Discurso de Lula da Silva (excerto)

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sábado, 21 de novembro de 2009

Teatro - Fechados dentro da história de Deus


Adicionado em:
19-11-2009
Fonte:
Ípsilon
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Fechados dentro da história de Deus
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Nuno Carinhas não combinou com José Saramago, mas parece-lhe "absolutamente pertinente" debater a vida, a religião
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As personagens não saem de cena. Podemos vê-las, podemos não vê-las, mas estão sempre lá, como que presas naquele espaço. Há camas encavalitadas de um lado, camas encavalitadas do outro, de madeira áspera, a remeter para os campos de concentração de Auschwitz-Birkenau.
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O encenador e cenógrafo Nuno Carinhas tem queda para enfiar o teatro dentro do teatro. Fez isto ao encenar as "Beiras" (2007), a partir de "Farsa de Inês Pereira", "Farsa do Juiz da Beira" e "Tragicomédia Pastoril da Serra da Estrela", de Gil Vicente. E fê-lo agora, neste "Breve Sumário da História de Deus", do mesmo autor.
Podemos ver ali um campo de concentração, como o que aparece n' "A Vida é Bela", de Roberto Benigni. E podemos não ter idade para isso e ver "um colégio interno, um convento, um albergue nocturno". Em qualquer caso, um espaço minado (gerido?) por figuras demoníacas.

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Carinhas quis "fazer nascer o auto como um ritual ou representação que pode advir da espera". Os espectadores entram na sala do Teatro Nacional de São João e os actores já estão no palco. Há uma cortina de tule (quarta parede). Através dela, pode ver-se como se movem ou se deixam estar. É como se redistribuíssem papéis de uma peça já tantas vezes feita. 

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Um anjo criado à imagem da estátua Anjo de Portugal (Joana Carvalho), que Carinhas viu no Museu de Arte Antiga e que pertence ao Convento de Cristo, apresenta o auto. Lúcifer (António Durães), o anjo caído, tem voz de trovão. Satanás (Paulo Freixinho) silva como o Gollum do "Senhor dos Anéis", trilogia cinematográfica de Peter Jackson, a partir de J.R.R. Tolkien. É ele que faz pecar Eva (Lígia Roque), que logo arrasta Adão (João Cardoso), e com ele toda a humanidade até Jesus Cristo (Daniel Pinto) a vir redimir. 
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Pelo palco, desfila Abel (Pedro Frias), o justo pastor assassinado pelo irmão, Caim. E o inquebrável Job, atingido por sucessivas perdas. E Abraão (Jorge Mota), Moisés (Alberto Magassela), David (José Eduardo Silva), Isaías (Mário Santos), a representar a Lei da Escritura. E, depois deles, João Baptista (João Pedro Vaz), Jesus Cristo. E, entre eles, o Mundo (Pedro Almendra), o Tempo (João Castro), a Morte (Alexandra Gabriel). A Morte, neste espectáculo, é pálida, frágil, andrógina. E Jesus Cristo transborda cor, calor, humanidades.
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O encenador não combinou com José Saramago, que acaba de lançar o livro "Caim". Parece-lhe "absolutamente pertinente" debater a vida, a religião. "Pode a nossa sociedade estar arredada desse livro fundamental, que é a Bíblia?", pergunta. "Parece que há um luxo, mais entre os católicos do que entre os protestantes, de não querer saber, de não querer reflectir."
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Carinhas encara "Breve Sumário da História de Deus" como "um poema sobre um poema". E nele enxerta três poemas contemporâneos: o Salmo 139, traduzido por Herberto Hélder, "Palavras de Jacob depois do sonho", de Ruy Belo, e "Reconciliação", de Else Lasker-Schuler.
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Não acha que falta qualquer coisa ao "Breve Sumário..." para viver enquanto narrativa: "Adoro este auto. Acho Gil Vicente um génio. Há bocados de Gil Vicente que me lembram Camões". Julga até "um disparate" pensar em actualizar a sua linguagem. Parece-lhe, porém, "legítimo" fazer aqueles enxertos, produzir sobressaltos, "suspensões de sentido" nos ouvidos os espectadores através de "linguagens diversas". E assim dele "aproximar o texto".
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