Discurso de Lula da Silva (excerto)

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sexta-feira, 19 de novembro de 2010

"Povo Que Canta" - Cancioneiro Popular - Giacometti e Lopes Graça - Uma colecção do ornal Público

Associação Gaita-de-Foles A.P.E.D.G.F. APEDGF
Associação Portuguesa para o Estudo e Divulgação da Gaita-de-foles -
Portuguese Bagpipe Society .'.
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Excelente Dossier sobre Michel Giacometti no jornal Expresso.


Capa do CD "Povo que Canta
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O livro "Cancioneiro Popular Português" de Michel Giacometti e Fernando Lopes-Graça é o resultado de dois anos de intenso trabalho do investigador Michel Giacometti – o qual, ao longo de mais de duas décadas, percorreu o nosso país, de Norte a Sul. Uma das mais completas obras do género.

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A partir de Outubro de 2003, é possível consultar todo o acervo sonoro de Michel Giacometti na Mediateca do Museu Nacional de Etnologia. São 3353 fonogramas cobrindo quase toda a extensão do território nacional, um documento fundamental para compreender a música portuguesa. 


Povo que Canta
"Povo Que Canta" Renasce em Disco e na Televisão
Por Nuno Pacheco
Jornal Público, Terça-feira, 2 de Dezembro de 2003




Durante o seu trabalho de recolha e investigação sobre a música portuguesa levado a cabo nos anos 70, Michel Giacometti e Alfredo Tropa registaram em sons e imagens um imenso arquivo, que deu origem à série televisiva "Povo que Canta". Um imenso tesouro foi trazido à audiência televisa de um país que se redescobria a si próprio através dessa série, que é recordada ainda hoje.

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Depois de um interregno de 30 anos, o realizador Ivan Dias e Manuel Rocha (da Brigada Victor Jara) voltaram ao terreno, no encalço da música descoberta por Giacometti e gravaram sons e imagens de hoje. Dessa colecção, surgiu a edição do CD: "Povo que Canta, Recolhas Etnográficas de um Portugal Desconhecido", que foi lançado a 2 de Dezembro. O jornal "Público" editou um artigo sobre o acontecimento.



No início dos anos 70, Michel Giacometti e Alfredo Tropa registaram para a RTP uma série histórica, que passou antes do 25 de Abril: "Povo Que Canta", 37 programas de 25 minutos cada, exibidos antes do telejornal. São 200 horas de gravações, a preto e branco, que ainda repousam nos arquivos da RTP, onde estão recolhas de cantares tradicionais de todo o país.

Em 1999, Luís Filipe Costa, que então rodava um documentário, descobriu algumas das gravações e entusiasmou-se. "Era interessante fazer qualquer coisa sobre isto", disse ele ao realizador Ivan Dias, que se interessou pela ideia. "O 'Povo Que Canta' era um mito urbano, toda a gente falava nele, mas como não havia videogravadores ninguém ficou com registo", recorda Ivan. O facto de ainda ser possível visioná-lo integralmente na RTP deu-lhe algum ânimo: "Peguei na ideia e, como conhecia o Manuel [Rocha, músico da Brigada Victor Jara] dos tempos do GEFAC, em Coimbra, lembrei-me de lhe propor que fizesse este trabalho comigo." O músico aceitou e o passo seguinte foi o visionamento dos programas de Giacometti e Tropa, coligindo artigos e informações adicionais. Objectivo: voltar ao terreno, trinta anos depois, para registar 13 episódios de uma hora cada, no encalço do mítico "Povo Que Canta" mas sem pretender substitui-lo.

"Começámos esta aventura em 2000 e, em meados de 2002, o David Ferreira, da EMI, soube que isto estava no ar. Chamou-nos e lançou-nos o desafio: que tal pegarmos no som sem as imagens e fazer dele um disco?"

