Era vista como uma língua de especialistas, mas agora há um novo objectivo: tratar o Português como valor acrescentado no mercado global de trabalho.
A mudança, estratégica, tem a ver com a ideia de que o Português é a sexta língua mais falada do mundo e que, por isso, os outros países entenderão a vantagem de a oferecer integrada nos seus sistemas de ensino.
Conseguir que um aluno do secundário em Espanha, França, Alemanha ou outro país escolha o Português como língua de opção nos seus estudos, é, neste momento, um dos grandes objectivos do Instituto Camões (IC). "[Até agora] tínhamos uma política de apoio às comunidades [portuguesas] que direccionava muito o ensino para as questões da identidade", explica Ana Paula Laborinho, presidente do IC desde Janeiro.
A mudança, profunda, foi iniciada ainda com a anterior presidente, Simonetta Luz Afonso. Implicou uma nova lei orgânica (desde 1 de Janeiro) que transferiu para o IC (até aqui muito centrado no ensino superior através de uma rede de leitorados e centros de língua) competências ligadas ao ensino básico e secundário que eram do Ministério da Educação. Novas responsabilidades acompanhadas de mais dinheiro: um orçamento de cerca de 45 milhões de euros, ou seja, mais 30 milhões do que em 2009.
É uma opção que "parte da percepção de que o Português é uma grande língua de comunicação global e portanto tem um papel estratégico em termos internacionais", afirma Laborinho.
E depois do Inglês?
É um processo lento, diplomático (envolve os embaixadores e a rede do Ministério dos Negócios Estrangeiros) e ainda a começar. Mas posiciona-nos na luta pelo lugar de segunda ou terceira língua de estudo nos países estrangeiros, uma luta central nos próximos tempos. A tese é de David Graddol, autor de dois relatórios sobre o futuro da língua inglesa para o British Council: é incentivando o seu ensino como língua estrangeira que os governos podem ter um papel mais relevante no crescimento da respectiva língua.
O Inglês é introduzido cada vez mais cedo no ensino e já quase não é visto como uma língua, mas como uma competência básica, ao nível, por exemplo, da Matemática - já não é uma mais-valia falar Inglês porque toda a gente fala, a mais-valia passa a ser falar Espanhol ou Português, Árabe ou Chinês.
As outras línguas têm, assim, neste momento, uma oportunidade para se impor. E para que o consigam é importante, diz Graddol, a oferta de um "pacote" de certificados e exames aceites internacionalmente no mercado de trabalho. Um exemplo concreto de como o Português pode ser visto como uma boa aposta: há cada vez mais empresas chinesas a investirem em Angola, e isso tem levado a um crescimento do interesse pelo estudo do português.
A melhor forma de responder a este tipo de interesse é, defendem Rui Machete e António Luís Vicente, da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), a criação de centros culturais de porta aberta que, à semelhança do que fazem institutos como o Cervantes, o British Council ou a Alliance Francaise, ofereçam cursos a qualquer pessoa interessada, independentemente de frequentar ou não a universidade. Ou seja, uma estratégia diferente daquela em que Portugal tem apostado.
A hipótese não está no horizonte do IC. Há, no entanto, uma aproximação a esse modelo, explica Ana Paula Laborinho. "Estamos a usar os nossos centros de língua nas universidades [em vários pontos do mundo] para incluir a oferta de Português para quem não frequenta a universidade mas está interessado na língua. E também os cursos para fins profissionais, Português para médicos, para juristas, para negócios. Uma das minhas apostas é alargar esta oferta extracurricular". Nada disto significa, contudo, um desinvestimento nas comunidades portuguesas. "Não vamos acabar com os cursos de língua materna, o que vamos é qualificar essa rede com a adopção de políticas adequadas. Vamos estudar a situação escola a escola".
