Discurso de Lula da Silva (excerto)

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quarta-feira, 15 de abril de 2009

Morreu João Franco, oleiro



Esculturas de João Franco na Aldeia do Sobreiro (fotos de Victor Nogueira)


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Sobreiro


Poucos quilómetros a noroeste de Mafra, a caminho da Ericeira, fica uma pequena aldeia, o Sobreiro. De relevante, o facto de conter em si a aldeia de João Franco, à beira da estrada. O Sobreiro nada tem de especial, a não ser as casas antigas mais pequenas do que é habitual. Um casal de velhotes, bem ataviados a caminho das Festas em Honra de S. Sebastião e N.Sra da Saúde, esclarecem-me que as casas são assim porque noutro tempo as pessoas eram pobres e não tinham posses para mais, qualquer barraco servindo para abrigar as orelhas! As ruas estão engalanadas por causa dos festejos e muitas das casas, caiadas de branco, tem barras azuis como as do Alentejo, embora dum tom mais claro. Aliás há muitas casas assim nas povoações circunvizinhas, como a da Ericeira. Nas chaminés de algumas uma cruz, uma lua deitada e uma estrela de cinco pontas. Supunha eu que se tratava da indicação da existência duma qualquer remota comunidade muçulmana e judaica, cristianizada, mas não. São apenas a marca de propriedade de João Franco, o tal da aldeia de brinquedo "encravada" na aldeia de verdade. A aldeia tem muitas casas em ruínas e outras para venda.


Uma música alegre, ao chegar pela estrada vindos de Mafra, faz-me pensar que se trata duma festa religiosa, das muitas que enxameiam o país de Norte a Sul, em Agosto. Mas embora sejam as Festas atrás referidas, de 9 a 17 de Agosto, a música provém dum conjunto de edifícios pequenos, à beira da estrada, reconhecível pela miniatura dum pequeno moinho, de velas rodando. Trata-se da aldeia de João Francoxe "personagens: João Franco, oleiro"§, um artesão oleiro, já velhote, agora especializado em estatuetas de barro, religiosas umas, pagãs outras, elegantes, alegres e bem humoradas.

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A aldeia "preenche" duas funções: "museu",xe "Sobreiro: memória da região saloia"§ com ar de brique à braque, de instrumentos e profissões da região saloia, desaparecidos, e chamariz para a actividade comercial de João Franco, com a sua padaria de pão com chouriço e bolos, as "tascas" e restaurante de comes e bebes e loja de artesanato. Esta não comercializa as obras de João Franco, expostas num pequeno Museu e "presas" pelas ruas e recantos da "aldeia". A loja de artesanato vende artesanato produzido em série, feioso, para pequeno-burguês suburbano, proveniente de todo o país. João Franco, com lentidão, agora sem a ajuda da mulher, Helena, já falecida, satisfaz as encomendas que vai moldando na sua oficina, à vista dos inúmeros visitantes. As estátuas maiores podem custar uns 40 contos e a encomenda leva meses a satisfazer. (Lá em casa tenho uma travessa assinada pelo João Franco, possivelmente pintada por Helena Franco, comprada vai para uns quinze ou vinte anos). No "museu" assinala-se a passagem do escritor brasileiro Jorge Amado e os testemunhos da sua admiração.

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A aldeia em labirinto pretende preservar a memória da região saloia: o castelo, a capelinha de Santo António e as caixas das esmolas dos Santos Populares, o largo com o seu coreto, a nora e a cegonha para extraírem água do poço, e as casinhas das profissões: à entrada o moleiro, o sapateiro, o alfaiate, o barbeiro dentista, cada uma delas com os respectivos instrumentos e objectos de trabalho e adereços. Tal como outras casas, pelas ruas, como as do relojoeiro, da curandeira, do albardeiro, do boticário, do oleiro, entre outras. Uma cozinha, uma adega, onde se pode beber à borla um minúsculo copo de vinho, a escola primária, a casa da Música, um quarto de dormir, o alpendre onde se guardam as carroças de trabalho ou de passeio, a casa do cão, a casa do porco, testemunham tempos passados.


Por toda a aldeia, uma outra curiosidade: em miniaturas, como as cascatas dos Santos ou Presépios Populares, uma aldeia, a beira-mar, o campo e outros, onde correm águas e existem alguns bonecos animados: os dançarinos, a lavadeira, os lenhadores, o pescador, entre outros.

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Uma das casas de banho chama-se... "Casa do Alívio", em cujo átrio existe uma colecção de penicos de cerâmica. Nas muralhas do "castelo" um sino toca mais ou menos continuamente, agitado pela pequenada, para quem também há um pequeno parque infantil junto ao edifício da "escola" primária. A música alegre e saltitante dum bailinho saloio ouve-se continuamente, numa toada em circuito fechado que o correr do tempo torna exasperante. (Notas de Viagem, 1997.08.15)

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