Azeitonas, terra e Espírito Santo 

Com cerca de 250 horas gravadas em dois anos de trabalho, embora sem as preocupações etnomusicológicas ou científicas que Giacometti antes lhes imprimira, Ivan e Manuel aceitaram este outro desafio. "Porque além de gravarmos tudo em Betacam digital, em formato panorâmico 16:9, gravámos também tudo em DAT com bons microfones e um bom tratamento final", diz Ivan. Assim nasceu o disco que hoje é posto à venda, com chancela da EMI-Valentim de Carvalho, e onde se incluem 33 "apontamentos" dos muitos registos feitos pelo país, dos Açores e Madeira ao Algarve. A série televisiva aguarda programação para breve.

Além de muitas canções, o disco tem ainda algumas pequenas histórias das pessoas que nele cantam, às vezes para aclarar o contexto dos temas. Manuel Rocha explica: "A conveniência que teve o registo num ambiente filmado é que nós pudemos de alguma forma solicitar às pessoas que reproduzissem as actividades ligadas às canções. Por exemplo, a moda do varejo tem lógica numa situação de varejamento da azeitona, que ainda existe, apesar de haver muito varejamento mecânico. Temos também a cantiga da sacha, que as mulheres cantaram a sachar a terra, ou as músicas do Espírito Santo, agora recuperadas mas que chegaram a ser postas de lado pelas bandas filarmónicas."

"A globalidade precisa de localidades" 

O trabalho de recolha, reconhecem ambos, foi facilitado pelo "guião" prévio de Tropa e Giacometti, que também foi uma arma poderosa. A equipa levou consigo, para mostrar, vídeos desses programas, que muita gente viu pela primeira vez, já que muitas aldeias não tinham electricidade ou televisão quando eles foram emitidos. Houve um homem que viu pela primeira vez o pai em movimento a cantar no vídeo - morrera quando ele era ainda muito pequeno, só o conhecia de fotografias.

Mas houve mais surpresas. "Encontrámos muito bom canto polifónico alentejano na margem sul do Tejo, no Barreiro, melhor do que aquele que se encontra no Alentejo." E houve descobertas: "Na Madeira registámos uma mulher que nunca tinha sido registada, porque as atenções recaíam sempre sobre outras, mais mediatizadas. E a canção de embalar que ela cantou nunca tinha sido ouvida, nunca a tinha mostrado a ninguém."

E também houve revelações: "Alguns homens que aqui estão tocam nos ranchos. Nos ranchos, são um pedaço de um galo de barcelos, mas aqui têm a sua individualidade. Eles sentiram isso." O resultado, diz Manuel Rocha, é "uma amostragem curiosa para os que acham que a música popular é uma coisa desafinada." Ivan acrescenta: "Eles estavam afinados e não fomos nós que os afinámos, eram assim."

A finalidade, diz Manuel Rocha, "não era ir resgatar para o futuro o nosso passado, mas ir buscar o momento presente, fazer um retrato dos nossos dias. E o retrato ainda sai bonito". E daqui a mais trinta anos, como será? Ivan arrisca: "Havia quem dissesse que o programa ia ser uma choradeira, porque achavam que estava tudo perdido e só íamos documentar a perda. Mas não foi. Por isso é que eu acredito que daqui a vinte ou trinta anos isso também sucederá. Porque a grande força da Europa está nestas diferenças regionais, na nossa identidade, que é a nossa mais-valia." Manuel Rocha acrescenta: "Hoje assiste-se a um ressurgimento, porque a globalidade precisa de localidades. Portanto, quanto maior e mais rica for a informação local mais feliz fica a globalização porque vai encontrar a novidade e esta ainda é o grande motor da vida."

Fonte: Jornal Público

http://www.gaitadefoles.net/imprensa/povoquecanta.htm
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O Mistério Giacometti
Por José Alberto Sardinha
Jornal Expresso, 6 de Março de 1999

Som: José Mário Branco fala sobre os Arquivos Sonoros de Michel Giacometti e Fernando Lopes Graça (excerto sonoro do documentário "Polifonias - Paci è Saluta, Michel Giacometti", RTP 1997). Mais de 30 anos depois da data original de publicação, foram finalmente reeditados em CD os célebres cinco volumes dos «Arquivos Sonoros» (os míticos cinco LP de capa de serapilheira), onde Michel Giacometti e Fernando Lopes Graça reuniram o resultado das suas recolhas de música popular tradicional portuguesa. (...)