Dispersão é "desastrosa"
Fala-se muito nos "mais de 200 milhões de falantes" de Português, mas para uma política da língua eficaz ainda há muito a fazer, defende Carlos Reis, reitor da Universidade Aberta e autor de um estudo de 2008 encomendado pelo Governo sobre estratégias para a promoção da língua e cultura. "Falta reconhecer que o tema da política da língua não pode ser uma moda sazonal para adornar cimeiras. Falta entender que a dispersão de esforços é desastrosa em termos de bom aproveitamento dos recursos humanos e financeiros", diz este especialista. Que lança perguntas: "Quantos ministérios intervêm na política da língua?" O IC é tutelado pelo MNE, mas o Acordo Ortográfico tem sido um processo liderado pela Cultura, em coordenação com a Educação. "A quem cabe a coordenação de esforços e vontades? Falta apostar a sério na formação de professores de Português como língua estrangeira. Falta aprofundar a noção de que uma política da língua não se esgota no ensino da língua."
E falta ainda, segundo Reis, "dotar o Instituto Camões de meios humanos e financeiros que lhe permitam ser, de facto, uma grande instituição, concebendo e articulando uma política da língua de modo a que se possa ir além da gestão corrente do ensino do português no estrangeiro".
Há o exemplo do Cervantes espanhol, e, embora reconheça que este investimento "talvez pareça desmesurado em tempos de crise", Reis lembra o estudo O Valor Económico da Língua, de 2008, que diz que a língua tem um valor económico equivalente a cerca de 17 por cento do PIB.
Carlos Reis lamenta, nomeadamente, as "paragens e omissões" na aplicação do Acordo Ortográfico, que "mostram bem que a abordagem da política da língua sofre de falta de energia", embora exclua da crítica o Ministério da Cultura.
Precisamente, esta semana a ministra da Cultura Gabriela Canavilhas apresentou o Lince, um conversor para a nova ortografia encomendado pelo Governo, pago pelo Fundo da Língua Portuguesa (criado em 2008) e elaborado pelo Instituto de Linguística Teórica e Computacional (ILTEC). Em declarações ao PÚBLICO, Canavilhas disse que está a avançar o processo para a criação de uma Academia das Letras, que não existe em Portugal.
.Conseguir que um aluno do secundário em Espanha, França, Alemanha ou outro país escolha o Português como língua de opção nos seus estudos, é, neste momento, um dos grandes objectivos do Instituto Camões (IC). "[Até agora] tínhamos uma política de apoio às comunidades [portuguesas] que direccionava muito o ensino para as questões da identidade", explica Ana Paula Laborinho, presidente do IC desde Janeiro.
A mudança, profunda, foi iniciada ainda com a anterior presidente, Simonetta Luz Afonso. Implicou uma nova lei orgânica (desde 1 de Janeiro) que transferiu para o IC (até aqui muito centrado no ensino superior através de uma rede de leitorados e centros de língua) competências ligadas ao ensino básico e secundário que eram do Ministério da Educação. Novas responsabilidades acompanhadas de mais dinheiro: um orçamento de cerca de 45 milhões de euros, ou seja, mais 30 milhões do que em 2009.
É uma opção que "parte da percepção de que o Português é uma grande língua de comunicação global e portanto tem um papel estratégico em termos internacionais", afirma Laborinho.
E depois do Inglês?
É um processo lento, diplomático (envolve os embaixadores e a rede do Ministério dos Negócios Estrangeiros) e ainda a começar. Mas posiciona-nos na luta pelo lugar de segunda ou terceira língua de estudo nos países estrangeiros, uma luta central nos próximos tempos. A tese é de David Graddol, autor de dois relatórios sobre o futuro da língua inglesa para o British Council: é incentivando o seu ensino como língua estrangeira que os governos podem ter um papel mais relevante no crescimento da respectiva língua.
O Inglês é introduzido cada vez mais cedo no ensino e já quase não é visto como uma língua, mas como uma competência básica, ao nível, por exemplo, da Matemática - já não é uma mais-valia falar Inglês porque toda a gente fala, a mais-valia passa a ser falar Espanhol ou Português, Árabe ou Chinês.
