Discurso de Lula da Silva (excerto)

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sexta-feira, 27 de março de 2009

Setúbal - Património Edificado

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FORTES E FORTALEZAS

Muralhas
Construídas no séc. XIV, para proteger a povoação dos ataques de piratas norte africanos.

Desta construção ainda são visíveis alguns elementos, como por exemplo o troço de muralha na Rua de Santa Maria – Posto de Turismo, uma torre hexagonal (Av. Luísa Todi – edifício da PSP) a Porta do Sol e o Postigo da Ribeira (ambos na Av. Luísa Todi). A Porta de S. Sebastião foi aberta nesta muralha, mas em data posterior (1533).

No séc. XVII, após a Restauração da Independência, são projectadas novas muralhas para a vila com 11 baluartes e 2 meios baluartes.


Casa do Corpo da Guarda
Construção do séc. XVII, réplica do edifício dos Paços do Concelho do séc. XVI. Actualmente é a sede Clube Militar dos Oficiais de Setúbal.

Localização: Praça de Bocage







Forte de São Filipe
Registos indicam que a construção iniciou antes do domínio filipino, mas foi Filipe II de Espanha (Filipe I de Portugal) quem terá ordenado, em 1582, a ampliação e conclusão da fortaleza, adquirindo, nessa altura, a forma de uma estrela irregular de seis pontas. O espaço interior, que originalmente incluía a Casa do Governador e demais edifícios militares, foi substancialmente transformado para aqui se instalar uma das Pousadas de Portugal, após um violento incêndio que destruiu praticamente todas as estruturas interiores. Conserva ainda uma pequena capela barroca, totalmente revestida por azulejos datados de 1736, assinados por Policarpo Oliveira Bernardes.



Forte de Santiago do Outão
A primeira referência data de 1390 numa ordem de D. João I para a construção de uma torre de vigia costeira. No entanto, há notícia de um templo romano dedicado a Neptuno neste mesmo local. Sofreu ao longo dos séculos diversas obras de ampliação e remodelação. Já no séc. XX, depois de ter sido prisão e casa de férias da família real, o forte foi oferecido a D. Amélia para aí instalar um sanatório, que após a redução do número de tuberculosos foi transformado no Hospital Ortopédico de Santiago do Outão, que ainda hoje se mantém.



Forte da Arrábida
Construído em 1676, após o fim da Guerra da Restauração, tinha por missão reforçar a defesa da costa entre o Forte de Santiago de Sesimbra e o Forte de Santiago do Outão.

Actualmente encontra-se aí instalado o Museu Oceanográfico e das Pescas.





CAPELAS, IGREJAS E CONVENTOS

Convento de Jesus
Fundado em 1490 e finalizada a obra por volta de 1500, constitui um dos marcos principais do Manuelino em Portugal.

Encerrado, de momento, só é possível visitar a Igreja, que se destaca por ter sido o primeiro ensaio em Portugal de “igreja salão”, com belíssimas colunas torsas. A capela-mor é revestida de azulejos de caixilho e nela foi instalado em 1520-1530, um retábulo de pintura (considerado como um dos mais notáveis conjuntos da Arte do Renascimento em Portugal) que se encontra exposto na Galeria de Pintura Renascentista, anexa à Igreja

Em frente da igreja encontra-se um belo cruzeiro em mármore vermelho da Arrábida, mandado construir por D. Jorge de Lencastre.

Localização: Praça Miguel Bombarda (mais conhecida por Largo de Jesus)



Igreja de Santa Maria da Graça
É aqui que se situa o coração do primitivo burgo medieval, tendo sido em torno desta que se desenvolveu o mais importante bairro medieval da cidade, assim como o centro religioso e político-administrativo.

Fundado no séc. XIII, o actual edifício é uma reconstrução do alto renascimento com uma imponente fachada maneirista. No interior colunas com frescos, talha e azulejos dos séculos XVII e XVIII
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Numa rua lateral encontra-se o pórtico gótico de uma antiga hospedaria – Hospital de João Palmeiro


Igreja de São Julião
Datada da segunda metade do séc. XIII, foi reconstruída no séc. XVI e muito afectada pelo terramoto de 1755. Do edifício Manuelino restam apenas dois portais, um dos quais verdadeiramente notável.

No interior deste monumento nacional pode apreciar-se a talha dourada e azulejos do séc. XVIII, custeados pelos pescadores de Setúbal.
Localização: Praça de Bocage



Igreja de São Sebastião

A primitiva ermida foi fundada nos finais do séc. XV, com as esmolas de pescadores e outros devotos, e situava-se onde é hoje o Largo do Miradouro. Arruinada pelo terramoto de 1755, acabou por ser demolida pela Câmara Municipal em finais do séc. XIX. Foi nessa ermida que a freguesia de São Sebastião foi criada, em 1553. A sede da paróquia passou, em 1835, para a igreja do extinto Convento de S. Domingos, que também sofreu obras significativas após o terramoto, sendo o seu interior decorado ao estilo rococó e neoclássico.