Retrato do etnomusicólogo corso

TALVEZ por as edições de recolhas musicais terem sido sempre de tiragens reduzidas e, por isso, se terem esgotado rapidamente, tem havido na etnomusicologia portuguesa a tendência para deixar cair no esquecimento as investigações que foram sendo feitas no passado. Daí a importância da actual reedição de discos da Antologia da Música Regional Portuguesa, da autoria de Michel Giacometti e Fernando Lopes-Graça, publicados na década de 60 e princípio da de 70 - já lá vão 30 anos! -, a qual irá permitir o acesso a gravações de grande valor há muito esgotadas, facilitando simultaneamente uma reavaliação histórica e etnomusical da obra destes investigadores.
Salientamos desde logo que a asserção inicial é válida também para Giacometti, ou seja, é essencial não deixarmos cair no olvido a obra de Michel Giacometti, mas é igualmente fundamental não esquecermos as pesquisas e as obras de todos os investigadores que o antecederam. Isto porque não podemos apreciar e analisar a sua investigação sem sopesarmos devidamente as pesquisas efectuadas pelos investigadores antecedentes, alguns dos quais são sistematicamente preteridos quando se fala de recolhas etnomusicais no nosso país. É evidente que o estudo comparativo dessas pesquisas pretéritas, os seus méritos e descobertas, só será possível em sede de uma história da investigação etnomusicológica em Portugal, que não é, obviamente, o objecto deste artigo.

Uma imagem trabalhada, em alto contraste, de Michel Giacometti em pleno trabalho de recolha, algures no interior do país

É, mesmo assim, oportuno referir, ainda que resumidamente, os trabalhos que antecederam Michel Giacometti, já porque, pelo seu pioneirismo e importância, são merecedores de destaque, já porque nos ajudam a situar historicamente a obra do próprio Giacometti.
Sem falar nas gravações de Kurt Schindler, aliás de diminuta expressão quantitativa e geográfica (limitaram-se a Miranda do Douro, Vinhais, com alguns exemplares também de Montalegre e Boticas), haveremos de lembrar, de entre os pesquisadores que antecederam Giacometti, Armando Leça, autor do primeiro levantamento nacional de música tradicional, Virgílio Pereira (Cancioneiros de Arouca, Cinfães e Resende, contribuições importantes para o cancioneiro raiano, recolhas musicais na região da Covilhã e outras a cargo da Fundação Calouste Gulbenkian), Fernando Lopes-Graça (Beira Baixa e Alentejo), Artur Santos (Beira Baixa, Beira Alta e Açores) e Ernesto Veiga de Oliveira, autor do mais importante estudo organológico do nosso país, com gravações resultantes da pesquisa de campo. De entre todos importa destacar, por nunca ter conhecido publicação e, talvez por isso mesmo, ser o mais esquecido, o trabalho de Armando Leça. Foi este musicólogo encarregado em 1939, pela Comissão dos Centenários, de efectuar gravações da música que o povo português tocava e cantava na altura, gravações que se destinavam a publicação posterior.

