Discurso de Lula da Silva (excerto)

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terça-feira, 24 de novembro de 2009

Roubo ou arte? A obra alheia continua a inspirar artistas

Rádio Renascença
Inserido em 23-11-2009 17:27
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A bandeira dos EUA, transformada pela Adbusters. Foto: Adbusters
À margem das grandes editoras, vários músicos fazem da apropriação de sons criados por outros artistas parte fundamental da sua estética - por pura diversão, como Girl Talk, ou como forma de protesto político. Outros artistas de diferentes áreas pegam nos símbolos da sociedade para a questionar.

Um músico arrisca-se a um processo judicial se utilizar um pedaço de uma canção de autoria alheia numa obra sua sem autorização dos detentores dos direitos de autor da obra. E se esse pedaço alheio fosse registado num espaço público (uma feira popular ou numa rua agitada) no meio do barulho ambiente? As leis dos direitos de autor ainda se aplicariam? Foi com base em perguntas como esta que o músico alemão Jan Jelinek fez “Circulations”, o primeiro objecto da sua Gesellschaft  zur Emanzipation des Samples (Sociedade para a Emancipação do Sampling), conhecida pela abreviatura GES.
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Jelinek pôs a tocar gravações de artistas como Rolling Stones, Beatles, Springsteen, Ian Dury e The Pretenders em contextos públicos. A própria gravação é já um acto artístico, dado que a canção original degrada-se e ganha novos significados quando posta em confronto com o meio envolvente. Mais tarde, Jelinek processou as gravações. Roubo, dirão os mais zelosos; arte, dirão muitos outros, sobretudo os mais atentos à história do sampling (uso de sons de autoria alheia em contexto artístico).
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“Não tenho nada contra a ideia de direitos de autor”, avisa o músico à Renascença. “Pelo contrário: penso que os direitos de autor são importantes, desde que não funcionem de uma forma repressiva”.
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Segundo Jelinek, cerca de 90% das disputas judiciais relacionadas com direitos de autor acabam com um acordo entre as partes. Ou seja: o que assusta os artistas são os custos de manter um processo em tribunal. A GES é uma associação informal criada para apoiar financeiramente os músicos que forem intimados pela justiça.
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Jelinek não está sozinho na luta por um entendimento menos restritivo da lei dos direitos de autor. A ideia de apropriação como técnica artística tem já uma longa tradição na arte (basta lembrar o que Marcel Duchamp fez, em 1917, com um urinol, chamando-lhe “Fonte”), mas ainda não é pacífica na indústria fonográfica.
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Em 2004, Danger Mouse misturou “The Black Album” do rapper Jay-Z com o “álbum branco” dos Beatles e fez “The Grey Album”. A EMI, detentora dos direitos de autor dos Beatles, conseguir impedir a sua distribuição comercial (Danger Mouse desistiu de o fazer voluntariamente), mas surgiu um movimento na Internet para distribuir o disco na rede de forma gratuita.
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Para Steev Hise, que já fez álbuns baseados em material de outros autores, este tipo de acções populares são a forma mais eficaz de luta contra as ameaças judiciais. Hise acredita que a Internet vai tornar os direitos de autor “irrelevantes”, a não ser que as grandes empresas ganhem um maior controlo sobre a rede. E basta “passear” pelo YouTube para encontrar um número infindável de remisturas, telediscos e cruzamentos hilariantes (como Kanye West a interromper um discurso de Obama ou vídeos de virtuosos da guitarra eléctrica a que foi retirado o som original e substituído por interpretações embaraçosas).
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Esta cultura de remistura que a Internet banalizou é gerada por um “exército” de amadores, interessado apenas na diversão. Philo T. Farnsworth, responsável pela editora Illegal Art (especializada em música baseada em samples), acredita que os velhos modelos devem desaparecer “quando a ‘geração download’ liderar [a indústria fonográfica]”. “A Internet está a mudar tudo. O resto da sociedade acabará por acompanhá-la”, diz.
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Manipular os símbolos
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O uso de material protegido por direitos de autor é, há muito tempo, um acto político. Já nos anos 1960, situacionistas como Guy Débord louvavam o “detournement”, a utilização de uma imagem, mensagem ou artefacto já existente para criar um novo sentido.
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É esse o princípio do culture jamming, termo cunhado em 1984 pelos Negativland, músicos que fazem crítica social através da colagem e da citação de material alheio. Um exemplo: em parceria com a banda pop anarquista Chumbawamba, os Negativland puseram os Teletubbies a dar aulas básicas de anarquismo (no disco “ABCs of Anarchism”, lançado em 1999)
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A revista Adbusters, fundada em 1989, é um dos veículos deste tipo de expressão. “Culture jamming" é, basicamente, pegar num anúncio, um cartaz, qualquer coisa, e alterar completamente a sua mensagem. Dessa forma, pode-se fazer as pessoas pensar sobre todos os anúncios que lhes são impostos e a mensagem que trazem”, explica Lauren Bercovitch, da Adbusters.

Entre as acções da Adbusters estão "sapatos éticos" que imitam modelos famosos detidos por grandes marcas e a afixação de um cartaz “publicitário” em Nova Iorque com a bandeira dos Estados Unidos, em que as estrelas são substituídas pelos logótipos de marcas como a Nike.
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Nos trabalhos sonoros de Steev Hise está muito presente esta crítica da sociedade pela subversão dos seus símbolos. ”Sempre vi o sampling como aikido ou jujitsu [artes marciais] artístico, pondo a força do inimigo contra ele”, diz.
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site que Hise mantém chama-se Detritus, uma referência ao “lixo” cultural produzido pelo capitalismo pós-industrial. Nele encontramos artistas como o norte-americano Mark Napier, que transformou a Barbie digitalmente para fúria da Mattel. O fabricante de brinquedos também não achou muita graça às fotografias de Tom Forsythe, que põem a Barbie em contextos muito diferentes daqueles que costumam ser associados à boneca.
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“A arte é uma ferramenta para ser usada (como o trabalho, a acção directa, o debate, etc.). Estes símbolos estão no domínio público e, com algum cuidado, podem ser manipulados. O maior problema são as leis de direitos de autor, o que torna divertido jogar com elas”, diz Boff Whalley, membro dos Chumbawamba
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A música nas mãos dos advogados
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Há nove anos, os Chumbawamba lançaram uma versão de uma canção sua, “Pass It Along”, com samples de artistas como os Metallica, os Beatles e Elvis Presley - uma forma de criticar o discurso anti-pirataria de parte da indústria musical.
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Não tiveram problemas legais, já que puseram a canção a circular livremente na Internet. “A partir do momento em que se faz algo disponível comercialmente, ou fixado num objecto físico, há problemas. O que é ridículo e mostra o quão antiquada esta indústria é”, diz Boff.
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Para a indústria discográfica, o licenciamento de samples tornou-se uma fonte de receitas. O hip-hop, por exemplo, recorre muito a esta técnica. A diferença entre um artista como Kanye West, que utiliza a parte instrumental de “Move On Up” de Curtis Mayfield em “Touch The Sky”, e artistas como Steev Hise ou Girl Talk é que os últimos não têm condições financeiras (nem interesse) para pedir autorizações. No caso de Girl Talk, cujos discos recorrem a centenas de samples, seria até virtualmente impossível.

“A música está na mão dos advogados. O que poderia ser pior?”, atira Boff. “O sampling foi transformado em algo fora da lei. É cada vez mais difícil ‘samplar’ algo. Houve um tempo em que baseávamos o nosso som em samples e batidas roubadas. Isso já não pode acontecer porque as editoras e os advogados entraram no processo”.
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Pedro Rios

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