Localização: Largo de S. Domingos



Igreja da Saúde
Pequena obra-prima do séc. XVII. Boa talha dourada e azulejos tipo tapete de padrão.

Localização: Rua do Outeiro da Saúde











Igreja da Boa Hora (ou dos Grilos)
Edificada em 1566, foi sede da Ordem dos Agostinhos Descalços (Grilos). As paredes do templo estão revestidas de azulejos neoclássicos com cenas da vida de Santo Agostinho.
Localização: Praça do Quebedo






Igreja do Convento de São João

Fundada por iniciativa do filho bastardo de D. João II – D. Jorge de Lencastre – na primeira metade do séc. XVI. Destacam-se no exterior o portal manuelino e no interior os painéis de azulejos setecentistas e obras de pintura da mesma época, típicas do Barroco Português. No séc. XIX o claustro foi utilizado para a realização de corridas de touros.

Localização: Rua Almeida Garrett





Igreja de São Lourenço

Do original templo Gótico nada restou. O que se mantém é uma igreja rural, com azulejos do séc. XVIII e um belíssimo painel de majólica italiana do séc. XVI. Importantes são também a talha e as pinturas da capela-mor. Uma das peças mais antigas é a pia baptismal, de meados do séc. XVI, com características Manuelinas, e talhada de uma só peça de brecha da Arrábida. Do séc. XVIII é o altar-mor, cujo retábulo de talha ladeia uma tela representando a última ceia.

Localização: Vila Nogueira de Azeitão



Igreja de São Simão

Datada de 1570. A fachada principal está virada a nascente e não a poente como era usual. Tem três naves, em cujo altar-mor estão imagens de S. Simão e uma Senhora da Saúde do séc. XVI de terracota, que o povo vestiu de curiosos trajes. A igreja é revestida de azulejos de 1648.


Localização: Vila Fresca de Azeitão





Convento da Arrábida

Fundado no séc. XVI por frades Franciscanos, com o apoio do duque de Aveiro. De uma brancura que sobressai do verde da serra da Arrábida, a sua arquitectura encontra-se em plena harmonia com o meio natural envolvente. Constituem-no 40 minúsculas celas, um pequeno refeitório, cozinha, biblioteca e a igreja, com uma entrada onde figura de frei Martinho, de braços abertos em cruz, empunhando um círio e o cilício, olhos vendados, boca cerrada por um cadeado, pisando uma serpente sobre a bola do mundo, simboliza a renúncia e despojamento dos monges desta comunidade.

Nas proximidades do convento existem várias guaritas (estações dos Passos), a capela do Bom Jesus e o Convento Velho – as celas onde se instalou a 1.ª comunidade.

Hoje é propriedade da Fundação Oriente e funciona como Centro de Conferências.
Localização: Serra da Arrábida



Convento de Brancanes

Seminário fundado em 1680, através do erário real e das esmolas do sal dos donos das marinhas. Foi aqui que se realizou a primeira reunião da Câmara Municipal, após as ruínas dos Paços do Concelho devido ao terramoto de 1755. Posteriormente foi transformado em quartel.

Localização: Bairro Brancanes




Convento de Santa Teresa

Da Ordem das Carmelitas Descalças, nele encontram-se painéis de azulejos dos finais do séc. XVIII.

Localização: Largo dos Mártires da Pátria











Igreja da Anunciada (antiga)
Ligada à lenda da Senhora da Anunciada, foi elevada a sede de paróquia no século XVI. O templo, reconstruído após o terramoto de 1755, apresenta uma curiosa planta octogonal.

Localização: Praça Teófilo Braga









Ermida do Senhor Jesus do Bonfim
Construção do séc. XVII, com azulejos joaninos e pintura também do período seiscentista. Estará na origem do santuário homónimo da cidade de Salvador da Baía, no Brasil.

Localização: Junto ao Estádio do Bonfim








Casa do Corpo Santo

Referência do Barroco em Setúbal, é constituída a oriente por um troço trecentista da muralha. Foi aqui que se instalou a Confraria do Corpo Santo, importante confraria de navegantes, armadores e pescadores. É um conjunto de três salas (antecâmara, capela e sala do despacho) em que azulejos, talha, tectos e pavimentos se conjugam harmoniosamente.

Encontram-se aqui instalados o Posto Municipal de Turismo e o Museu do Barroco.
Localização: Rua do Corpo Santo, 17




QUINTAS, PALÁCIOS E PALACETES


Quinta da Bacalhoa
Este conjunto edificado é considerado como marco inicial da arquitectura civil renascentista em Portugal. O Palácio, edificado a partir de 1528, por Braz de Albuquerque, manteve alguns pormenores de um edifício anterior (torres circulares com cúpulas de gomos incorporados no palácio e espalhados pela quinta). A nova construção segue já os ensinamentos do renascimento (simplicidade e ritmo das linhas e as “loggias” que se abrem nas fachadas). A fama desta quinta deve-se ao seu património azulejar que remonta aos séculos XV e XVI. Igualmente merecedores de atenção são os jardins, onde elementos da renascença se conjugam com as tradições islâmicas e elementos de influência oriental.

