blog da Revista Espaço Acadêmico
Identidade, intolerância e as diferenças no espaço escolar: questões para debate
Outubro 17, 2009
por Eliana de Oliveira*
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Numa abordagem antropológica, a identidade é uma construção que se faz com atributos culturais, isto é, ela se caracteriza pelo conjunto de elementos culturais adquiridos pelo indivíduo através da herança cultural. A identidade confere diferenças aos grupos humanos. Ela se evidencia em termos da consciência da diferença e do contraste do outro.
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Ao longo de nossa história, na qual a colonização se fez presente, a escravidão e o autoritarismo contribuíram para o sentimento de inferioridade do negro brasileiro. A ideologia da degenerescência do mestiço, o ideal de branqueamento e o mito da democracia racial foram os mecanismos de dominação ideológica mais poderosos já produzidos no mundo, que permanecem ainda no imaginário social, o que dificulta a ascensão social do negro, pois este é visto como indolente e incapaz intelectualmente.
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A política de branqueamento que caracterizou o racismo no Brasil foi gerada por ideologias e pelos estereótipos de inferioridade e/ou superioridade raciais. A ideologia do branqueamento teve como objetivo propagar que não existem diferenças raciais no país e que todos aqui vivem de forma harmoniosa, sem conflitos (mito da democracia racial). Além desses aspectos, projeta uma nação branca que, através do processo de miscigenação, irá erradicar o negro da nação brasileira, supondo-se, assim, que a opressão racial acabaria com a raça negra pelo processo de branqueamento. Essa tese é apresentada pelo Brasil ao mundo.
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Gilberto Freire foi um dos pioneiros desse “mito da democracia racial” apregoando que existe, no Brasil, a igualdade de oportunidades para brancos, negros e mestiços. A disseminação desse mito permitiu esconder as desigualdades raciais, que eram constatadas nas práticas discriminatórias de acesso ao emprego, nas dificuldades de mobilidade social da população negra, que ocupou e ocupa até hoje os piores lugares na estrutura social, que freqüenta as piores escolas e que recebe remuneração inferior à do branco pelo mesmo trabalho e tendo a mesma qualificação profissional. A falta de conflitos étnicos não caracteriza ausência de discriminação, muito pelo contrário, o silêncio favorece o “status quo” que, por sua vez, beneficia a classe dominante.
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O movimento negro vem denunciando com freqüência o tratamento discriminatório recebido pelos negros, lutando não só para eliminar as políticas de inferiorização com respeito às diferenças raciais, mas também pela igualdade de oportunidade, que é a ética da diversidade.
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O nosso cotidiano escolar está impregnado do mito da democracia racial – um dos aspectos da cultura da classe dominante que a escola transmite –, pois representa as classes privilegiadas e não a totalidade da população, embora haja contradições no interior da escola que possibilitam problematizar essa cultura hegemônica, não desprezando as diversidades culturais trazidas pelos alunos. Assim, apesar de a escola inculcar o saber dominante, essa educação problematizadora poderia tornar mais evidente a cultura popular.
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A proposta de uma educação voltada para a diversidade coloca a todos nós, educadores, o grande desafio de estar atentos às diferenças econômicas, sociais e raciais e de buscar o domínio de um saber crítico que permita interpretá-las.
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Nessa proposta educacional será preciso rever o saber escolar e também investir na formação do educador, possibilitando-lhe uma formação teórica diferenciada da eurocêntrica. O currículo monocultural até hoje divulgado deverá ser revisado e a escola precisa mostrar aos alunos que existem outras culturas. E a escola terá o dever de dialogar com tais culturas e reconhecer o pluralismo cultural brasileiro.
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Talvez pensar o multiculturalismo fosse um dos caminhos para combater os preconceitos e discriminações ligados à raça, ao gênero, às deficiências, à idade e à cultura, constituindo assim uma nova ideologia para uma sociedade como a nossa que é composta por diversas etnias, nas quais as marcas identitárias, como cor da pele, modos de falar, diversidade religiosa, fazem a diferença em nossa sociedade. E essas marcas são definidoras de mobilidade e posição social na nossa sociedade.
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Nós, como educadores, temos a obrigação não só de conhecer os mecanismos da dominação cultural, econômica, social e política, ampliando os nossos conhecimentos antropológicos, mas também de perceber as diferenças étnico-culturais sobre essa realidade cruel e desumana.
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Olhar a especificidade da diferença é instigá-la e vê-la no plano da coletividade. Pensar numa escola pública de qualidade é pensar na perspectiva de uma educação inclusiva. É questionar o cotidiano escolar, compreender e respeitar o jeito de ser negro, estudar a história do negro e assumir que a nossa sociedade é racista. Construir um currículo multicultural é respeitar as diferenças raciais, culturais, étnicas, de gêneros e outros. Pensar num currículo multicultural é opor-se ao etnocentrismo e preservar valores básicos de nossa sociedade.
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Se a educação está centrada na dominação cultural da elite branca, o multiculturalismo – por ser uma estratégia de orientação educacional para os problemas das diferenças culturais na instituição escolar – reconhece a alteridade e o direito à diferença dos grupos minoritários, como negros, índios, homossexuais, mulheres, deficientes físicos e outros, que se sentem excluídos do processo social. Portanto, deve ser uma teoria a ser propagada.
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Segundo o Prof. Kabengele Munanga, a identidade é para os indivíduos a fonte de sentidos e de experiência. Toda identidade exige reconhecimento, caso contrário ela poderá sofrer prejuízos se for vista de modo limitado ou depreciativo.
