blog da Revista Espaço Acadêmico
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“Em Nome do Pai”
Outubro 3, 2009
por Marta Dalla Torre Fregonezi & Valéria Codato Antonio Silva*
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É indiscutível a importância da figura materna para o desenvolvimento psíquico da criança. Todos reconhecem a díade mãe-bebê como a relação primordial na vida de qualquer ser humano, levando-se em consideração que a criança humana nasce prematura e inacabada, necessitando portanto, dos cuidados de outra pessoa para sobreviver e, em particular, da mãe. A mãe é aquela que acolhe o bebê dede seu nascimento, e até mesmo antes, ao habitar seu mundo imaginário, oferecendo a ele um lugar a ser ocupado em seu desejo. Através dos cuidados essenciais, a mãe que nutre e protege seu bebê, acima de tudo investe de afetos sua relação com o mesmo. É o que permite a criança reconhecer o olhar, a voz, o cheiro daquela que posteriormente chamará de “mamãe”.
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No entanto, esta relação exclusiva e excludente é tão necessária nos primórdios da vida, quanto a sua ruptura. É somente através da alternância presença / ausência da mãe, que a criança poderá pouco a pouco se diferenciar e separar-se da mesma em busca de sua própria identidade, e isso só será possível quando a mãe alimenta outros desejos e interesses para além de seu bebê. Portanto, é somente a mãe quem poderá transmitir um lugar terceiro entre ela e a criança, o qual será ocupado, geralmente, pela presença do pai – um homem para quem seu desejo de mulher se vê endereçado.
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Então, o pai é aquele que “salva” o filho de uma relação dual, indiferenciada e mortífera, na medida em que separando-o da mãe (ao fazer dela sua mulher), o possibilita ingressar no mundo da linguagem, do simbólico, da cultura.
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Torna-se desta forma, imprescindível que o pai e a mãe não abdiquem de seu lugar de homem e de mulher para que a transmissão da lei seja possível.
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A figura do pai não pode se reduzir a um mero reprodutor biológico, ou como um mantenedor econômico de sua prole. Um pai não pode ser somente “pai-de-nome”. Sua palavra deve registrar uma autoridade, uma lei a preservar a saúde mental dos filhos. Portanto é “em Nome do Pai” que a criança deve abdicar de seu lugar supostamente de plenitude e completude junto à mãe para que possa “des-colar” desta e “decolar” rumo ao social, e por ter essa lei paterna inscrita em seu psíquico, isto lhe permite adequar-se a todas as leis da cultura.
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Mas o que temos presenciado nesse contexto pós-moderno em que vivemos?
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Até algumas décadas atrás, os papéis masculino e feminino eram bem definidos e claros, sendo a mulher aquela que se fazia mãe e esposa, e o homem aquele pai provedor, cuja autoridade elegia normas e ordens. Contudo, diante das mudanças sócio-culturais ocorridas e principalmente desde que a mulher saiu do mundo privado rumo ao público, deixando o ambiente doméstico em busca de outras realizações pessoais e profissionais, tal equilíbrio foi rompido.
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E, principalmente, o que se produziu foi uma mudança radical na maneira de se educar e de se relacionar com os filhos.
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Por um lado, houve uma maior aproximação entre as gerações, sendo muito freqüente hoje observarmos pais e filhos fazendo programas em comum, como por exemplo brincar no play-center, disputar jogos de computadores ou até mesmo soltando pipas e jogando bola juntos. Também é muito freqüente pais exercendo a função de “paternagem” quando se dispõe a auxiliar nos cuidados básicos com a criança (por exemplo trocar fraldas, alimentar, dar banho, etc.)
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No entanto, o pai não deve se restringir a executar tais tarefas, nem mesmo se colocar numa posição “semelhante” em relação ao filho, o que conseqüentemente o faz “irmão de seus próprios filhos”.
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O mais sério e agravante no momento atual é que à mulher é atribuído um poder incomensurável, o qual reduz a figura paterna a uma presença “dispensável”, quando não incômoda. O crescente das produções independentes (tão comuns entre atrizes globais) também está cada vez mais freqüente entre as classes mais pobres.
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O que dizer então das atuais possibilidades de concepção do ser humano, diversas da tão conhecida “Relação Sexual”? As manipulações científicas mais recentes na fecundação até mesmo excluem a célula masculina, o que possibilitaria a uma mulher se tornar mãe sem a presença ou menção a um pai, nem mesmo que fosse ele um mero doador anônimo.
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Essa mudança no papel masculino e feminino e por conseguinte de maternidade e de paternidade, os insere numa nova cena, na qual a ideologia se resume em consumir e acumular bens, o que não é sem conseqüências, já que seus sinais estão bem evidentes nas novas formas de sofrimento psíquico.
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As neuroses, frutos de um “pai terrorífico”, parecem dar lugar às fenomenologias clínicas – aneroxia, bulina, adições, fenômenos psicossomáticos, depressão, “síndrome do pânico”, suicídio, que se há bem pouco tempo faziam-se presentes, na atualidade parecem acontecer de forma epidêmica.
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Estes reflexos estão também explícitos no social, onde o declínio do Nome-do-Pai, e conseqüente indulgência às leis produz uma sociedade órfã. A ausência dessa referência terceira gera alternativas protéticas de organização social nas formações grupais ou bandos delinqüentes, ou ainda o apelo à lei detentora nos atos homicidas tão freqüentes em escolas ou lugares públicos.
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Não há como dispensar os inúmeros benefícios dos avanços da ciência e tecnologia, nem como retroceder aos velhos moldes da família, abdicando-se das conquistas femininas. No entanto, apesar do fascínio deste “Admirável Mundo Novo”, se faz necessária a cada sujeito construtor de sua história e por conseguinte de sua comunidade, uma reflexão acerca de tal realidade.
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* Psicanalistas.
Publicado na Revista Espaço Acadêmico, nº 04, setembro de 2001, disponível em http://www.espacoacademico.com.br/004/04marta.htm
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