeu.
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Desconsiderado econômica, social e culturalmente, o negro, a exemplo dos brancos pobres, foi excluídos do jogo político das oligarquias que dominavam a república velha. Esta situação não foi modificada com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder: manteve-se o critério de que a política é uma atividade restrita às elites. E isto foi ainda mais aprofundado durante o Estado Novo: cabia às camadas inferiores do povo, sendo a raça negra sua maioria, contentar-se com a função submissa de colaborar para a harmonia e a manutenção da ordem social, condições para o progresso e o desenvolvimento econômico brasileiro.
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É verdade que no curto período denominado pelos sociólogos e historiadores como populista, os trabalhadores e trabalhadoras foram alçados à posição de coadjuvantes no cenário da política brasileira do período pós II Guerra Mundial até o golpe militar de 1964. É fato também que a política oficial não podia mais desconsiderar estes sujeitos históricos (por isso a necessidade do golpe militar).
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Mas, uma análise mais cuidadosa nos mostrará que, apesar dos avanços na participação política, inclusive dos negros, e mesmo na forma como os governos populistas encaravam a questão social, estávamos longe de colocar a questão racial como um tema central da política brasileira. Aliás, a admissão da questão racial adquiriu até mesmo ares de antipatriotismo Com efeito, a forma corriqueira de negar a existência do racismo e de todas as suas conseqüências é simplesmente fazer de conta de que não temos este problema. Consequentemente, os negros continuavam excluídos.
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Nos anos da redemocratização, a questão racial foi de novo relegada a um plano secundário: afinal, tratava-se de libertar o país do jugo da ditadura. Se não podemos nos surpreender com a atitude historicamente preconceituosa do pensamento dominante, é interessante observar como os partidos e organizações políticas de esquerda, que defendem idéias igualitárias e contra todo tipo de opressão, também terminam por negligenciar a questão racial.
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Eurocêntrica em sua fundamentação teórica, a esquerda brasileira teve como parâmetro um determinismo economicista que reduz todas as relações sociais às determinações de classe, ou seja, vêem o trabalhador e a trabalhadora, negro ou branco, negra ou branca, sob a lente do conflito Capital X Trabalho. Passa-lhe despercebido que o homem e a mulher não são apenas agentes econômicos, mas seres sociais e, ao mesmo tempo, específicos.
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Uma esquerda enviesada por tal reducionismo tende a passar ao largo de questões como o racismo. Impregnada pela ideologia racista dominante, não compreende o papel e a importância desta ideologia enquanto elemento reprodutor e estruturante das desigualdades em nossa sociedade. Por conseqüência, transforma a questão racial em mera questão relativa às ‘minorias’.
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Em suma, se considerarmos o âmbito institucional, a situação do negro e da negra parece estática. É verdade que hoje eles podem escolher de quatro em quatro anos quem os governarão pelo próximo período. É verdade também que temos canais de participação política e mesmo a possibilidade dos negros e negras tornarem-se senadores/as da república e/ou ministros.
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Ainda é pouco e antes constitui a exceção que confirma a regra. Quantos vereadores negros e negras temos em nossas câmaras municipais? E nas prefeituras? Qual a porcentagem de deputados negros e negras nos estados e no Congresso Nacional? E no senado? E se considerarmos as direções dos partidos políticos, mesmo os de esquerda? Será diferente nas direções sindicais? Em todos os casos veremos que a participação da raça negra segue a mesma lógica observável nos demais setores da sociedade: no mercado de trabalho, no acesso à educação superior etc., as estatísticas demonstram que o negro e a negra são minoritários e tratados como inferiores.
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Contudo, a despeito das adversidades em que a luta anti-racista foi historicamente submetida, inclusive através do isolamento político, o negro e a negra sempre resistiram. Há uma história política não institucional que nem sempre é contada. A começar por Quilombo dos Palmares, símbolo da resistência de um povo que luta pela vida em liberdade. Esta experiência histórica, em geral desconhecida, mesmo no ensino formal, representou uma radical contestação à ordem dominante, subvertendo a ideologia dominante quanto à boçalidade e indolência dos trabalhadores negros.
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A resistência negra também se fez presente na organização de suas entidades: como a Frente Negra Brasileira nos anos 20/30 (colocada na ilegalidade em 1937 por Getúlio Vargas); o Movimento Negro Unificado, organizado em 1978; a emergência do Movimento de Mulheres Negras que, em 1995, interferiram nos fóruns nacionais e internacionais que preparavam a Conferência Beijin 95 no sentido de incluir a questão racial na pauta das discussões feministas. Os negros resistiram ainda através da formação de associações comunitárias negras, do candomblé, das escolas de samba, da imprensa negra, da participação em movimentos e partidos políticos.
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As diversas formas de resistência convergiram para que o negro e a negra se impusessem enquanto sujeitos políticos potenciais. Lutam pelo reconhecimento público da questão racial. Sabem que a assimilação do diferencial de raça enquanto elemento constitutivo da reprodução da desigualdade e do acesso aos chamados direitos de cidadania é de fundamental importância para o combate a todas as formas de racismo e a construção de uma sociedade realmente democrática.
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A política racial, através da ação direta dos negros e negras, tem sido o caminho mais fecundo para a defesa de uma população que, em sua maioria, é mantida à margem da política institucional. Os negros e negras aprenderam que só assim é que conquistaram seu espaço, inclusive nas instituições do Estado (incluindo-se aí os partidos políticos). Em outras palavras, a participação política dos negros e negras é necessariamente diferenciada.
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Quando se é negro e negra não basta, por exemplo, lutar pela cidadania participando de um partido político de esquerda. É preciso definir a qualidade desta cidadania e, simultaneamente, organizar-se enquanto setor diferenciado no interior deste partido. E isso ocorre porque a luta contra o racismo ainda não foi suficientemente abraçada por todos aqueles que, independente da cor, acreditam e lutam por uma sociedade plenamente democrática e justa.