Localização: E.N. 10 – Vila Fresca de Azeitão




Quinta das Torres
A Quinta e o seu Palácio, de cerca de 1560, é um dos mais importantes e belos conjuntos arquitectónicos renascentistas do País. No interior, quase todas as salas possuem tectos de madeira, portas à romana e painéis de azulejos na parede. Merece especial destaque um notável conjunto de azulejos em majólica com cenas da Eneida, provavelmente provenientes de Urbino (Itália). Junto do edifício, um pequeno lago em cujo centro se eleva um templete. Todo o conjunto é envolvido por arvoredo que cria um ambiente quase idílico.

Hoje funciona como estalagem, restaurante e casa de chá.

Localização: E.N. 10 – entre Vila Fresca e Vila Nogueira de Azeitão


Palácio Fryxell
Ocupa as instalações do antigo colégio dos jesuítas. Fachada originalmente setecentista, remodelada no séc. XIX. O claustro, totalmente recuperado, merece visita.

Actualmente é a sede do Instituto Politécnico de Setúbal e dispõe de uma galeria de exposições.

Localização: Largo dos Defensores da Pátria







Palácio do Governo Civil

Foi aqui que D. João II matou o seu primo e cunhado D. Diogo, Duque de Viseu. No séc. XIX foi utilizado como hotel.

Localização: Av. Luísa Todi, 336







Casa do Leão
Excelente exemplar de “arte nova”.

Localização: Av. Luísa Todi 152-154








Palácio dos Duques de Aveiro

Edificado no início do séc. XVI, foi um dos primeiros edifícios da Renascença em Portugal, dominando o amplo largo do Rossio de Azeitão.

Localização: Praça da República - Vila Nogueira de Azeitão





AQUEDUTOS E FONTES

Aqueduto de Setúbal
Construído no reinado de D. João II, por volta de 1487, para solucionar o problema do abastecimento de água a Setúbal. Iniciava-se na Arca da Água (Alferrara) a três quilómetros de Setúbal. Dele subsiste apenas uma parte da conduta sobre arcadas.

Localização: Rua dos Arcos



Fonte Nova
Fonte de origem bastante antiga, foi consertada no séc. XVI com dinheiro do povo e por iniciativa de D. Sebastião. O aspecto actual é de finais do séc. XVIII.

Localização: Praça Machado dos Santos





Chafariz do Sapal
Mandado construir em finais do séc. XVII, funcionava na Praça de Bocage, sendo mudado para o local onde se encontra hoje em 1937.

Na parte posterior podem ver-se dois relevos representando galeões do séc. XVII.

Localização: Praça Teófilo Braga








Chafariz dos Pasmados

Este fontanário foi projectado seguindo regras de um barroco tardio, entre os anos de 1764 e 1777. Diz uma lenda que quem beber desta água ficará ligado a Azeitão para sempre.

Localização: Vila Nogueira de Azeitão






OUTRAS EDIFICAÇÕES COM INTERESSE

Casa das Quatro Cabeças

Em pleno coração piscatório da antiga vila, no Bairro do Troino, esta casa tem a particularidade de no lintel da porta estar gravada uma inscrição latina com um busto de monarca e noutro ângulo figurarem mais três bustos, todos esculpidos em baixo relevo. Segundo a lenda, foi a partir desta casa que se pretendeu assassinar o rei D. João II, quando caminhava na Procissão do Corpo de Deus.

Localização: Rua Fran Pacheco, 44 / Travessa do Carmo, 29



Biblioteca Pública Municipal
Edifício setecentista onde funcionou a antiga alfândega do porto de Setúbal.

Localização: Av. Luísa Todi, 188







Mercado do Livramento
Construído no estilo Arte Deco, tem as paredes decoradas com vários painéis de azulejos com temáticas regionais. É famoso pela qualidade e variedade dos produtos que ali se vendem - peixe, carne, legumes e frutas.


Localização: Av. Luísa Todi, 157



Paços do Concelho
Flagelados por um incêndio por altura da proclamação da República, em 1910, os Paços do Concelho foram reconstruídos anos mais tarde, em 1938, respeitando o traçado que lhe havia sido dado aquando das obras da época de D. João V.

Localização: Praça de Bocage



Cetárias romanas
O pavimento de vidro do edifício da Região de Turismo de Setúbal mostra-nos os vestígios de uma antiga fábrica de salga de peixe do período romano, da época em que Setúbal foi um importante centro industrial.