As outras línguas têm, assim, neste momento, uma oportunidade para se impor. E para que o consigam é importante, diz Graddol, a oferta de um "pacote" de certificados e exames aceites internacionalmente no mercado de trabalho. Um exemplo concreto de como o Português pode ser visto como uma boa aposta: há cada vez mais empresas chinesas a investirem em Angola, e isso tem levado a um crescimento do interesse pelo estudo do português.
A melhor forma de responder a este tipo de interesse é, defendem Rui Machete e António Luís Vicente, da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), a criação de centros culturais de porta aberta que, à semelhança do que fazem institutos como o Cervantes, o British Council ou a Alliance Francaise, ofereçam cursos a qualquer pessoa interessada, independentemente de frequentar ou não a universidade. Ou seja, uma estratégia diferente daquela em que Portugal tem apostado.
A hipótese não está no horizonte do IC. Há, no entanto, uma aproximação a esse modelo, explica Ana Paula Laborinho. "Estamos a usar os nossos centros de língua nas universidades [em vários pontos do mundo] para incluir a oferta de Português para quem não frequenta a universidade mas está interessado na língua. E também os cursos para fins profissionais, Português para médicos, para juristas, para negócios. Uma das minhas apostas é alargar esta oferta extracurricular". Nada disto significa, contudo, um desinvestimento nas comunidades portuguesas. "Não vamos acabar com os cursos de língua materna, o que vamos é qualificar essa rede com a adopção de políticas adequadas. Vamos estudar a situação escola a escola".
Dispersão é "desastrosa"
Fala-se muito nos "mais de 200 milhões de falantes" de Português, mas para uma política da língua eficaz ainda há muito a fazer, defende Carlos Reis, reitor da Universidade Aberta e autor de um estudo de 2008 encomendado pelo Governo sobre estratégias para a promoção da língua e cultura. "Falta reconhecer que o tema da política da língua não pode ser uma moda sazonal para adornar cimeiras. Falta entender que a dispersão de esforços é desastrosa em termos de bom aproveitamento dos recursos humanos e financeiros", diz este especialista. Que lança perguntas: "Quantos ministérios intervêm na política da língua?" O IC é tutelado pelo MNE, mas o Acordo Ortográfico tem sido um processo liderado pela Cultura, em coordenação com a Educação. "A quem cabe a coordenação de esforços e vontades? Falta apostar a sério na formação de professores de Português como língua estrangeira. Falta aprofundar a noção de que uma política da língua não se esgota no ensino da língua."
E falta ainda, segundo Reis, "dotar o Instituto Camões de meios humanos e financeiros que lhe permitam ser, de facto, uma grande instituição, concebendo e articulando uma política da língua de modo a que se possa ir além da gestão corrente do ensino do português no estrangeiro".
Há o exemplo do Cervantes espanhol, e, embora reconheça que este investimento "talvez pareça desmesurado em tempos de crise", Reis lembra o estudo O Valor Económico da Língua, de 2008, que diz que a língua tem um valor económico equivalente a cerca de 17 por cento do PIB.
Carlos Reis lamenta, nomeadamente, as "paragens e omissões" na aplicação do Acordo Ortográfico, que "mostram bem que a abordagem da política da língua sofre de falta de energia", embora exclua da crítica o Ministério da Cultura.
Precisamente, esta semana a ministra da Cultura Gabriela Canavilhas apresentou o Lince, um conversor para a nova ortografia encomendado pelo Governo, pago pelo Fundo da Língua Portuguesa (criado em 2008) e elaborado pelo Instituto de Linguística Teórica e Computacional (ILTEC). Em declarações ao PÚBLICO, Canavilhas disse que está a avançar o processo para a criação de uma Academia das Letras, que não existe em Portugal.
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