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sábado, 2 de outubro de 2010

O Tribunal da Inquisição no Brasil - Evandro Domingues

>> Geografia e História

O Tribunal da Inquisição no Brasil
Por Evandro Domingues      Atualizado em 11/10/2005 3:37:34 PM 
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O Tribunal da Santa Inquisição foi instrumento fundamental da Contra-Reforma, ao lado da Companhia de Jesus, tratando de reforçar os dogmas da Igreja Católica e combater as dissidências protestantes.
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Também conhecido como tribunal do Santo Ofício, a inquisição foi estabelecida na Espanha (1478) e em Portugal (1536) antes, porém, do Concílio de Trento, marco da Contra-Reforma: o concílio (1545-1563), convocado pelo papa Paulo III para assegurar a unidade de fé e a disciplina eclesiástica, reforçaria, na verdade, a ação dos novos tribunais, que seguiam a maneira de atuar das inquisições medievais, mas tinham já um caráter diferente. Enquanto no período medieval, os inquisidores eram nomeados pelo Papa para combater movimentos contestadores da Igreja, considerados heresias, na época moderna, os inquisidores são nomeados pelos reis e atuam por intermédio dos tribunais estabelecidos nos reinos, com a autorização do Papa.
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Os novos tribunais da Inquisição surgem no contexto da Reconquista e retomada dos territórios espanhóis sobre influência e domínio dos mouros pelos Reis Católicos, em fins do século XV. Nesse momento, a Inquisição assume um papel fundamental no processo conflituoso de constituição do Estado moderno espanhol, pautado pela idéia de unidade em torno da fé católica, determinando a perseguição dos marranos e mouriscos (judeus e mouros convertidos ao cristianismo) e a emigração em massa das famílias judaicas para Portugal.
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Um processo conturbado envolveu a autorização para o estabelecimento do Tribunal da Inquisição em Portugal, em 1536. Inicialmente, o rei D. Manuel determinou a conversão em massa dos judeus em 1496-97, incluindo os judeus espanhóis que haviam se fixado no reino, sob pena de expulsão. O rei português procurou, com isso, evitar a emigração dos judeus (muitos se dirigiam a Amsterdã e aos estados italianos sob a autoridade do Papa) diante da pressão de setores do clero e da nobreza que insistiam em estabelecer a Inquisição em Portugal, apoiados pelo rei da Espanha, Carlos V. 
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A relutância inicial da Coroa portuguesa e as punições impostas àqueles que hostilizassem os cristãos-novos (judeus convertidos ao cristianismo) deram lugar, no reinado seguinte, a um empenho pessoal do rei D. João III, junto à Cúria romana, para a nomeação de inquisidores em algumas dioceses em 1536. 
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Estandarte utilizado nas procissões da Inquisição  portuguesa, mostrando os símbolos e o lema da Inquisição: “misericórdia e justiça”
Embora a atividade da Inquisição em Portugal somente seja plenamente autorizada pelo Papa em 1747, através de subornos e favorecimentos de indivíduos ligados à Cúria romana, e da pressão do rei da Espanha, as primeiras condenações ocorrem em 1540. Desde o início, os cristãos-novos, suspeitos de manter o judaísmo em segredo, figuram como o principal alvo dos inquisidores portugueses. 
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Alguns dos tribunais distritais instalados nesse período estiveram ativos até a extinção da Inquisição portuguesa, em 1821. Funcionaram em regiões onde a circulação de idéias podia favorecer o aparecimento de heresias, no entender dos inquisidores, e onde havia concentração de cristãos-novos ligados à administração central, em Évora (presença da Corte), à burguesia comerciante e marítima de caráter internacional, em Lisboa (domínio sobre o mundo atlântico), e aos centros de formação intelectual e profissional, em Coimbra (reduto cultural). 
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Ao contrário da Inquisição espanhola, que criou vários tribunais nos domínios coloniais da América, a Inquisição portuguesa criou apenas um tribunal fora do reino: o Tribunal de Goa, na Índia (1560), encarregado de zelar pela prática religiosa católica nas conquistas orientais portuguesas e territórios da costa oriental da África. O Brasil e demais possessões portuguesas no Atlântico permaneceram sob a vigilância do tribunal da Inquisição de Lisboa. 
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Representação de auto de fé, cerimônias públicas em que eram condenados os réus da Inquisição
Era grande a concentração de cristãos-novos nas atividades associadas à burguesia mercantil, neste período, e a perseguição da Inquisição em Portugal determinou a fuga desses indivíduos para locais de maior tolerância, fossem na Europa, ou nas áreas de colonização do “além-mar”.
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A presença de cristãos-novos nas áreas coloniais portuguesas foi importante no período. Itinerantes, atuando como agentes de casas comerciais, ligados à Antuérpia, Amsterdã e Hamburgo (sustentando e intermediando o tráfico de açúcar, especiarias e pedras preciosas), ou estabelecidos como fazendeiros e comerciantes (fornecendo escravos e escoando a produção colonial), os cristãos-novos exerciam posição de relevo no comércio das rotas atlânticas e nas conexões financeiras com a Europa. 
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Perseguidos no reino, muitos cristãos-novos encontraram refúgio no Brasil, fixando-se na Bahia, Pernambuco e, posteriormente, no Rio de Janeiro, como senhores de engenho, comerciantes de grosso trato e contratadores.