Localização: Travessa de Frei Gaspar







Escola Superior de Educação
Da autoria do arquitecto Siza Vieira, foi inaugurada em 1993, tendo ganho, nesse mesmo ano, o Prémio Nacional de Arquitectura.

É considerado um dos projectos mais relevantes da arquitectura escolar europeia.

Localização: Estefanilha



Pelourinho
Simbolizando a jurisdição da Casa de Aveiro, administradora da comenda de Setúbal, pertencente à Ordem de Sant'Iago, esteve situado, até 1774, na Praça da Ribeira Velha (actual Largo Dr. Francisco Soveral). Este monumento nacional é constituído por uma coluna coríntia, proveniente de escavações realizadas em Tróia no reinado de D. Maria I.

Localização: Praça Marquês de Pombal




Portal da Gafaria
Local onde eram mantidos os leprosos durante a Idade Média. Da estrutura subsiste a verga da porta (vestígio raro) com a inscrição em latim: "Vanitas, vanitatum et omnia vanitas", o que significa "Vaidade das vaidades, tudo é vaidade".

Localização: Avenida Manuel Maria Portela, n.º 19



Moinho de Maré da Mourisca
O moinho de maré, situado na herdade da Mourisca, na freguesia do Sado, foi construído em 1601.

A herdade, de 33 hectares, propriedade do Instituto da Conservação da Natureza, está integrada no perímetro da Reserva Natural do Estuário do Sado.

Este espaço é constituído por uma área considerável de sapal – antigos arrozais abandonados, cuja vegetação natural foi regenerando uma área florestal, maioritariamente com pinheiros, sobreiros e espécies arbustivas.

O moinho de maré da Mourisca é um dos quatro existentes no estuário do Sado. A estrutura, de 280 m2, comportava o funcionamento, em simultâneo, de oito mós, que funcionara m até ao início dos anos 60, sendo, posteriormente, votada ao abandono.

Originalmente, o moinho era constituído por uma sala de moagem, onde existiam as oito mós montadas numa plataforma de pedra e madeira.

Debaixo da plataforma havia engrenagens de ferro que transmitiam a rotação dos rodízios aos veios das mós.

Em 1995, a Reserva Natural do Estuário do Sado iniciou a reconstrução do moinho.
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in http://www.mun-setubal.pt/pt/conteudos/roteiro+turistico/visitar+setubal/arquitectonico/?WBCMODE=PresentationUnpublishedloginFOservicosloginFOloginFOservicosloginFOservicos
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80.º aniversário do nascimento de Michel Giacometti



O corso que descobriu Portugal

Michel Giacometti nasceu em Ajaccio, Córsega, em Janeiro de 1929 e veio a falecer em Faro, em Novembro de 1990. Nesses 61 anos que durou a sua vida – tão breve para os seus amigos que profusamente criou, manteve e deixou em Portugal – mais de metade viveu-os no nosso País, numa permanente aventura de descoberta.

Não nos perguntamos o porquê dessa escolha de um francês – ele preferia apresentar-se como corso e insistia nisso, sugerindo-nos logo uma lição étnica e cultural que era facilmente assimilável, pois a sua pronúncia clássica de francófono não encobria o carácter mediterrânico que lhe transparecia no humor sarcástico e cortante, na afabilidade do trato, na imaginação pouco dada ao raciocínio abstracto, na modéstia que nunca alardeava os seus títulos académicos, mas que se rompia ao contar os episódios de uma recolha de canções, de uma viagem duríssima através da paisagem lusa que o encantava.

Se insistíssemos, saberíamos que se licenciara na Sorbonne, em Paris, que fizera um doutoramento na Suécia. Mas o traço que o distinguia logo nas primeiras abordagens, era o de um profundo apego ao trabalho e de uma facilidade afectuosa com que estabelecia relações com o povo. Avesso ao populismo, tratava naturalmente, de igual para igual, o povo mais pequeno, ao mesmo tempo que sabia impor, também naturalmente, o respeito pelo trabalho que desenvolvia. Num barracão desolado onde se reuniam as vozes para um coro, o silêncio estabelecia-se rapidamente entre todos, quando ele anunciava «Vamos gravar».

E as vozes desatavam-se então, e vibravam, e erguiam-se da terra e da história para que perdurassem e se registassem na memória e não se perdessem nas evoluções e revoluções da vida e do tempo.

Vozes dos princípios

Fiquemo-nos então pelo mistério dessa escolha. Portugal por quê? Pouco importa. Dê-se de barato que o itinerário que o trouxe, no trilho da mulher que conhecera em Paris e que voltara a Portugal, lhe fez deparar com um país siderado no tempo anacrónico do fascismo, onde perduravam nos campos antigas relações de produção, onde o atraso impunha ainda o uso de velhas alfaias, onde as vozes transportavam ainda canções e modas antigas. Profundo conhecedor da etnologia europeia e das ligações que unem os povos num tronco comum de antigos mitos, lendas e costumes, Giacometti terá encontrado nestas terras do ocidente europeu – a face da Europa, como lhe chamava Camões – um terreno virgem a desbravar.

