Discurso de Lula da Silva (excerto)

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quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Virgílio Domingues na galeria Artur Bual






Virgílio Domingues na galeria Artur Bual
A arte maior atenta à comédia da vida


Em toda a obra de Virgílio Domingues a prática artística não se exclui do devir da realidade nem da análise da sua finalidade social e ideológica. É esse o território onde ancoram as suas explorações estéticas e as incursões pela história de arte, observando a sua autonomia relativa mas ficando imune, embora não desatento, à rotatividade e efemeridade das modas artísticas, às obsolescências da arte que, quando se transforma num objectivo fechado em si-próprio, se torna descartável em enredos formalistas, o que obviamente recusa e lhe é estranho.


Toda a arte traz o cunho da sua época,
mas a grande arte é onde cunho está
mais profundamente vincado
Henri Matisse, Écrits et Propos sur L’Art

Sei apenas duas coisas muito simples, disse Heikal
(…) a primeira é que o mundo em que vivemos
é regido pela mais ignóbil quadrilha de tratantes
(…) a segunda é esta: acima de tudo, convém não os levarmos a sério;
é isso que eles querem, que os levemos a sério
Albert Cossery, A Violência e o Escárnio


A escultura de Virgílio Domingues está sempre na fronteira de uma narrativa satírica feita com a matéria da memória de um episódio que se perdeu ou que se irá inevitavelmente perder na voracidade do tempo e que é moldado pelo escultor em recordação, na poética da recordação para que não resvale para o esquecimento, para que o seu conteúdo não se degrade nas sempre possíveis leituras imediatas desviantes do seu significado intemporal.
É com essas ferramentas que Virgílio Domingues trabalha com uma originalidade forjada numa lucidez radical. Olha à sua volta com crua agudeza, desmontando os mecanismos do reino deste nosso mundo, onde se legitimam os ataques aos direitos humanos, em nome desses mesmos direitos tendo por palco uma democracia de geometrias variáveis, riscada à medida dos interesses dominantes de uma minoria entrincheirada num corpo legislativo em que se afirma o direito do mais forte à liberdade. Estende uma fina rede de escuta sobre o mundo para decifrar e desarmar as novas roupagens da roupa velha do argumentário dos protagonistas da comédia diária das reformas, da modernização, do desenvolvimento, dos eteceteras futuros, que travestem a sua mediocridade em grandiloquentes exercícios retóricos, onde vale (quase) tudo para fazer vingar as manobras de ocultação dos mecanismos de exploração e dominação social, económica e cultural, com guarida garantida na comunicação social domesticada para se embevecer com essa comédia cheia de brilhantes cenários irrisórios ocupados por farsantes emplumados que querem ser levados a sério. Contrariando o que eles querem, o escultor não leva esses actores a sério, mas torna dramaticamente sérias as situações que protagonizam, numa indignação violenta contra a pauperização da vida promovida por uma sociedade sem perspectivas e que não tem nenhuma dignidade para oferecer.

Viajar através da arte pela comédia humana

Os risos, os sorrisos sempre saudáveis e industriosos que as esculturas de Virgílio provocam ou podem provocar é shakespeariano. O seu tema central, persistentemente perseguido, é o do poder, do exercício do poder, dos pequenos aos grandes poderes, explodindo nas megalomanias dos gestos, das situações, dos cenários em que decorrem essas demonstrações que não escapam à ferocidade cáustica do escultor que os encena e fixa com uma inegável volúpia no manuseamento da forma, em que é evidente o desejo da transposição do gesso ou do polietileno, materiais com que por economia de meios é (quase sempre) obrigado a trabalhar, para a pedra ou para o bronze, onde a sensualidade do tratamento dos pormenores adquiriria um calor compartilhável e mais próximo do calor humano que a mão inteligente do artista deixa impresso nas esculturas.
Essa temática nuclear na obra de Virgílio Domingues cruza-se constante e fortemente com o da representação da figura humana, questão central de toda história da escultura, que aqui adquire um significado muito particular por a moldar às inflexões sintácticas na anatomia que dão maior legibilidade às obras. Anatomias dos corpos dos objectos que se desenvolvem com uma inusitada riqueza sensual de pormenores sem nunca se perderem em amaneiramentos supérfluos.
Percorrer a obra de Virgílio Domingues é perceber o prazer muito terreno de viajar através da arte pela comédia humana, em que nós também participamos, sem nunca perder o pé do enriquecimento estético.

Virgílio Augusto Domingues

• Nasceu em Lisboa em 1932
• Diplomado em Escultura pela Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa
• Foi, durante vários anos, membro da direcção da S.N.B.A.
• Bolseiro, em 1958, da Fundação Gulbenkian
• Foi-lhe atribuído em 1962, o prémio de Escultura Soares dos Reis
• Foi premiado no concurso para a decoração do maciço de amarração da Ponte sobre o Tejo
• Esteve representado no Pavilhão Português da Exposição Comemorativa do IV Centenário do Rio do Janeiro
• Tem trabalhos públicos, entre outros, no Palácio da Justiça de Lisboa, na Faculdade de Engenharia de Coimbra, na Praça de Portugal em Setúbal
• Expôs individualmente em 1968 na Galeria de Arte Moderna da S.N.B.A.; em 1970 na Galeria Judite da Cruz, em 1980 no Pavillon International de L’Humeur, em Montreal-Canadá, em 1986 na Casa das Artes de Tavira e na Galeria Alfamixta em Lisboa e no Museu Municipal de Loures.
• Está representado no Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian nos Museus de Estremoz, Mirandela, Gouveia e Loures e em várias colecções particulares.
• Participou, entre outras nas seguintes Exposições Colectivas:
• I Salão dos Artistas de Hoje
• Escultura e Desenho de Escultores
• I Exposição de Artes Plásticas da Fundação Gulbenkian
• 58.º e 59.º Salões da Primavera
• Expo 72 na S.N.B.A.
• V Retrospectiva das Galerias da S.N.B.A.
• V Salão de Arte Moderna na S.N.B.A. (1962)
• VI Salão de Arte Moderna na S.N.B.A. (1963)
• Salão de Março na S.N.B.A. (1963)
• Exposição da A.I.C.A. (1974)
• Figuração - Hoje (1975)
• Artistas Contemporâneos e as Tentações de S.Antão (1975)
• Realistas Portugueses – Berlim (1977)
• Exposição do Grupo 5+1 em Viena (1977)
• Exposição de Arte Portuguesa em Madrid e Barcelona (1977)
• Novas Mitologias na S.N.B.A. (1977)
• Grupo 5+1 na Cooperativa Árvore – Porto (1978)
• XVIII Congresso FIDEM (1979)
• Convenções do Dizer na S.N.B.A. (1980)
• Exposição de Artistas Portugueses Comemorativa do Centenário de Picasso (1981)
• Exposição de Arte Moderna, S.N.B.A. (1982)
• Perspectivas Actuais da Arte Portuguesa, S.N.B.A. (1983)
• Cinco Escultores no Museu de Setúbal (1984)
• Arte dos Anos 80, SNBA (1985)
• Colectiva de Escultura no Centro Cultural de Grândola (1986)
• III Exposição de Artes Plásticas da Fundação Gulbenkian (1986)
• Arte Portuguesa – Bordéus (1987)
• Desenhos Realistas no Instituto Alemão (1987)
• II Bienal Internacional de Óbidos (1989)
• Conflito e Unidade da Arte Contemporânea na Galeria Municipal de Arte, Almada (1992)
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Nº 1880
10.Dezembro.2009
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