Atuação do Tribunal da Inquisição no Brasil

No período inicial da ocupação e colonização dos territórios portugueses, a autoridade inquisitorial foi confiada aos bispos, com a criação da diocese da Bahia, em 1551. No entanto, foi muito pouco efetiva a atuação dos bispos nas questões de heresia, por não existir ainda, no Brasil, uma estrutura eclesiástica necessária às demandas da Inquisição. 
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A atuação da Inquisição no Brasil aconteceu por meio das visitações, inicialmente, até o aparecimento progressivo de uma estrutura de funcionários a serviço do tribunal, expressiva somente a partir da segunda metade do século XVII, e consolidada no século XVIII. As visitações foram utilizadas também nos primeiros anos de atuação do tribunal em Portugal: ligadas à administração eclesiástica das localidades, funcionavam como uma “inquisição volante”, inspecionando e ouvindo confissões, denúncias e rumores sobre os “crimes” que interessavam ao Santo Ofício, associados à heresia.
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De certa maneira, as visitações guardariam semelhanças com as inquisições medievais, na medida em que os inquisidores portugueses foram enviados à Colônia para investigar práticas, comportamentos e costumes associados à heresia em determinadas localidades. 
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A primeira visita de um inquisidor ao Brasil ocorreu no final do século XVI, estendendo-se às regiões da Bahia, Pernambuco, Itamaracá e Paraíba (1591-1594). Existem interpretações divergentes dos motivos da visitação. Fosse a perseguição aos cristãos-novos e confisco dos seus bens, dada a prosperidade açucareira do nordeste colonial (muitos dos senhores de engenho e comerciantes eram cristãos-novos), ou a necessidade de “integrar o Brasil no mundo cristão” e “investigar sobre quais estruturas calcava-se a fé” dos colonos, a razão da vinda do inquisidor esteve inserida na expansão da vigilância do tribunal da Inquisição de Lisboa sobre os territórios portugueses no Atlântico Sul. 
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A chegada do inquisidor Heitor Furtado de Mendonça causou grande impacto nas regiões visitadas. Recebido com grande autoridade e ostentação, com juramento de fidelidade e obediência por parte do bispo, da câmara municipal e demais autoridades coloniais, o visitador introduziu as formalidades características da prática inquisitorial: a afixação do edital da fé, obrigando todos a delatar ou confessar as heresias sabidas ou praticadas, e a leitura do monitório, uma lista dos crimes ou indícios que interessavam ao Santo Ofício
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Ilustrações de “sambenitos”, vestimentas que distinguiam os condenados da Inquisição
Nesse período, o domínio do tribunal ia além dos suspeitos de judaísmo: inserindo também os cristãos-velhos no rol de condenados, a Inquisição assumira as inquietações da Contra-Reforma com o avanço protestante e a tentativa de disciplinar o clero e os fiéis. O crime de heresia passa a incorporar, na altura, os desvios da fé, costumes e comportamentos, morais e sexuais, que contrariavam a ortodoxia da religião cristã. Afirmar que não havia pecado na fornicação, contestar a existência do purgatório, seguir a “seita de Lutero”, a prática da sodomia, a bigamia, a blasfêmia, a feitiçaria e o pacto com o diabo, ou mesmo contestar a pureza da Virgem Maria, a virtude dos Santos e da Santíssima Trindade eram “crimes” passíveis de serem julgados pelos inquisidores. 
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Durante a visitação, foram instaurados processos contra bígamos, feiticeiras, blasfemos e sodomitas, com a prisão e o envio de réus para Lisboa. O inquisidor enviado tinha por incumbência visitar também as “capitanias do sul” do Brasil e os bispados de Cabo Verde e São Tomé, o que não pôde cumprir por tardar tempo demais na Bahia.