Tratava-se de um terreno duro de conquistar. Com aldeias e povos isolados, sem meios de comunicação fácil, estradas arruinadas ou incipientes, trilhos pedregosos, lonjuras num país tão pequeno. Em finais dos anos 50, o jovem Michel encetou a viagem. Começando pelo princípio.

É assim que descobre Rio de Onor, aldeia do extremo Norte de Trás-os-Montes, onde perdura o comunismo primitivo, com tarefas colectivas indicadas e partilhadas por todos os vizinhos, com as suas punições decididas em plenário e registadas numa vara. A pé ou no dorso de um burro ou de uma mula que lhe transporta os instrumentos de trabalho, o precioso gravador profissional, pesadíssimo no seu estojo de couro, a bela e dispendiosa máquina fotográfica em que registou imagens desconhecidas nos centros urbanos do litoral – um espigueiro, trabalhos agrícolas, alfaias e, sobretudo, gente, velhos sobretudo, a pele sulcada pelas rugas impressas do tempo que passa acidamente, e jovens que se vão tornando mais raros na paisagem, que a emigração está aí a desertificar o País – a viagem demora-se.

É certo que o acompanha o valioso mapa que é o trabalho de um outro etnólogo, o português Leite de Vasconcelos, cuja obra, realizada muitas décadas antes, Giacometti conhece, e o ajuda na descoberta e na confirmação de lugares, usos, falares, tradições. Depois há a colaboração preciosa de Lopes-Graça, cuja pesquisa no campo da música tradicional portuguesa é vasta e se reflecte fortemente na própria obra do compositor.

Arquivos Sonoros Portugueses

Entre ambos estabelece-se cedo, para além do reconhecimento mútuo do valor do trabalho de cada um, uma amizade duradoura. Colaboram. Estabelecem planos. E fundam, logo no princípio dos anos 60, os Arquivos Sonoros Portugueses, que editam o registo das vozes do País.

Sem esse registo seriam hoje os portugueses muito mais pobres. Teriam perdido o que é fundamental para a compreensão da Pátria, para o enraizamento na identidade do povo que somos, da cultura que criamos ao transformar o mundo.

Os registos das vozes do povo, saídos do trabalho de Michel Giacometti e das suas viagens profundas ao País, são assim divulgadas e levam ao reconhecimento desse trabalho e do seu autor. Giacometti torna-se então numa referência da cultura portuguesa. Vozes encerradas nas tradições que esmorecem com a diluição de um mundo rural na complexidade e vastidão de um outro mundo – urbano e industrial – que já começou, libertam-se e invadem a urbanidade do quotidiano. Giacometti ensina Portugal aos portugueses e são muitos os jovens que aprendem a lição. Não é de excluir que o gosto e a escolha pelas disciplinas antropológicas – etnografia, etnomusicologia, etc. – tenham sido gerados no conhecimento de uma obra de pesquisa e de divulgação levada a cabo por um corso que descobriu Portugal e que fez questão de o dar a conhecer aos portugueses.

Um adufe vibra mansamente, acompanhando melodiosas cantigas da Beira-Baixa. Um grito de um homem, ao sol, guiando bois atrelados a uma velha charrua precede uma canção de trabalho. A claridade da bela aurora levanta-se da planície alentejana na música quase gregoriana de um coro. Michel Giacometti experimenta o microfone, regula os graves e os agudos, a atenção focada na qualidade do som apreciada nos auscultadores, levanta um braço. «Vamos gravar», diz.

O primeiro contacto

Estamos em Granja de Mourão. Ou ali perto, na Amareleja. A memória já não é o que era, e já lá vão quarenta e cinco anos. Era um domingo de festa, no Verão. A terra em volta ondulava sob o sol, tons de veludo ferroso, quase púrpura, laivos de camurça, amarelos escuros. No centro da povoação, como é costume nas terras raianas do Sul, houve tourada à vara larga, o bicho foi morto por um rapazola espanhol, trajado de luces. E esquartejado ali mesmo, pedaços de carne escura e sangrenta distribuídos pelo povo, embrulhados em jornal velho. Giacometti, a quem toda a gente chamava familiarmente Michéli, sentava-se numa roda. No meio, numa pequena fogueira de brasas, assava-se os pedaços de novilho, mastigava-se a carne e as fatias de pão, a festa esmorecia enquanto o crepúsculo se fazia anunciar numa lufada de ar fresco prenunciadora do Outono. O céu avermelhava para Ocidente. Ajudada pelo vinho, a conversa ruidava. De repente o tom baixou, as vozes calaram-se. «Vem aí o Regedor», murmurou um homem, manipulando os pedaços de carne extraídos das brasas.