«Lato» (Paradela/Mirandela do Douro)

Armando Leça veio a realizar registos sonoros em todas as províncias do território continental, os quais porém nunca foram conhecidos do grande público até 1983, altura em que, após buscas na antiga Emissora Nacional meritoriamente efectuadas por Bernardino Pontes a nossas insistências, foi possível encontrá-los, transmiti-los e comentá-los através do programa «Cancioneiro Popular», de que éramos autor. Temos tentado, ao longo de todos estes anos, obter condições para uma edição pública desses registos, mas só agora, passado tanto tempo e esforço, parece estarmos finalmente em vias de ver esse objectivo concretizado.
A importância das recolhas de A. Leça é crucial, já por abrangerem todo o território (de Portugal continental, repita-se), já por terem sido realizadas há 60 anos, já por constituírem o primeiro levantamento músico-popular no nosso país. São, pois, referência obrigatória para avaliação das investigações ulteriores, visto que é um dado adquirido que, embora não publicadas em som, elas eram do conhecimento dos pesquisadores que lhe sucederam.
Só conhecendo minimamente as obras dos investigadores pretéritos e nomeadamente os registos fonográficos que efectuam nos respectivos trabalhos de campo será possível avaliar as contribuições dos pesquisadores subsequentes e os avanços e desenvolvimentos da investigação etnomusicológica em Portugal.

Por essas razões, as recolhas de A. Leça são, por assim dizer, uma base de estudo essencial para quem se dedique à investigação no terreno e bem assim para quem queira analisar criticamente as obras dos investigadores que lhe sucederam no tempo. A análise destas obras, pois, exige sempre uma perspectivação histórica e comparativa em relação às investigações antecedentes. Assim enquadrado o problema, será fácil reconhecer se a gravação de um determinado investigador em certa aldeia ou região é uma verdadeira descoberta da sua investigação, ou se é apenas a repetição de outras que outros investigadores fizeram em épocas transactas, caso em que o seu interesse se limitará a permitir-nos compará-las e assim avaliarmos a evolução da tradição musical durante aquele período de tempo.
Posto isto, passemos à obra de Giacometti agora reeditada, a qual conheceu a 1ª edição - recordemo-lo - na década de 60 e princípios de 70, em 5 discos vinil de longa duração, pela seguinte ordem: 1º Trás-os-Montes; 2º Algarve; 3º Minho; 4º Alentejo; 5º Beiras. A reedição de agora, em 5 CD, não se apresenta por esta ordem e não nos fornece as datas das primeiras edições, o que é pena.
Foi esta antologia o fruto das primeiras pesquisas que Giacometti realizou em Portugal. Pôde contar com a preciosa colaboração de Fernando Lopes Graça, patente na selecção dos trechos musicais e na análise musical dos mesmos. A reedição conservou as palavras explicativas de Giacometti e os importantes textos de Graça. Embora não comporte as fotografias da pesquisa, que muito a enriqueceriam, incluiu as letras dos cantos, sempre importantes para uma melhor compreensão e acompanhamento.

É muito de louvar esta reedição dos célebres «discos de serapilheira», que na altura alcandoraram Michel Giacometti a um lugar destacado na etnomusicologia portuguesa Foi desde logo o impacto fortíssimo do primeiro disco da série, dedicado a Trás-os-Montes, que trouxe aos intelectuais citadinos tradições e sons longínquos de um campo que inteiramente desconheciam. Para além das ressonâncias arcaicas da gaita-de-foles, o que mais impressão parece ter causado foram os romances colhidos nas regiões de Bragança e Miranda, cuja ancestralidade remonta a uma sempre mítica idade medieval.
Seguiu-se-lhe o disco do Algarve, onde o romanceiro ocupa também lugar de relevo, com destaque especial para três belíssimos exemplares registados em Aljezur. O disco abre com um espantoso canto de alar as redes, gravado dos pescadores de Portimão, a quem Giacometti dedica a própria edição.
A província do Minho foi a terceira contemplada pela Antologia da Música Regional Portuguesa, mostrando-nos exemplares polifónicos de grande riqueza, provenientes sobretudo da zona setentrional e das serras do Gerês e do Soajo. O disco do Alentejo, o quarto, revelou, a par dos cantos corais - já nessa altura bastante conhecidos, como reconhece Lopes-Graça -, um extraordinário aboio (canto de incitamento ao gado), alguns valiosíssimos cantos religiosos e fragmentos do Auto da Criação do Mundo, dos Bonecreiros de Santo Aleixo, de grande interesse e maravilha.

