As populações ciganas actualmente espalhadas por todo o continente europeu são muito diferentes entre si. Mas todas têm em comum uma única população ancestral, como prova agora o estudo do seu ADN.
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Os ciganos representam a maior minoria da Europa. São cerca de 11 milhões - mais do que a população de Portugal. Mas não possuem registos escritos da sua história nem tão-pouco das suas andanças pelo mundo. Isso levou um grupo de geneticistas de 15 países europeus - Portugal, Espanha, Reino Unido, Bélgica, Holanda, Hungria, Croácia, Eslováquia, Sérvia, Grécia, Roménia, Bulgária, Ucrânia, Lituânia e Estónia - a juntar esforços para tentar determinar, através de uma análise ao ADN das várias comunidades ciganas, a origem e o percurso geográfico da diáspora cigana.
Os seus resultados, publicados online esta quinta-feira na revista Current Biology, fornecem o mais pormenorizado "mapa" existente até agora dessa história demográfica - que se revela, escrevem, "rica e complexa".
Por um lado, os resultados vêm confirmar que, apesar das grandes diferenças culturais, religiosas e linguísticas que existem entre as diversas comunidades ciganas que hoje residem nos países europeus, os antepassados de todos os ciganos vieram do mesmo sítio. Por outro, permitem estimar a data em que os ciganos ancestrais saíram do seu "berço" genético, bem como a data em que teve início a sua expansão pela Europa fora.
A partir de amostras biológicas provenientes das comunidades ciganas de 13 países (todos os acima referidos menos a Holanda e a Bélgica), os cientistas realizaram uma análise global de 152 genomas. A seguir, compararam-nos com os genomas de diversas outras populações - nomeadamente de europeus não-ciganos -, para remontar até ao ponto geográfico de origem dos antepassados dos ciganos actuais e seguir-lhes depois o rasto ao longo do tempo.
"Juntámos as populações e fizemos uma análise muito mais intensiva, ao nível de todo o genoma, com um número de marcadores genéticos extremamente elevado", disse ao PÚBLICO Leonor Gusmão, do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (Ipatimup) - e co-autora portuguesa do estudo -, em conversa telefónica a partir do Brasil, onde está actualmente a trabalhar no Laboratório de Diagnósticos por DNA da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Os cientistas puderam assim concluir que tudo começou no Noroeste da Índia, há uns 1500 anos. E que, uma vez chegados à Europa via Balcãs (mais precisamente a Bulgária), os ciganos começaram, há cerca de 900 anos, a espalhar-se por todo o continente, até à Península Ibérica e ao País de Gales, misturando-se, ainda que de forma limitada, com as populações autóctones que iam encontrando.
Bolas brancas, bolas pretas
A Portugal, os primeiros ciganos terão chegado em 1462. "Estão há mais tempo em Portugal do que os portugueses no Brasil", faz notar Leonor Gusmão. No entanto - e apesar de serem "um grupo extremamente interessante" - têm sido esquecidos pelos geneticistas das populações. "A maior parte das pessoas não faz ideia de onde é que vieram os ciganos."
Uma das particularidades que o novo estudo genético revelou é que a diáspora cigana terá sido o resultado de migrações sucessivas de grupos muito pequenos, quase de grupos familiares. Isso fez com que as diversas populações se diferenciassem rapidamente umas das outras do ponto vista genético.
"Como eram poucos indivíduos", explica a cientista, "nunca representavam totalmente a população de onde tinham saído." E utiliza uma analogia para melhor descrever o fenómeno: é como tirar bolas ao acaso de um saco que contém 25 bolas brancas e 25 pretas. Se tirarmos um número substancial de bolas, digamos 20, é provável que mais ou menos metade das bolas escolhidas seja de uma cor e metade da outra. Mas se tirarmos apenas duas bolas, facilmente ficaremos com duas da mesma cor, o que não será representativo do conteúdo do saco.
Com os genes, acontece a mesma coisa. E foi o que se passou durante a diáspora cigana. "Isso é que é realmente interessante: o facto de tantas diferenças terem surgido entre as populações ciganas, a todos os níveis, em tão pouco tempo", diz Leonor Gusmão. O modo de vida nómada dos ciganos não é alheio a esta característica da sua diáspora.
O facto de a ancestralidade ser indiana foi uma surpresa? Não, responde. Os estudos linguísticos já apontavam para a Índia. "Já sabíamos isso, não fomos nós que o descobrimos." Contudo, a genética permitiu descartar algumas hipóteses quanto ao percurso exacto dos grupos ciganos entre a Índia e a Europa. "Uma das hipóteses", diz Leonor Gusmão, "era que os ciganos teriam chegado à Península Ibérica via Norte de África." Mas os cientistas não encontraram agora qualquer indício genético que permita sustentar essa hipótese. Pode ser que alguns grupos tenham por lá passado, mas, se isso aconteceu, "não deixaram descendentes"