Era assim, nesses tempo de fascismo. Os olhos e ouvidos da ditadura estavam em toda a parte e o Alentejo era especialmente vigiado, tal como as fábricas e as zonas urbanas mais pobres do litoral. Giacometti explicava que nas terras da planície era mais difícil estabelecer os primeiros contactos entre o povo, alguém de fora era visto como um pide, até «provar» o contrário nos modos, na conversa, sobretudo nas possíveis «apresentações» que funcionariam como «credenciais». Ainda assim, a sua qualidade de estrangeiro, de francês, facilitava-lhe o contacto. E as pessoas, abrindo-se ao afecto natural, lá iam contando as suas vidas, arriscando mais tarde as suas queixas e, depois, adiantando-se a mostrar de que lado estavam: «O regedor é da PIDE», avisavam.

Olhado com suspeita pelo regime, Giacometti era vigiado. Mas descobria, nas suas «expedições», de Norte a Sul, a aberta por onde o deixavam passar. Aqui servindo-se de um cura reaccionário mas de alguma cultura, cuja vaidade o impelia a mostrar a monografia de que era autor; ali usando a presunção saloia de um latifundiário que pretendia mostrar que também sabia falar francês e lhe abria o caminho para uma visita à herdade – uma vez foi dar com um estábulo em cujas paredes desvendou, sob a cal que a cobria, um fresco do século XVIII –; acolá dirigindo-se mesmo às «autoridades» que se desvaneciam perante um estrangeiro que pretendia gravar as «modas» da terra.

Nesse fim de tarde, ele contaria como demorara ali três dias a conquistar a confiança dos trabalhadores rurais. E que a gravação estava apalavrada para essa mesma noite. O dia de festa começou com um peculiar mata-bicho – tomate borrifado com sal grosso e, por cima, um «anis de terceira». Na garrafa, a marca «El Mono» dizia da proveniência espanhola da bebida forte e demasiado doce. De tarde, antes da tourada, houve missa, e o Michel lá foi entrando na pequena igreja, não tanto para salvar as aparências como por curiosidade. O templo estava vazio, à parte meia dúzia de velhas que seguiam o latinorum da missa. Cá fora, o povo juntava-se e comentava gracejando a homilia do padre. De repente, uma abada de chuva, aguaceiro de fim de Verão, rebentou fortíssima, e toda a gente entrou de roldão raspando com as botas as lajes da igreja. «O Alentejo é assim», comentou Giacometti, chamando a atenção para o facto de a religião não entrar facilmente na consciência do povo, que não casava, mas «fugia e juntava-se», que não ia à missa, que era coisa de lavradores e de velhas. O povo tinha outros rituais, como o dessa noite, em que as vozes de um coro, à palavra «Vamos gravar», começou a cantar:

Não sei se é por serem voltas do Entrudo
Acho o meu amor demudado em tudo
Demudado em tudo, demudado em nada
Não sei se é por serem voltas de entrudada…

Um caminho áspero

Ao escolher Portugal para lugar e âmbito do trabalho da sua vida, Michel Giacometti meteu-se em verdadeiros «trabalhos». Olhado suspeitosamente pelo fascismo – e a esta situação não era alheio o facto de colaborar estreitamente com um comunista, Fernando Lopes-Graça, que só a projecção internacional da sua obra impedia o regime de o encarcerar eternamente – o etnógrafo corso estava excluído de qualquer apoio financeiro oficial. Algumas vezes, o seu precioso e caríssimo gravador profissional foi posto «no prego» para que Giacometti pudesse subsistir ou arranjar provisoriamente fundos para continuar a trabalhar.

O 25 de Abril, a que ele aderiu profundamente e lhe fez renascer as esperanças no prosseguimento dos seus projectos, porém, não desmantelara o Estado fascista nem a sua burocracia. A somar a isto, o PS, que se abarbatou com as rédeas do poder – e já as detinha mesmo antes do golpe de 25 de Novembro em algumas áreas, nomeadamente da Cultura – não via com bons olhos as afinidades culturais e políticas de Giacometti com a prática e o projecto do PCP. A discriminação continuou…

Isto é, para além da perseverança no desbravar literal de caminho, à descoberta das raízes culturais de um povo, o etnógrafo teve de recorrer ao melhor dos seus esforços para não desistir dos seus sonhos e planos.

E não desistiu. Mas não deixamos de recordar a amargura e a apreensão com que, nos anos 70 já avançados, ele via o tempo correr e o Estado recusar-lhe a aquisição dos arquivos sonoros laboriosamente recolhidos – sujeitos à deterioração e consequente apagamento definitivo se as fitas gravadas não fossem recuperadas e conservadas com meios técnicos adequados. A sua preocupação era deixar ao Estado português – e não a um qualquer particular ou fundação privada – o resultado de um labor que dizia respeito no fundamental ao povo deste País que a vida e a sua escolha fizera praticamente seu.

