Discurso de Lula da Silva (excerto)

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segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Uma década de (nova) cultura

Já no século XVI, Luís de Camões sabia que "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades". Os seus versos mantêm a actualidade do aforismo no virar do milénio. Assim aconteceu nas letras, no cinema e nas artes. Clique para visitar o canal Life  Style.

Alexandra Carita
20:56 Sábado, 9 de Jan de 2010



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FOTO 1- Portugal na rota das artes
A periferia da Europa já não rima com Portugal. Pelo menos no que diz respeito ao circuito artístico. A aproximação ao centro europeu e, por conseguinte, mundial, foi feito através da música em primeiro lugar. As grandes bandas internacionais passaram a incluir o país na rota das suas digressões e atrás delas veio todo o tipo de agrupamentos musicais, do jazz à música experimental, da world music às grandes produções clássicas. Os festivais de Verão e a Festa da Música (CCB) deram uma ajuda significativa para olear a máquina, que se estendeu depois às artes plásticas e performativas. Instituições como Serralves, CCB, Culturgest e Gulbenkian receberam e co-produziram algumas das mostras e espectáculos que mais deram que falar no universo artístico do mundo ocidental. Frida Kahlo e Robert Rauchenberg rivalizaram com Madonna e Amy Winehouse. (na foto)
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Cultura é Economia O século XXI atribuiu à Cultura um outro significado. O termo, para além de continuar a agregar em si todo o conjunto de capacidades artísticas nos seus diversos domínios, o pensamento intelectual, o desenvolvimento do conhecimento em geral e o somatório dos costumes, tradições e da herança social de cada comunidade, passou a integrar-se no contexto da Economia. A Cultura é hoje mais do que um conceito, é um factor económico para o qual cada país olha com toda a atenção na perspectiva da obtenção de proveitos financeiros. É assim que surge o turismo cultural. É desta forma que a publicidade agarra os mais altos valores culturais e os alia às mais diversas entidades e marcas. E é assim que a Cultura passa a ser, ela própria, uma marca, um filão económico e um produto que se propõe exportar valores e importar divisas. Este novo conceito tem vindo a ser desenvolvido no seio de entidades como a UNESCO, e, dentro do contexto europeu, da própria UE, testado e posto em prática por cada Governo dos 27. A aposta de Portugal consolida-se numa estratégia de divulgação do património e em iniciativas do Ministério da Economia, com a tutela do Turismo de Portugal, como a criação do Allgarve e projectos semelhantes.
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FOTO 2 - Cinema digital/3D Os dias da película já passaram. O século XXI inaugurou a era do digital e anunciou o advento do 3D. Isso mesmo. Ir ao cinema é coabitar com os actores e os cenários em que se movem na mesmíssima sala. Lado a lado, tu cá, tu lá. "U2 3D", de Catherine Owens e Mark Pellington, estreado em 2008, é a mais avançada prova das potencialidades que um filme de acção ao vivo, filmado, produzido, e exibido exclusivamente com tecnologia 3D, pode alcançar. O ecrã deixa praticamente de existir e o público/plateia passa a situar-se no meio da acção, vendo-a como real e como se dela participasse. Do lado oposto, sobram, salvo seja, os grandes filmes de culto, de velhos (embora, Coppola tenha afirmado recentemente que também vai aderir ao 3D) e novos realizadores. Cada vez mais fora do baralho estão os chamados "blockbusters".
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FOTO 3 - Espectáculos para bebés Os espectáculos infantis sempre existiram, mas os agentes culturais portugueses olhavam-nos de forma tímida. As suas apresentações eram pouco expressivas e a qualidade deixava bastante a desejar. Com a criação do Centro de Pedagogia e Animação do CCB, em Lisboa, nos já idos anos 90, eles passaram a ser encarados como instrumento essencial para a formação das crianças. O empurrão foi tão eficaz que até os bebés se tornaram num público alvo respeitado ao mais alto nível. Concertos, espectáculos de teatro, ateliês sensoriais, oficinas de artes plásticas, workshops de movimento são hoje oferta corrente e comum em todos os serviços educativos dos principais espaços culturais de Norte a Sul do país. Ganharam as crianças e os pais e os artistas.
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FOTO 4 - Lixo editorial Nunca se publicou tanto como nesta década. Quinze mil livros por ano, 40 por dia, são os números portugueses. Mas nunca se leu tanta "literatura de cordel", chamemos-lhe assim. O fenómeno não é português, esclareça-se. Portugal segue à risca a produção editorial internacional em termos quantitativos e qualitativos. Esta evolução do mercado centra-se na mutação da figura do escritor, a quem se deixou de exigir qualquer tipo de créditos literários para se lhe impor antes créditos de popularidade, por um lado - quanto mais conhecido do público for o autor, mais o livro que escrever vai vender (destaque para as estrelas televisivas no caso português). Por outro, prende-se a mudança com a rotatividade acelerada das publicações no mercado livreiro, que por sua vez se associam ao verdadeiro negócio em que o livro se tornou, com lucros a dividir por editoras, distribuidoras, livrarias de grandes superfícies e livreiros. De fora ficam os "antigos" escritores. Deste negócio, só os "novos" escritores, autores de best-sellers nacionais e internacionais, tiram dividendos.
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Rede cine-teatros O país deixou definitivamente de ser Lisboa e arredores em matéria de oferta cultural. A rede de Teatros e Cine-teatros, construída no âmbito do POC (Plano Operacional da Cultura), numa parceria entre os poderes central e autárquico, permitiu que os espectáculos de todas as disciplinas performativas (teatro, dança, música) viajassem pelo interior, que o cinema voltasse a muitas capitais de distrito, e que muitas exposições se tornassem itinerantes. O resultado vê-se no aumento da produção artística nacional à mesma proporção do aumento da procura cultural. E está espelhado em cada festival, por mais pequeno que seja, que cada concelho passou a programar.
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O boom da fotografia Com as obras dos grandes nomes das artes plásticas já esgotadas nas mais importantes colecções privadas, e as poucas que sobram a preços proibitivos, a fotografia tornou-se, nesta década, um fruto cada vez mais cobiçado. O boom da arte fotográfica, no entanto, prende-se também com a proximidade do público em geral com a tecnologia digital. Fotografar passou a ser acessível a toda a gente desde o aparecimento da tecnologia digital. Há máquinas para todos os gostos e bolsas, de todas as formas e feitios. Fotografa-se de câmara em punho, de telemóvel no ar e já nem é preciso esperar para ver o resultado. Se não ficou bem, apaga-se e fotografa-se outra vez. A mediatização de prémios e concursos de fotografia, como o internacional World Press Photo ou o português BESPhoto, contribuíram ainda mais para atrair o público pela fotografia.