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A segunda visitação do Santo Ofício enviada ao Brasil esteve a cargo do visitador Marcos Teixeira entre os anos de 1618 a 1621, ficando restrita à Bahia. O inquisidor foi incumbido de investigar a prática de heresias, sobretudo as suspeitas de que os cristãos-novos mantinham as práticas judaicas. Novos réus foram enviados presos a Lisboa. Uma possível motivação política distingue o caráter dessa visitação: a desconfiança de que os cristãos-novos, por suas ligações com os judeus de Amsterdã, poderiam auxiliar a esperada invasão holandesa ao Brasil, consumada em 1630, em Pernambuco, com visíveis indícios da cooperação de cristãos-novos. No período de ocupação holandesa, os judeus sefarditas seriam autorizados a imigrar, integrando-se à economia açucareira como mercadores e senhores de engenho, marcando um “renascimento” do judaísmo no Brasil (surgimento da “rua dos judeus” e fundação de sinagogas no Recife).
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As duas primeiras visitações inquisitoriais ao Brasil ocorreram no período da União Ibérica (1580-1640), de domínio da Coroa espanhola sobre Portugal. Por conseqüência, a Inquisição portuguesa seguiu, à época, uma orientação próxima da Inquisição espanhola, a ponto do rei espanhol determinar, em 1623, a instalação de um tribunal da Inquisição no Brasil, sediado no bispado da Bahia. O projeto, adiado pela tentativa de invasão holandesa na Bahia (1624-25) e pelo clima de instabilidade decorrente das invasões e expansão holandesa no nordeste do Brasil, iniciada em Pernambuco (1630), jamais se concretizaria. 
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A atuação do Santo Ofício no Brasil não ficou restrita, todavia, às visitações esporádicas. A partir da segunda metade do século XVI e durante todo o século XVIII, cria-se uma verdadeira “engrenagem inquisitorial” nos núcleos mais prósperos de colonização portuguesa. Essa “engrenagem” era composta de agentes da Inquisição, inseridos nas capitanias e auxiliados por visitadores nomeados pelas dioceses, encarregados de encaminhar os suspeitos de heresia para o Tribunal de Lisboa. Um grande número de réus teve seu infortúnio iniciado nas visitas ordenadas pelas novas dioceses, inquiridos depois pelos agentes da Inquisição e enviados a Lisboa, onde seriam processados e condenados a ouvir suas sentenças nos autos-de-fé (cerimônias públicas realizadas nas praças centrais ou no claustro dos conventos). 
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Representação de uma procissão de auto-de-fé, em que os condenados da Inquisição recebiam suas sentenças diante da multidão presente.
Dentre os agentes da Inquisição, presentes no Brasil colonial, destacavam-se os “familiares” e “comissários”. Os primeiros eram indivíduos letrados, encarregados de executar a prisão dos acusados e apreender os bens dos suspeitos nos crimes que implicassem confisco. Tratava-se de colaboradores leigos: mercadores, homens de negócio, militares, funcionários da administração da Coroa, navegantes, senhores de engenho, médicos, cirurgiões, estudantes, boticários etc.
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Os “comissários”, por sua vez, eram membros do clero, encarregados de instruir processos, proceder aos inquéritos e ordenar a prisão de réus suspeitos de heresia, enviando-os a Portugal para julgamento no Tribunal de Lisboa. 
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Uma terceira visitação do Santo Ofício foi ainda enviada ao Estado do Grão-Pará e Maranhão entre 1763 e 1772. Essa visita esteve a cargo do inquisidor Giraldo José de Abranches, que anteriormente havia ocupado funções de vigário-geral no bispado de São Paulo e arcediago em Mariana, diferente, portanto, dos primeiros visitadores, que não conheciam o Brasil antes do período das visitas. Trata-se de uma visitação inserida no cenário político das reformas conduzidas pelo marquês de Pombal, durante o reinado de D. José I (1750-1777). 
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Marquês de Pombal e os planos de reconstrução de Lisboa após o  terremoto de 1755