* Docente do Departamento de Ciências Sociais, Universidade Estadual de Maringá (UEM). Blog: http://antonio-ozai.blogspot.com. E-mail: aosilva@uem.br. Publicado na REA, nº 13, junho de 2002, disponível em http://www.espacoacademico.com.br/013/13polracial.hrm
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11 Comments 



  • 1. tavares  |  Novembro 15, 2009 at 16:47
    “besouro neles!!!”
    resistência foi, e sempre será, a palavra de ordem contra as opressões – micro ou macro – inseridas nesta sociedade de exclusão social, mas que só objetiva a acumulação de capital financeiro ou cultural…





  • 2. Regina Caldas  |  Novembro 15, 2009 at 17:42
    Embora seu artigo esteja muito bem escrito Ozaí, ele não foge ao padrão dos estudos existentes sobre as condições do negro desde os tempos da escravidão. Portanto, ouso opinar de forma um tanto diferente. Não creio que a estagnação do negro provenha da discriminação racial. Pois, em nosso país, toda a pobreza é discriminada. Por que? Porque faltam políticas públicas que sirvam de alavanca para que qualquer cidadão, independente de sexo e cor, tenha oportunidade de crescimento econômico, mobilidade social, e participem de forma mais efetiva nos processos politicos. Veja como exemplo o que se passa na política: não falta somente a participação de negros, o percentual de mulheres também é mínimo. De um modo geral, eu diria que a discriminação, o desrespeito ao cidadão que vive na pobreza é obra de governos que não investem em Educação, Saúde e Transporte. Passe uma tarde observando as filas nos hospitais, nos pontos de ônibus ou nas escolas públicas, e note que ai não existem apenas negros, mas sim pobres, negros e brancos à espera de vagas. E também observe como estas pessoas, negras e brancas, são maltratadas pelo agente público. (Em contrapartida, visite um Poupa Tempo na cidade de São Paulo. Neste recinto não há discriminação e todos os cidadãos são tratados com respeito e atendidos em suas reclamações). Cordiais saudações, Regina





  • 3. Antonio Rodrigues  |  Novembro 15, 2009 at 19:38
    Grande Antonio Ozai, sempre recebo seus artigos em meu email, muito interesante,agora mesmo esse fala dos negros, e claro temos grande apreco a todos dessa etnia, aos indios tambem , mas e os CABOCLOS amazonidas vc tem algun artigo se tive gostaria de receber,
    BRACO SOCIAL





  • 4. maria da penha silva  |  Novembro 16, 2009 at 7:39
    Excelente essse artigo, pois ele nos lembra de jamais imaginar que falar de escravidão, racismo e preconceitos seja um assunto muito explorado.O presente artigo vem nos lembrar que ainda temos muito o que conversar sobre tais assuntos e que não adianta tentar encobrir a nossa realidade nos escudando com o mito de Democracia Racial, Racismo e Discriminação Racial foram os pilares ideológicos da colonização e do sistema escravista e afetaram profundamente a estrutura da sociedade brasileira. Vamos lutar contra isso!
    Abraços.
    Penha!





  • 5. Brito  |  Novembro 16, 2009 at 10:40
    bom





  • 6. vagner ferreira reis  |  Novembro 16, 2009 at 10:50
    Parabens por levantrar esta questão tão delicada e que precisa ser discutida não só nas proximidades do dia 20 de novembro onde se comemora o “dia da consciência negra” mas sim todos os dias, pois todos os dias o negro sofre primeiro por ser negro, e segundo por ser pobre, são duas lutas que enfrantam todos os dias, desde que foram trazidos para o brasil, e que o cenario escravocrata persitem até hoje, aprisionados, nas favelas, revirando latas de lixo, sobrevivendo sobre os viadutos hoje
    é esse o cenario para o Negro e Pobre.