A história da instalação do Museu do Trabalho, em Setúbal, é particularmente «rocambolesca» e Giacometti não chegou a ver a concretização deste sonho. Um livro da autoria de Jorge Freitas Branco e de Luísa Tiago Oliveira, assim como o testemunho de um camarada que de muito perto seguiu o projecto, documentam bem os escolhos atravessados no caminho áspero da concretização do Museu que hoje pode ser e é visitado por milhares de pessoas.

Francisco Lobo, o camarada que presidiu à Comissão Administrativa Democrática que substituiu a Câmara fascista de Setúbal a seguir ao 25 de Abril, também esclarece, num artigo de opinião publicado em 1995, no jornal O Setubalense, sobre as vicissitudes da instalação do Museu. Giacometti doara o espólio ao Município de Setúbal por verificar «a dedicação que a então administração autárquica atribuía à Cultura», escrevia na altura. E recordava o facto de que Giacometti lhe confiara que pensara primeiramente doar esse espólio ao Inatel – e que o não fizera «porque aquela instituição se afastara das suas obrigações para com os trabalhadores». Giacometti fora, aliás, afastado, por razões políticas e ideológicas, do Inatel, dominado desde cedo pelo PS. O espólio foi, enquanto se aguardava a cedência de um lugar definitivo, por parte da Misericórdia de Setúbal, exposto provisória mas dignamente em instalações próximas ao Convento de Jesus. Mas a Misericórdia recuou na cedência do espaço e, quando o PS tomou conta da Câmara, as peças foram retiradas e armazenadas sem condições numa arrecadação onde se mantiveram longo tempo, sem catalogação devida. A política de direita não se limita a destruir os direitos económicos e sociais dos trabalhadores. Também pretende apagar-lhes a memória…

Memória e gratidão

Um etnólogo trabalha sobre a memória de um povo e deixa-lhe a memória de si mesmo. Ao descobrir Portugal, Michel Giacometti desvendou para todos nós as memórias ainda retidas nas populações do País, memórias orais transmitidas de geração em geração através de contos e mitos; costumes e usos, imagens de trabalho e de festa, músicas e canções em que se inscrevem as penas e alegrias e esperanças populares.

Através do seu trabalho aprendemos então e aprendemos hoje de onde viemos, as palavras e formas que nos construíram. Desvendou para todos um país que ignorávamos e que muitos ignoram ainda. E, aprofundando o seu trabalho, relacionamo-nos com povos diferentes, que partilham connosco, em formas parecidas ou aparentemente afastadas, a mesma humanidade.
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Ao amigo que ele foi de tanta gente – para além da fraternidade que o caracterizava e que fez dele um intelectual revolucionário cujo ânimo era o de transformar o mundo que entretanto ia conservando para que o futuro não se desgarrasse do que aspiramos a ser – a gratidão que lhe devemos e exprimimos é a de conservar o seu trabalho como se da sua própria memória se tratasse. No correr da vida – já passaram quase vinte anos sobre a data da morte do Michel – todos desapareceremos, menos os que, como marcos valiosos de um tempo e de um trabalho, ganham um lugar como o dele. O lugar de um descobridor.


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in Avante 2009.03.26



Outros Títulos:
O camarada Michel
Datas para evocar o francês corso

«Leva a luta até ao voto»
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quarta-feira, 25 de março de 2009

Altamiro Borges: a mídia e o golpe militar de 1964


24 DE MARÇO DE 2009 - 17h34

Altamiro Borges: a mídia e o golpe militar de 1964



O neologismo "ditabranda", cravado no editorial de 17 de fevereiro da Folha de S.Paulo, serviu para desmascarar este veículo, que vende a imagem publicitária de que é um jornal independente e plural - de "rabo preso com o leitor". A revisão histórica sobre a sanguinária ditadura militar brasileira custou à Folha um manifesto de repúdio com mais de 8 mil adesões e um emocionante protesto em frente à sua sede com cerca de 500 presentes. Numa manobra marota, o diretor de redação, Otavio Frias Filho, foi obrigado a se retratar, parcialmente, do odioso neologismo.

Por Altamiro Borges







O forte desgaste na sociedade teve também um alto custo material, o que deve ter apavorado os herdeiros da Famíglia Frias. Segundo revela o blog de Leonardo Sakamoto, "os leitores chiaram. Fontes de dentro do jornal dizem que uma onda de cancelamento de assinaturas teria acendido a luz amarela. Fala-se em perdas de até 2 mil assinantes". Outro jornalista bem informado sobre os bastidores da mídia, Rodrigo Vianna, informa que "a fuga de leitores teria enfraquecido ainda mais a posição interna de Otavinho. Ele o irmão Luis Frias travam uma guerra pelo comando do grupo desde a morte do pai". A "retratação" de Otavinho foi uma tentativa de "conter a sangria".