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A realidade que enfrentamos hoje é perversa. Olhamos crianças miseráveis perambulando pelas ruas das grandes cidades, vemos pela TV e jornais o sofrimento de crianças afegãs, meninas sendo prostituídas no Brasil e na Ásia e em outros países, massacres que transformam a segurança dos poderosos em insegurança para todos nós. Ninguém exige respostas para tantas desgraças, mas de todos nós exigem um comprometimento pessoal por uma humanidade mais justa e solidária. Curiosamente sempre estamos procurando um culpado por todos esses problemas. Além disso, podemos observar no nosso cotidiano flagrantes e atitudes preconceituosas nos atos, gestos e falas. E, como não poderia ser diferente, acontece o mesmo no ambiente escolar.
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Nessa proposta multicultural, a escola poderá elaborar um currículo que permita problematizar a realidade. Mesmo não sendo o único espaço de integração social, a escola poderá possibilitar a consciência da necessidade dessa integração, desde que todos tenham a oportunidade de acesso a ela e possibilidade de nela permanecer.
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A educação escolar ainda é um espaço privilegiado para crianças, jovens e adultos das camadas populares terem acesso ao conhecimento científico e artístico do saber sistematizado e elaborado, do qual a população pobre e negra é excluída por viver num meio social desfavorecido.
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A escola é o espaço onde se encontra a maior diversidade cultural e também é o local mais discriminador. Tanto é assim que existem escolas para ricos e pobres, de boa e má qualidade, respectivamente. Por isso trabalhar as diferenças é um desafio para o professor, por ele ser o mediador do conhecimento, ou melhor, um facilitador do processo ensino- aprendizagem. A escola em que ele foi formado e na qual trabalha é reprodutora do conhecimento da classe dominante, classe esta, que dita as regras e determina o que deve ser transmitido aos alunos. Mas, se o professor for detentor de um saber crítico, poderá questionar esses valores e saberá extrair desse conhecimento o que ele tem de valor universal.
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Na maioria dos casos, os professores nem se dão conta de que o país é pluriétnico e que a escola é o lugar ideal para discutir as diferentes culturas, e suas contribuições na formação do nosso povo. Eles também ignoram que muitas vezes as dificuldades do aluno advêm do processo que está relacionado à sua cultura, tão desrespeitada ou até ignorada pelos professores.
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A nossa escola é baseada numa visão eurocêntrica, contrariando o pluralismo étnico-cultural e racial da sociedade brasileira. E os educadores e responsáveis pela formação de milhares de jovens na sua grande maioria são vítimas dessa educação preconceituosa, na qual foram formados e socializados. Esses educadores não receberam uma formação adequada para lidar com as questões da diversidade e com os preconceitos na sala de aula e no espaço escolar.
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A pequena quantidade de alunos negros nas escolas é resultado, na realidade, da desigualdade praticada pela instituição escolar e pelo próprio processo de seu desenvolvimento educacional. Também a prática seletiva da escola silencia sobre as diferenças raciais e sociais, provocando a exclusão do aluno de origem negra pobre, dos portadores de necessidades especiais e de outros.
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Trabalhar igualmente essas diferenças não é uma tarefa fácil para o professor, porque para lidar com elas é necessário compreender como a diversidade se manifesta e em que contexto. Portanto, pensar uma educação escolar que integre as questões étnico-raciais significa progredir na discussão a respeito das desigualdades sociais, das diferenças raciais e outros níveis e no direito de ser diferente, ampliando, assim, as propostas curriculares do país, buscando uma educação mais democrática.
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Embora saibamos que seja impossível uma escola igual para todos, acreditamos que seja possível a construção de uma escola que reconheça que os alunos são diferentes, que possuem uma cultura diversa e que repense o currículo, a partir da realidade existente dentro de uma lógica de igualdade e de direitos sociais. Assim, podemos deduzir que a exclusão escolar não está relacionada somente com o fator econômico, ou seja, por ser um aluno de origem pobre, mas também pela sua origem étnico-racial.
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Bibliografia:
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GIROUX, Henry A. Cruzando as fronteiras do discurso educacional: novas políticas em educação. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999
GONÇALVES, Luiz Alberto Oliveira & SILVA, Petronilha B. Gonçalves e. O jogo das diferenças: Multiculturalismos e seus contextos. Belo Horizonte: Autêntica, 1998
MUNANGA, Kabengele. O preconceito racial no sistema educativo brasileiro e seu impacto no processo de aprendizagem do “alunado negro”. IN: Utopia e democracia na Escola Cidadã. Porto Alegre: Editora da Universidade Federal de RGS, 2000.
PIERUCCI, Antônio Flavio. Vivendo o preconceito em sala de aula IN: Diferenças e preconceitos na escola alternativas teóricas e praticas. São Paulo: Summnus, 1998
__________. Ciladas da diferença. Tempo Social, 1990.
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* Psicopedagoga; Doutora em Antropologia Social da FFLCH – USP e Pesquisadora do NEINB (Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre o Negro Brasileiro da USP). Atualmente é professora e coordenadenadora do curso de Pedagógica da FMC, membro da Comissão Própria de Avaliação-CPA da Faculdade Metropolitana de Caieiras-FMC, professora do curso de Pós-Graduação da Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado-ESPGE. Publicado na REA, nº 07, dezembro de 2001, disponível em http://www.espacoacademico.com.br/007/07oliveira.htm
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