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FOTO 5 - Downloads Para ouvir um álbum ou um tema que seja de qualquer intérprete ou agrupamento musical já não é preciso comprar um disco. Basta ir à Internet e fazer o download. Descarregar CD inteiros, músicas avulso para as ouvir, gravar e voltar a ouvir está à distância de um clique, a preço zero e acessível a todos. A indústria discográfica entrou em queda livre e explodiu a guerra dos direitos de autor. A ilegalidade ou legalidade dos downloads, que têm como consequência a perda de milhares de royalties para os artistas, é tema central em todos os parlamentos. As leis não são cumpridas e muitos músicos passaram a optar por disponibilizar nos seus sites oficiais registos gratuitos. Os concertos e espectáculos passaram a ser maior fonte de rendimento e os preços subiram vertiginosamente, ao mesmo tempo que as edições que se vendem no mercado são cada vez mais luxuosas. O objectivo é atrair o público especializado, os fãs incondicionais e os coleccionadores. Caricato é que, a salvar as editoras estão os toques de telemóvel com os temas mais populares dos grandes nomes da música. Esses sim, ainda pagos.
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FOTO 6 - Reinventar o museu O museu do século XXI deixou de ser uma casa fechada onde as paredes exibem obras de arte. A revolução chegou com as novas tecnologias multimédia, mas sobretudo com a noção de que a arte é um bem vivo. A nova norma vigente assenta na criação de museus que interajam com o público, que não sejam estanques e que atraiam a atenção do visitante várias vezes ao ano. Isto traduz-se por diferentes percursos expositivos da mesma colecção, pela existência de espaços de exposições temporárias e pela apresentação de actividades de várias índoles (lúdicas, musicais, formativas...) dentro do museu. Em simultâneo, a mais-valia que o espaço museológico passou a representar permitiu a sua multiplicação. Projectos arquitectónicos assinados pelos grandes mestres ajudaram a colocar cidades como Bilbao no mapa (Guggenheim, de Frank Gehry) foi o primeiro passo. Os outros percorreram o mundo. Portugal fez o Museu de Serralves no virar do milénio, Souto Moura renovou o Grão Vasco, em Viseu, em 2004, Paulo David "inventou" a Casa das Mudas, na Madeira, na mesma altura, o CCB albergou o Museu Berardo, em 2007, a ampliação do Museu do Chiado já está aprovada, O Museu do Design e da Moda inaugurou este ano na Rua Augusta, e espera-se a criação do Museu da Língua.
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FADO Amália, nos idos anos 60, tinha conseguido que o mundo conhecesse uma "estranha forma de música". O fado correu os cinco continentes e ganhou fama. Esmoreceu depois, ficou quase esquecido. Só no século XXI, o fado voltou à ribalta. O seu público cresceu exponencialmente. Portugal voltou a ouvi-lo, mais do que nunca (os discos de fado são os que mais vendem dentro da categoria de música portuguesa), Lisboa ofereceu-lhe um museu e o mundo presta-lhe homenagem, não só com plateias esgotadas e rendidas, mas também através de nomeações para os mais prestigiados prémios musicais (Grammy Awards). O cinema dedica-lhe filmes inteiros ("Fado", de Carlos Saura), chama-o para as suas bandas sonoras. As novas vozes que o levaram em braços foram muitas. Mariza, Camané, Ana Moura, Mísia, Joana Amendoeira, Mafalda Arnauth, Cristina Branco... O trabalho mais duro, feito nos quarenta anos que marcam este interregno, tem a assinatura de Carlos do Carmo. E tem também a persistência de um conhecimento raro passado a todas as gerações por Rui Vieira Nery.
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(Texto publicado na Revista Única do Expresso de 31 de Dezembro de 2009)
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6 comentários
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Miranda07 (seguir utilizador), 2 pontos , 21:54 | Sábado, 9
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Um dos grandes problemas que a Cultura tem hoje é a dificuldade cada vez maior em distinguir objectos verdadeiramente culturais, de objectos que apenas o parecem ser ou, sobretudo, de objectos que se dizem culturais mas, de facto, não passam de lixo. O livro é o exemplo que tenho em mente. É que a transformação do livro, e da cultura, num negócio, hoje publica-se de tudo... desde que se almeje algum lucro no fim. Mas, de facto, 70-90% do que se publica (minha estimativa) não o merece ser e não é mais do que um atentado ecológico e isso num duplo sentido: pelos recursos que se esbanjam e, sobretudo, pelas mentes que se deturpam, confundem ou até, quem sabe, mesmo destrói. E ainda mais um aspecto acerca do Livro, sobretudo em Portugal: dado que o que as pessoas mais compram é lixo, as editoras produzem cada vez mais lixo; os distribuidores distribuem cada vez mais esse lixo e, consequentemente, cada vez menos ou nada do que realmente valeria a pena ler, do que realmente poderia trazer alguma coisa ao mundo cultural das pessoas. Para além de que hoje, em Portugal, entregar um livro sério a um Distribuidor é o mesmo que cometer haraquiri: é que distribuidores que, mesmo vendendo, não pagam, em Portugal, parecem ser a regra e não a excepção. O dicionário tem um nome técnico para casos assim, mas eu não tenho dicionário à mão e, por isso, deixo o nome para depois. Mas uma coisa é certa: quando a cultura se faz apenas negócio, o negócio de cultura passa a ter cada vez menos.
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Paulo Pedroso (seguir utilizador), 2 pontos , 16:22 | Segunda-feira, 11
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Não se questiona o facto do mercado de produção cultural se estar a massificar, depois de algumas décadas em que se assistiu à massificação ao nível do consumo. Não se questiona a inundação de produtos culturais pouco rigorosos, pouco coerentes e muito pouco exigentes.
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Mas, quer se queira quer não, faz parte da lógica da produção e da reprodução culturais a necessidade de um mercado activo que distinga o trigo do joio, que separe o belo, o excelso e o sublime do feio, do grotesco e do repugnante.
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Assim, por exemplo, quando se editam discos com o Papa João Paulo II a tentar cantar o angelus ou com o Papa Bento XVI a cantarolar umas coisas em latim, está-se a produzir cultura ou lixo?

Prrrrrrriiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!
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Penalty!!!! Golo!!!!
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Ui, ui! Que tenho de regrassar ao meu campo e vou ter de passar por jogadores que não gostam de sofrer golo! Será que chego lá sem levar umas valentes caneladas?
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Marta Marques (seguir utilizador), 1 ponto , 19:38 | Domingo, 10
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Falta melhor gestão e uma cuidada atenção à cultura de qualidade (apesar de isto ser bastante relativo).
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No entanto, a diferença mais evidente em relação a países onde a cultura prolifera (como USA ou Inglaterra) é o mecenas. Portugal depende em tudo do Estado e tem poucas empresas ou particulares que se empenhem na cultura nacional, o que a longo prazo iria dar muitos frutos a todos os níveis. Afinal a cultura é a base de uma boa formação e de um bom profissional seja qual for a sua área.
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Devo dizer que sinto particular falta de uma indústria cinematográfica que apoie filmes que interessem aos portugueses. E não depender sempre do Estado para fazer um filme para o umbigo do realizador ou um filme que quer ser igual ao de um "Tarantino", mas sem meios humanos e técnicos para o fazer. O cinema é uma máquina importante da cultura de um país e basta-nos olhar para a recente indústria do cinema espanhol, inglês, francês, alemão ou italiano.
Devo dizer que senti falta de uma menção à Casa da Música que trouxe (para além de Serralves e do TNSJoão) uma nova cultura de qualidade ao Porto e todo o norte de Portugal, com bons preços, que pensa na juventude, na modernidade sem esquecer o passado e dá a Portugal uma fantástica ONP, uma maravilhosa Orquestra Barroca, uma visão de futuro com o Remix Ensemble e o primeiro coro profissional do norte. Assim como une o erudito, ao jazz, ao fado, ao rock e à música electrónica! É uma visão contemporânea do que deve ser a música do séc. XXI!
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