A Inquisição atuara como instrumento de perseguição política aos jesuítas através do processo inquisitorial sofrido pelo jesuíta italiano Gabriel Malagrida, importante missionário e pregador no Maranhão e Grão-Pará, responsável pela fundação de seminários e recolhimentos em Belém, São Luís e Salvador. Com grande influência na Corte portuguesa, Malagrida opusera-se às reformas pombalinas até ser acusado de envolvimento na tentativa de assassinato sofrida pelo rei D. José I em 1758. Preso por conspiração, juntamente com outros jesuítas, Malagrida foi, em seguida, denunciado ao Tribunal da Inquisição por crime de heresia pelo marquês de Pombal, na condição de “familiar” do Santo Ofício. A condenação de Gabriel Malagrida, que manteve as vestes de jesuíta durante a cerimônia do auto-de-fé, contra o costume da Inquisição, representou uma condenação simbólica de todo o corpo da Companhia de Jesus.
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A região do Grão-Pará e Maranhão, que recebeu a última visitação, adquiriu importância estratégica durante a administração pombalina, e depois da expulsão dos jesuítas interessava à Coroa substituir o modelo de catolicismo dos missionários, dominante na região, por um modelo de catolicismo em que as prerrogativas do Estado prevalecesses sobre os interesses particularistas da Igreja. São interessantes, no caso dessa visitação, a convergência de elementos culturais indígenas, africanos e europeus nas práticas investigadas pelo inquisidor Giraldo José de Abranches e o abandono das “causas de judaísmo”, precedendo a abolição da diferença entre cristãos-novos e cristãos-velhos (1773). 
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As reformas pombalinas atingiram a Inquisição a partir da atuação de Paulo de Carvalho, irmão de Pombal, na administração do tribunal, desde 1760, determinando uma progressiva alteração e diminuição da autonomia do tribunal que culminaria com a transformação da Inquisição em tribunal régio, em 1768, e a atribuição da censura à Mesa Real Censória, criada em 1769.
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Nesse período, realizam-se os últimos grandes autos-de-fé públicos feitos nas praças e recintos das igrejas e conventos de Lisboa (1765 e 1767), onde se liam as sentenças dos réus condenados pela Inquisição. A prática do tribunal português foi definitivamente reformada em 1774, por intermédio do marquês de Pombal, com o fim dos autos-de-fé e das listas impressas de sentenciados pela Inquisição, evidenciando uma mudança de postura diante da opinião negativa sobre as atividades do Santo Ofício corrente em toda a Europa. A atividade dos inquisidores portugueses e a perseguição efetuada pelo tribunal declinariam sensivelmente até sua extinção ser decretada pelas Cortes Liberais de 1821.

Para saber mais

Francisco Bethencourt. História das inquisições: Portugal, Espanha e Itália: séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
Ronaldo Vainfas (direção). Dicionário do Brasil Colonial: 1500-1808. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.
Geraldo Pieroni. Vadios e ciganos, heréticos e bruxas: os degredados no Brasil-colônia. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
Anita Waingort Novinsky. A Inquisição. São Paulo: Brasiliense, 1986 (Coleção Tudo é história).
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Laura de Mello e Souza. O diabo e a terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial. São Paulo: Cia das Letras, 1995..

Como aplicar esta matéria em sala de aula

Nesta matéria, o especialista da Unicamp, Evandro Domingues, discute o tema da Inquisição e sua presença na América portuguesa. A matéria pode ser utilizada para atualizar e complementar as informações disponíveis nos livros didáticos sobre o assunto, além de inserir o Brasil no cenário das questões religiosas que permeiam a história moderna da Europa. Além disso, a temática permite propor questões atuais relacionadas à intolerância e aos conflitos entre culturas diversas, assim como a utilização política destes conflitos, decorrente da imposição de posturas e pensamentos unilaterais. 
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