Fausto
Porto, Casa da Música (Sala Suggia)
Sábado, 1 de Maio, 22h00
Lotação esgotada
4 estrelas (em cinco)
Público - 02.05.2010 - 12:48 Por João Pedro Barros
Fausto (Fernando Veludo)
Fausto não é um músico de muitos discos e concertos, o que explica que apenas se tenha estreado na Casa da Música no sábado. Porém, a partir do momento em que aceitou o convite para encerrar o Festival Música e Revolução, não seria de esperar um alinhamento comum. Alguns espectadores aguardariam os seus maiores êxitos – e ouviu-se “Rosalinda” –, mas “Foi por ela” ou “Navegar, navegar” foram ausências notadas. O cantautor optou por seguir o tema que lhe foi proposto e fazer uma espécie de retrato do país, bem a propósito das comemorações do 25 de Abril e do 1.º de Maio. A palavra “crise” terá passado pela cabeça de muita gente, mas Fausto não terá propriamente cedido ao espírito do tempo: ele está no mesmo lugar de sempre, contestatário, utópico e observador. “Quem canta sempre se levanta/ calados é que podemos cair”, pôde ouvir-se logo à primeira canção, “Atrás dos tempos outros tempos vêm”, de 1977. Na plateia, Pedro Silva Pereira, ministro do Estado e da Presidência, aplaudiu sem reservas; poucos lugares ao lado, José Mário Branco não terá deixado de pensar que a cantiga ainda é uma arma.
Mesmo quando procurou inspiração no passado (como em “Por Este Rio Acima”, álbum de 1982 que tem como base as viagens de Fernão Mendes Pinto), Fausto nunca deixou de fazer ligações com o presente. Por isso, não lhe faltava material para construir uma espécie de mosaico sobre a sociedade portuguesa: o alinhamento foi desde “P’ró que Der e Vier”, gravado poucos dias antes da revolução de Abril, e o mais recente trabalho, “A Ópera Mágica do Cantor Maldito”, de 2003. Pelo meio, houve uma incursão por “assuntos europeus”, com “Lusitana” (“ó minha amada/ das epopeias/ tu és toda em latim/ e a mais mulata sim/ das europeias”) e Europa Querida Europa (“para que sejas tu mesma a decidir o teu uso/ para que sejas tu mesma ainda mais natural/ não me toques o “beat” à americana”). Mesmo que não o quisesse, Fausto estava a falar dos portugueses e do mundo, hoje.
Em palco, Fausto fez-se acompanhar por seis competentes músicos, com destaque para o duo de percussionistas João Ferreira e João Mário Santos, que soube dar o devido cheiro africano aos temas que o pediam. Filipe Raposo e Enzo d’Averza, nos teclados, inseriram elementos subtis e não raras vezes surpreendentes e ousados, o que mostra que Fausto não está parado no tempo nem preso à música tradicional portuguesa. De forma equilibrada, o colectivo foi alternando composições mais nostálgicas com outras mais enérgicas, como “A nova-brigada-dos-coronéis-de-lápis-azul” – com dois adufes e coro colectivo –, numa recta final dedicada na íntegra ao álbum A Ópera Mágica do Cantor Maldito. Não terá sido também por acaso que o único tema do “encore” foi o irónico “Roupa velha”: “baixa a bainha/ rasga o pé-de-meia/ quando é magra a ceia/ quem nos há-de aguentar/ oh bonitinha.” Em resumo: tudo limpo, escorreito (tirando algumas hesitações nas letras), com brilho e espírito contestatário. Ainda assim, uma boa parte do público terá saído da Casa da Música algo desapontado: no final da hora e meia de espectáculo, quase toda a plateia clamou, durante uns bons cinco minutos, pelo regresso de Fausto ao palco. O cantor maldito não lhes fez a vontade.
Texto corrigido às 20h22
.Mesmo quando procurou inspiração no passado (como em “Por Este Rio Acima”, álbum de 1982 que tem como base as viagens de Fernão Mendes Pinto), Fausto nunca deixou de fazer ligações com o presente. Por isso, não lhe faltava material para construir uma espécie de mosaico sobre a sociedade portuguesa: o alinhamento foi desde “P’ró que Der e Vier”, gravado poucos dias antes da revolução de Abril, e o mais recente trabalho, “A Ópera Mágica do Cantor Maldito”, de 2003. Pelo meio, houve uma incursão por “assuntos europeus”, com “Lusitana” (“ó minha amada/ das epopeias/ tu és toda em latim/ e a mais mulata sim/ das europeias”) e Europa Querida Europa (“para que sejas tu mesma a decidir o teu uso/ para que sejas tu mesma ainda mais natural/ não me toques o “beat” à americana”). Mesmo que não o quisesse, Fausto estava a falar dos portugueses e do mundo, hoje.
Em palco, Fausto fez-se acompanhar por seis competentes músicos, com destaque para o duo de percussionistas João Ferreira e João Mário Santos, que soube dar o devido cheiro africano aos temas que o pediam. Filipe Raposo e Enzo d’Averza, nos teclados, inseriram elementos subtis e não raras vezes surpreendentes e ousados, o que mostra que Fausto não está parado no tempo nem preso à música tradicional portuguesa. De forma equilibrada, o colectivo foi alternando composições mais nostálgicas com outras mais enérgicas, como “A nova-brigada-dos-coronéis-de-lápis-azul” – com dois adufes e coro colectivo –, numa recta final dedicada na íntegra ao álbum A Ópera Mágica do Cantor Maldito. Não terá sido também por acaso que o único tema do “encore” foi o irónico “Roupa velha”: “baixa a bainha/ rasga o pé-de-meia/ quando é magra a ceia/ quem nos há-de aguentar/ oh bonitinha.” Em resumo: tudo limpo, escorreito (tirando algumas hesitações nas letras), com brilho e espírito contestatário. Ainda assim, uma boa parte do público terá saído da Casa da Música algo desapontado: no final da hora e meia de espectáculo, quase toda a plateia clamou, durante uns bons cinco minutos, pelo regresso de Fausto ao palco. O cantor maldito não lhes fez a vontade.
Texto corrigido às 20h22
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