Por: Osvaldo Macedo de Sousa (In Diário de Notícias de 3/5/1987)
Uma das características do plástico é a maleabilidade, adaptação às exigências do momento. Também o é do artista plástico, que querendo sobreviver da sua arte, tem que se adaptar às técnicas mais variadas, deambulando desde a pintura, desenho, ilustração, cartaz, grafismo, decoração de cerâmicas, tapeçaria, murais, azulejo, cenografia, arquitectura ... até ao humor gráfico.
Um artista plástico é João Abel Manta, que começou «com os cartoons por sentir necessidade de um certo tipo de intervenção. (...) Considero o cartoonismo uma arma extremamente perigosa e por vezes excessiva. (...) É um tipo de intervenção do artista plástico que acaba sempre por chegar a um beco sem saída pois, para ser eficaz, tem de ser imediatamente legível, o que a condiciona; assim, ao contrário da pintura, da ilustração, etc., não tem horizontes ilimitados».
Filho de dois mestres da pintura modernista (Abel Manta e Maria Clementina Carneiro de Moura), João Abel Manta nasceu em Lisboa, a 29 de Janeiro de 1928, licenciando-se na ESBAL em Arquitectura (1951), mas vivendo a arte na profusão criativa referida no início. Conhecido nas várias artes, aqui falaremos apenas do seu lado gráfico-humorístico.Tendo sido cartoonista por criação, não o é por convicção - «Sou um pintor que em determinado período político do País, senti a necessidade de me expressar pelo cartoonismo, mas a minha luta de há dez anos para cá é sair da lista dos cartoonistas, já que nunca fiz o autêntico cartoonismo, que é uma anedota com um boneco. É uma profissão de que me sinto desligado, porque está a ser exercida de uma forma absurda, rastejante.» «Eu sou um artista plástico, e nas artes plásticas deve-se saber fazer tudo, com ou seu humor, mas em cada traço há sempre uma intenção, como é o caso de Almada que mais do que pintor foi «cartoonista», de Júlio Pomar que tem óptimos «cartoons», de Menez, Sá Nogueira, António Quadros ... »
Apesar deste amor/ódio a essa ilustração humorística, denominada ambiguamente de «cartoon», João Abel Manta é um marco e uma ilha no grafismo humorístico português. Surgindo nos finais dos anos 40 como uma ruptura à tradição gráfica, ele introduz uma estética de influência americana, em detrimento do raphaelismo ainda dominante, ou do modernismo sintético de influência franco-Simplicissimus. Com um grafismo de «esquematismo realista», ele surge entre os «neo-realistas», como uma visão em humor negro, onde o surrealismo em espírito do absurdo dá um cunho especial ao seu trabalho. Criando um estilo bem característico que se impôs, como um dos traços mais originais e importantes da segunda metade do séc. XX, ele é o rosto de um humorismo satírico agudo, que renasce como oposição ao regime, enquanto os «clássicos» se dobravam à simples anedota, ou iam desaparecendo. Publicando os seus trabalhos na rev. «Arquitectura», no «Almanaque», «Diário de Lisboa», «Diário de Notícias» e no «Jornal», ele fez a transição entre a ditadura e a democracia. Na primeira como oposição, na segunda como «necessidade de relembrar que houve fascismo, e em que consistia». Dois períodos condensados em dois livros - «Caricaturistas Portugueses dos Anos de Sal azar» ; «Cartoons 1969-1975». Abandonando o «cartoonismo» por quebra de necessidade de intervenção, a sua obra permanece como um «mito» do humorismo de uma «terceira geração» modernista, que não existiu, permanecendo como uma «ilha» que (ainda) não fez escola entre nós.
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