Sarroncas (Campo Maior/Elvas)

O último disco, publicado já na década de 70, foi dedicado às Beiras e constituiu nova revelação, sobretudo por virtude da riquíssima polifonia da Cova da Beira e também da polifonia de Lafões, sem esquecer os cantos ao adufe, de sabor tão arcaico e as impressionantes cantiga da ceifa e da roda, esta característica das margens do Zêzere.
Com os distanciamento de 30 anos sobre as primeiras edições de Giacometti e com o conhecimento das pesquisas anteriores, nomeadamente de A. Leça, que, à época, a nossa geração (e mesmo as mais velhas, com algumas excepções meramente individuais) inteiramente desconhecia, há agora condições de fazer uma breve apreciação histórica às recolhas musicais que a Portugalsom em boa hora devolve a público.
Temos vindo a referir com insistência o nome de Armando Leça por duas ordens de razões: em primeiro lugar porque o seu levantamento pioneiro, por ser o único de âmbito nacional é também o único que poder servir de termo comparativo com o levantamento de Michel Giacometti; e em segundo lugar, porque o cotejo dos dois trabalhos revela pontos comuns absolutamente surpreendentes, que conduzem a considerar que foi Leça o investigador que primeiro captou algumas das preciosidades musicais que trinta anos depois Giacometti também registou, frequentemente coincidindo os próprios locais de colheita.

Banjolim (Lisboa)

Citemos o caso das recolhas transmontanas, tanto da região de Miranda, como de Vinhais; algumas coincidências menos persistentes no disco do Alentejo; o caso da polifonia da Cova da Beira e da polifonia de Lafões, por vezes com recolhas nas mesmas aldeias, como Roças do Vouga ou Manhouce; e, por fim, o exemplo bem localizado de leva-leva, gravado aos pescadores de Portimão, com trinta anos de distância.
É curioso notar que Giacometti nunca cita o nome ou o trabalho pioneiro de A. Leça, nem sequer como base da sua pesquisa (o que faz, por exemplo, em relação a Virgílio Pereira e Gonçalo Sampaio no disco do Minho). E, no entanto, é um dado adquirido que ele possuía uma cópia das gravações de Leça e sempre teria delas conhecimento através do livro Da Música Portuguesa cujo apêndice, denominado Discoteca da Música Popular Portuguesa, é precisamente a discriminação, espécie por espécime, aldeia por aldeia, dessas gravações. Doutra forma não se explicam as citadas coincidências, reveladoras do conhecimento prévio dos caminhos palmilhados por Leça.
E se este aspecto, sobretudo a omissão de qualquer referência à pessoa e ao trabalho de Armando Leça, ensombra e relativiza a obra de Giacometti, não lhe retira o valor das pesquisas inéditas que ressaltam nos discos do Algarve, parte do Alentejo e sobretudo do Minho, embora aqui se tenha baseado em Virgílio Pereira, como ele próprio assinala, atribuindo-lhe mesmo o mérito de primeiro descobridor de algumas das «puras jóias» que publicou.

Guitarra-lira (Lisboa)

Além deste aspecto, que é, digamos, de ordem ética, importa fazer uma abordagem crítica geral da temática seleccionada nos discos de Michel Giacometti. Ao verificarmos que quase exclusivamente contêm cantos de trabalho e cânticos religiosos tradicionais, é inevitável a pergunta: onde está a música bailada, onde estão as modas coreográficas com que o povo bailava, onde estão os viras, as chulas, o malhão, o fandango, a xotiça, a moda de dois passos, as danças de roda, o fado batido, o verde-gaio, etc., etc., etc.? 
Concomitantemente, constata-se a ausência dos principais instrumentos tradicionais portugueses. Tirante o adufe, não se ouve a guitarra e a viola portuguesas, o cavaquinho, o acordeão diatónico (seja a «concertina» seja o «harmónio», este aparecendo representado, mas apenas num pequeno trecho musical), o que naturalmente empobrece a obra em análise no que respeita à sua representatividade. Quem é o minhoto que se reconhece numa mórbida melopeia de carpideira, ou num conjunto de cantos donde está ausente um vira, um malhão ou uma cana-verde, ou numa selecção musical sem violas, cavaquinhos ou concertinas?

