A música popular antecipa, ao mesmo tempo que capta, as metamorfoses da língua. Portugal não é excepção. Existiu um tempo em que a cantiga, logo também a língua, era uma arma, na voz de Zeca Afonso ou Sérgio Godinho. A geração pop do pós-25 de Abril abriu-a à informalidade da rua (Xutos & Pontapés, Variações), mas também às formas poéticas resultantes das vanguardas artísticas europeias (GNR, Pop Dell Arte).
Nos anos 90, com a ideia de exportação em mente, Silence 4 ou The Gift, optaram pelo inglês. Hoje parece existir a necessidade de um olhar renovado, e plural, sobre nós. Há uma nova geração que utiliza a língua de forma actual, através de jogos de métrica, com alusões inesperadas e narrativas surpreendentes.
Músicos e grupos como Tiago Guillul, Samuel Úria, B Fachada ou Aquaparque são algumas dessas referências. Reflectem um renovado prazer com o Português, perceptível na forma cuidada como estruturam a língua, mas absorvendo expressões e referências partilháveis.
B Fachada, com formação em linguística, não acredita que o acordo venha introduzir grandes alterações a esta forma de estar, "porque a aproximação forçada de línguas é um erro", afirma. "A única coisa que vai acontecer é criar-se uma distância ainda maior entre a língua real e a imaginada, entre a falada e a padrão."
O mesmo é dito por nomes conotados com o hip-hop (Sam The Kid, Melo D) ou do kuduro, como os Buraka Som Sistema, onde a ideia de recriação da língua está presente, embora noutra perspectiva. Para eles a língua é dinâmica e mutável. "Gosto da maneira de ser dos angolanos, aquela "jinga", mas também dos portugueses. Sou uma mistura, não recuso nada", reflecte Melo D. "Gosto de quebrar a gramática. O crioulo é a segunda língua de Lisboa. Gosto da mistura porque é assim que a língua se transforma."
Esta última frase, de Kalaf, dos Buraka Som Sistema, foi proferida há oito anos. Quando lha recordamos, diz que continua a pensar da mesma forma. Com uma nuance. "Para além das mestiçagens, há agora o factor Internet. Para a minha geração, existirá sempre recriação da língua." Ou seja, a realidade da língua, na rua ou na Internet, está sempre em negociação com as determinações oficiais.
No kuduro, e noutras linguagens urbanas, a língua possui uma qualidade performativa. Funciona como sublimação do som. "Vale tudo, desde que a comunicação seja plena entre pares que falam o mesmo tipo de linguagem." E Kalaf dá exemplos. ""Popping" que vem do Twitter, ou "tirosa", que significa "tira o pé", que tem qualquer coisa de português do Brasil, de Angola e Portugal. É uma síntese."
É este português, "torcido", como lhe chama Kalaf, que tem tido projecção internacional. Os Buraka chegaram, por exemplo, ao 1.º lugar do top espanhol e a língua não foi obstáculo. Com uma escolha criteriosa dos poetas que canta (Pessoa, O"Neill ou Eugénio de Andrade), Mariza tem sido outra das embaixadoras do português no mundo. Resta saber qual o português - o "torcido" dos Buraka, o "real" de B Fachada ou o "idealizado" de Mariza - que estará mais de acordo com o acordo ortográfico.
Nos anos 90, com a ideia de exportação em mente, Silence 4 ou The Gift, optaram pelo inglês. Hoje parece existir a necessidade de um olhar renovado, e plural, sobre nós. Há uma nova geração que utiliza a língua de forma actual, através de jogos de métrica, com alusões inesperadas e narrativas surpreendentes.
Músicos e grupos como Tiago Guillul, Samuel Úria, B Fachada ou Aquaparque são algumas dessas referências. Reflectem um renovado prazer com o Português, perceptível na forma cuidada como estruturam a língua, mas absorvendo expressões e referências partilháveis.
B Fachada, com formação em linguística, não acredita que o acordo venha introduzir grandes alterações a esta forma de estar, "porque a aproximação forçada de línguas é um erro", afirma. "A única coisa que vai acontecer é criar-se uma distância ainda maior entre a língua real e a imaginada, entre a falada e a padrão."
O mesmo é dito por nomes conotados com o hip-hop (Sam The Kid, Melo D) ou do kuduro, como os Buraka Som Sistema, onde a ideia de recriação da língua está presente, embora noutra perspectiva. Para eles a língua é dinâmica e mutável. "Gosto da maneira de ser dos angolanos, aquela "jinga", mas também dos portugueses. Sou uma mistura, não recuso nada", reflecte Melo D. "Gosto de quebrar a gramática. O crioulo é a segunda língua de Lisboa. Gosto da mistura porque é assim que a língua se transforma."
Esta última frase, de Kalaf, dos Buraka Som Sistema, foi proferida há oito anos. Quando lha recordamos, diz que continua a pensar da mesma forma. Com uma nuance. "Para além das mestiçagens, há agora o factor Internet. Para a minha geração, existirá sempre recriação da língua." Ou seja, a realidade da língua, na rua ou na Internet, está sempre em negociação com as determinações oficiais.
No kuduro, e noutras linguagens urbanas, a língua possui uma qualidade performativa. Funciona como sublimação do som. "Vale tudo, desde que a comunicação seja plena entre pares que falam o mesmo tipo de linguagem." E Kalaf dá exemplos. ""Popping" que vem do Twitter, ou "tirosa", que significa "tira o pé", que tem qualquer coisa de português do Brasil, de Angola e Portugal. É uma síntese."
É este português, "torcido", como lhe chama Kalaf, que tem tido projecção internacional. Os Buraka chegaram, por exemplo, ao 1.º lugar do top espanhol e a língua não foi obstáculo. Com uma escolha criteriosa dos poetas que canta (Pessoa, O"Neill ou Eugénio de Andrade), Mariza tem sido outra das embaixadoras do português no mundo. Resta saber qual o português - o "torcido" dos Buraka, o "real" de B Fachada ou o "idealizado" de Mariza - que estará mais de acordo com o acordo ortográfico.
.
.
Sem comentários:
Enviar um comentário