Discurso de Lula da Silva (excerto)

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quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Guerra Colonial - Preâmbulo na RTP


* Correia da Fonseca

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Durante anos, o jornalista Joaquim Furtado trabalhou numa longa série acerca da Guerra Colonial que a Radiotelevisão Portuguesa começou a transmitir na passada terça-feira e se prolongará por dezoito semanas. Quarenta e seis anos depois da sua eclosão, trinta e dois após o seu termo, bem se pode dizer que era tempo; mas é preciso acrescentar que o longo silêncio lançado ao longo de tanto tempo sobre os anos finais do colonialismo português em África não foi casual nem inocente: denuncia a presença hegemónica, pelo menos desde finais de 75, de sectores de algum modo ligados ao colonialismo e ao seu espírito nos efectivos comandos dos media portugueses, com óbvio destaque para a televisão. Ora, aconteceu que um pouco como preâmbulo à transmissão da série, o «Prós e Contras» que Fátima Campos Ferreira gere há não sei quantos anos dedicou a esse assunto a emissão da passada segunda-feira. O programa, coitado, começou mal logo pelo título: na esteira de uma discutível hesitação de Joaquim Furtado quanto ao título da própria série, coibiu-se de chamar à Guerra Colonial àquilo que ela foi, colonial. Assim se pouparam as sensibilidades colonialistas que, como depois se viu, estavam fartamente representadas no teatro/estúdio Armando Cortês, e se proporcionou uma controvérsia de surpreendente obsolescência sobre o carácter da guerra. E depois continuou mal, ou pior que isso, nas primeiras imagens transmitidas: as terríveis e conhecidos fotos dos massacres cometidos a 16 de Março de 61 pela UPA de Holden Roberto, o homem dos americanos, identificando-as com o início da rebelião, de facto começada a 4 de Fevereiro com o ataque às prisões de Luanda por gente do MPLA. Como se percebe, aquele «Prós e Contras» estava mesmo mal encaminhado, e não parece que só por acaso. Nos primeiros minutos pareceu que ele podia ser salvo pelas intervenções do coronel Matos Gomes, e nesse período chegou mesmo a surgir o dado mais interessante em toda a noite: a acusação, sustentada por mais de um testemunho, de que Salazar teria sido avisado com alguma antecedência do ataque que a UPA desencadearia e que só não tomou qualquer providência de defesa por motivos «estratégicos» de política interna. A ser assim, é mais um grave crime a acrescentar ao extenso e pesado cadastro do ditador. Registe-se que Jaime Nogueira Pinto, devoto de Salazar e ali presente em destacado lugar, nada objectou quanto ao que acerca deste ponto foi dito, o que será significativo.

Espoliados, quais?

Além de Nogueira Pinto estavam no teatro abundantes saudosos do colonialismo que tiveram oportunidade de exprimir o seu acendrado patriotismo. Homens dos movimentos de libertação africanos é que estavam poucos, dois por junto. De entre os nostálgicos do passado colonial destacou-se pelo verbo incandescente e pelo disparate um senhor tenente-coronel, Ferreira de seu apelido, que sustentou iradamente que a ocupação colonial portuguesa remontaria aos finais do século XV, o que é violentar a História mais do que a elementar probidade permite. Mas também por lá estiveram e debitaram as suas razões os porta-vozes da saudade civil, ditos «os espoliados» (em tempos designados por «retornados» ou «devolvidos», esta segunda qualificação parecendo em certa medida esclarecedora). É claro que têm eles todo o direito a ser compreendidos, tanto mais que, como disse Lucas Martins, que veio de Angola, por lá «vivia-se bem». Também se disse que «Portugal vivia do que vinha de Angola e de Moçambique», afirmação que, a ser verdade, constituiu um depoimento comprometedor acerca da generosidade da acção civilizadora de Portugal em África. Porém, o mais importante é, sem dúvida, que quando se fala de «espoliados» a propósito da presença portuguesa em África é elementar dever, por lucidez e por obrigação ética, falar das populações africanas, essas sim, espoliadas de tudo, a começar pelo direito à vida, durante séculos. Ora, isso nem de longe aconteceu ao longo deste «Prós e Contras», e não sei se essa omissão não deve ser considerada intelectualmente criminosa; sei, isso sim, que despojou o programa de credibilidade e de respeitabilidade. Fico a fazer votos para que, embora referida apenas ao tempo de guerra, a série de Joaquim Furtado não incorra em défice equiparável. E quero acrescentar que tenho quanto a essa equidade indispensável uma expectativa optimista.
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in Avante - Nº 1768 - 18.Outubro.2007
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Gravura - Goya - Desastres da Guerra
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Para ver a série completa das gravuras de Goya ver - > Goya -Los desastres de la guerra

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