O ludismo, o amor e o divertimento são uma componente essencial da via do povo que, obviamente se reflecte na sua música, aspecto que não está inexplicavelmente espelhado nesta amostragem da música regional portuguesa.
Estamos hoje sem saber se isto correspondeu a uma opção do próprio Giacometti no terreno, se resultou da selecção de Fernando Lopes-Graça. O que podemos adiantar é que Lopes-Graça quando, nos últimos anos da sua vida, contactou com as nossas recolhas da Estremadura para prefaciar o livro que se espera saia em breve, ficou encantado com a quantidade de modas bailadas em registo e com a variedade dos instrumentos que as suportavam. Em qualquer caso, é inegável que se tratou de um critério de preferência por aquilo a que poderemos chamar de exotismo musical, que correspondeu a uma orientação deliberada de uma determinada época e que, como tal, deve ser estudada e respeitada.
É nesta perspectiva fundamental que se torna da maior importância a reedição da Portugalsom, a qual irá finalmente tornar acessível a muitos portugueses as míticas gravações de Giacometti (as tiragens da 1ª edição, aliás variáveis, não ultrapassaram as escassas centenas). Mas é também com a visão crítica que muito perfunctoriamente abordámos que as recolhas destes discos devem ser apreciadas e historicamente situadas, para que saibamos enquadrar a obra de Michel Giacometti em toda a história da investigação etnomusicológica em Portugal, a qual teve os seus primórdios no princípio do século.








fonte: Jornal Expresso 
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Cancioneiro Popular Português
Michel Giacometti e Fernando Lopes-Graça
Círculo de Leitores, Lisboa




Muito mais do que uma mera colectânea de textos e notações musicais, este livro constitui um verdadeiro itinerário pelo mundo da música popular portuguesa, bem como um estudo acessível, completo e documentado sobre um tema riquíssimo e sempre actual.
. Ao longo das suas páginas é toda a extraordinária diversidade da música popular portuguesa – parte viva e importante do nosso património cultural – que se revela aos olhos do leitor. 
. Resultado de dois anos de intenso trabalho do investigador Michel Giacometti – o qual, ao longo de mais de duas décadas, percorreu o nosso país, de Norte a Sul, até às localidades mais remotas e esquecidas, recolhendo, criteriosa e pacientemente, as autênticas expressões musicais do nosso povo –, o Cancioneiro Popular Português é uma das mais completas obras do género desde sempre publicada no nosso País e uma das poucas, no contexto europeu, que reproduz fielmente todo um folclore musical ainda hoje vivo e actuante nas tradições de um povo. Das canções de berço às toadas ao redor da morte, das cantigas de noivado e casamento aos cantos de trabalho, das cantigas e danças para as festas e arraiais às canções de bem-querer e maldizer, tudo está presente nesta obra única no panorama editorial português. Na elaboração deste trabalho, Michel Giacometti contou com a colaboração de Fernando Lopes-Graça, tendo conseguido reunir material valiosíssimo e inédito: são apresentadas 250 espécimes musicais, para além de fotos de inúmeros instrumentos musicais populares e utilíssimas referências bibliográficas complementares, bem como uma cuidada informação discográfica.  Ao englobar no seu trabalho vários domínios da expressão popular, o autor salvaguardou do esquecimento uma parcela importante do nossso património cultural.
. Por tudo isto, o Cancioneiro Popular Português constitui um passo de inegável relevância para o conhecimento necessário da nossa identidade.  Retirado do livro "Cancioneiro Popular Português" de Michel Giacometti e Fernando Lopes-Graça - Círculo de Leitores, Lisboa.

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