  • 7. adson17  |  Novembro 16, 2009 at 11:45
    Com poucas palavras posso garantir que sua forma de pensar não é a de agir de muitos , e se fosse teriamos a noção que consciência ou seja a razão julgar os próprios actos por remorso é único e parte de cada um , não é algo que precisamos nos “conscientizar” já que o mesmo pertence a cada um , com suas ações dentro de seus limites apurar e resolver o que acredita ser necessario para a sua propia ideia de moralidade e seus valores , estes por sua vez colocados em teste quando refere-se ao prazer na frente de sua razão .





  • 8. volmer s do rêgo  |  Novembro 16, 2009 at 13:34
    Há que se notar que todos os moviemntos libertários brasileiros foram feitos por “heróis” ou “heroínas” (em que pesem o real significado destes termos), mas nunca se notou a verdadeira participação popular nestes casos. Todos vieram das elites e saíram de cabinets ou bureaus aveludados. À margem da historiografia oficial sempre estiveram os agentes populares, que se de um lado serviram de motor às disputas sociais, oferecendo sua carne e sangue para a refrega em campo, de outro é relegado ao segundo plano na hora de aparecer na capa da revista ou mera citação de rodapé nos livros. Negros brasileioros e outras minorais (aliás de que é feita a maioria mesmo?} sempre foram massacradas, e como bem citou uma colega acima, não pela cor ou condição étnica ou racial, simplesmente, mas por situaçãoe condição estamentária – pobreza – essa discriminação é a mais verdadeira de todas. Mesmo porque a orientação religiosa nacional, da colônia, passando pelo império à república tardia é fruto de um salve-se quem puder no novo mundo, locus multiplurietno, cultural e antropológico – para onde se mandavam aqueles que queria uma nova chance, se redimir ou simplesmente pagar uma pena. E, embora se diga laico, o estado é estruturado (segundo o modelo português de Dom Joões e Pedros seguintes deixados à posteridade e ainda vigentes – vide a cartorialização informatizada em que vivemos no estado moderno). Negros e índios, por exemplo, nunca ‘tiveram alma’ – de acordo com a pregação ideológica da Igreja aqui no Brasil – e por isso poderiam ser escravizados e vendidos como mercadoria. Ora, qualquer reflexão mais séria aponta para uma esvaziamento compassivo e o modo de tratar desalmados sempre foi sentir e ter pena do coitado – contudo, conferir-lhe status social ou condição plena e digna de cidadania é outra coisa!





  • 9. will santos  |  Novembro 16, 2009 at 16:46
    Parabéns pelo artigo, é necessário ficarmos atento a uma discussão que tem tomado conta desse tema, aquela que fala em discriminação social e não racial. Tal afirmativa é mais uma maneira de esconder o forte racismo que impera na nossa sociedade. Temos que ter cuidado para não cairmos na falácia da democracia racial brasileira.
    Abraço: Movimento negro Poções Bahia





  • 10. Celly  |  Novembro 17, 2009 at 9:51
    Uma observação sobre o comentário de Regina… Creio que o autor do texto é feliz em pontuar que enquanto pensarmos a problemática do negro como uma questão do pobre, independente de cor, estaremos negando o racismo e seus mecanismos de ação, colaborando para o não-enfrentamento do o problema. Como enfrentar um problema se “ele não existe”?





  • 11. valeria guerra  |  Novembro 17, 2009 at 11:50
    É imprecionante como as pessoas se deixam levar por estóriasde conto de fadas acreditando naquilo que se negam á ver: o precoceito racial ultrapassa a questão política, são duas vertentes que se cruzam,mas, de carater diferenciada.Esse débito social existente na sociedade pelo povo negro vai ter que ser pago ,isso chega a ser uma questão moral, ninguém seja igenuo de pensar que um pobre branco é tratado como um pobre preto, basta você olha no espelho e se concientizar que esses testemunho é muito mediocre, porque você é que faz a sociedade, você já se perguntou se você ver duas crianças na rua vitimas do mesmo problema social, quem você ajudaria primeiro: o branquinho,visto como vítima, ou o pretinho ,que com certeza você irá pensar que o problema é genético,até parece piada,vivemos sim em uma sociedade podre de preconceito,carregada por uma falta de identidade cultural.Esse é o grande problema, porque as questões de pobreza, não é cultural e o racismo sim!. Por isso essa divida tem que ser paga pela sociedade branquela, e rápido, antes que você esqueça de onde nasceu,e onde estão suas raizes, e viveremos sem identidade o resto da eternidade!?você vai contar o que a seus descendente : vim não sei de onde ! e estou aqui não sei porque! afinal precisamos de tudo isso para nos tornamos um ator social transformador, e colaborar com a evolução da sociedade !
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