Os editoriais dos golpistas

O episódio também serviu para relembrar o papel da mídia no período da ditadura. Mas, justiça seja feita, não foi somente o Grupo Folhas que clamou pelo golpe e que deu apoio à ditadura na sua fase mais sombria - de prisões ilegais, torturas, mortes, censura, cassação de parlamentares, fechamento de sindicatos e outras violências. Com a aproximação da fatídica data do golpe, vale citar a conduta de outros veículos privados de comunicação. A postura destes no passado ajuda a entender sua linha editorial reacionária na atualidade. Reproduzimos alguns editoriais da época:

- "Vive a nação dias gloriosos. Porque souberam se unir todos os patriotas [...] para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e a ordem. Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas, o Brasil livrou-se do governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para os rumos contrários à sua vocação e tradições... Salvos da comunização que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares, que os protegem de seus inimigos". O Globo.

- "Desde ontem se instalou no país a verdadeira legalidade... Legalidade que o caudilho não quis preservar, violando-a no que de mais fundamental ela tem... A legalidade está conosco e não com o caudilho aliado dos comunistas... Aqui acusamos o Sr. João Goulart de crime de lesa-pátria. Jogou-nos na luta fratricida, na desordem social e na corrupção generalizada". Jornal do Brasil.

- "Multidões em júbilo na Praça da Liberdade. Ovacionados o governador do estado e os chefes militares. O ponto culminante das comemorações que ontem fizeram em Belo Horizonte, pela vitória do movimento pela paz e pela democracia foi, sem dúvida, a concentração popular defronte ao Palácio da Liberdade". Jornal O Estado de Minas.

- "Escorraçado, amordaçado e acovardado, deixou o poder como imperativo de legítima vontade popular o Sr. João Belchior Marques Goulart, infame líder dos comunos-carreiristas-negocistas-sindicalistas. Um dos maiores gatunos que a história brasileira já registrou, o Sr. João Goulart passa outra vez à história, agora também como um dos grandes covardes que ela já conheceu". Tribuna da Imprensa, na época sob comando do governador golpista Carlos Lacerda.

Fato histórico documentado

Como aponta o professor Venício de Lima, num excelente artigo na Carta Maior, "a participação ativa dos grandes grupos de mídia na derrubada do presidente João Goulart já é um fato histórico fartamente documentado". Não dá para escondê-lo. Daí a tentativa da Folha e de outros veículos de revisar a história da ditadura e reconstruir o seu significado, inclusive com a criação de novos termos - como "ditabranda". Ele sugere o livro "1964: A conquista do Estado", obra clássica de René Dreifuss, para se entender este sombrio período e postura golpista da mídia hegemônica.

"Através das centenas de páginas do livro de Dreifuss o leitor interessado poderá conhecer quem foram os conspiradores e reconstruir detalhadamente suas atividades, articuladas e coordenadas por suas instituições, fartamente financiadas por interesses empresariais nacionais e estrangeiros: o IBAD e o IPES... No que se refere especificamente ao papel dos grupos de mídia, sobressai a ação do GOP, Grupo de Opinião Pública ligado ao IPES e constituído por importantes jornalistas e publicitários. O capítulo VI, sobre ‘a campanha ideológica', traz ampla lista de livros, folhetos e panfletos publicados pelo IPES e uma relação de jornalistas e colunistas a serviço do golpe".

Para o professor Venício de Lima, é essencial revisitar esta história, principalmente no momento em que o país debate a democratização da mídia. "Não são poucos os atores envolvidos no golpe de 1964 - ou seus herdeiros - que continuam vivos e ativos. A grande mídia brasileira, apesar de muitas mudanças, continua basicamente controlada pelos mesmos grupos familiares, políticos e empresariais. O mundo mudou, o país mudou. Algumas instituições, porém, continuam presas ao seu passado. Não deve surpreender que eventualmente transpareçam suas verdadeiras posições e compromissos, expressos em editoriais, notas ou, pior do que isso, disfarçados na cobertura jornalística cotidiana. Tudo, é claro, sempre feito ‘em nome e em defesa da democracia".

domingo, 22 de março de 2009

Hollywood comemora 70 anos de seu melhor ano

21 DE MARÇO DE 2009 - 17h41

Hollywood comemora 70 anos de seu melhor ano


Todos os cinéfilos de carteirinha, fanáticos por cinema e críticos da sétima arte concordam que 1939 foi o melhor ano de toda a história do cinema. Foi neste ano que vimos surgir alguns dos maiores clássicos já assistidos.



Na época imperava o sistema dos estúdios, onde produtores reinavam absolutos sobre suas "criações" e mantinham diretores, atores e profissionais da área presos a contratos por longos prazos. Eles decidiam o que seria feito, como e por quem, e poucos astros tinham liberdade de recusar. Era a época das mãos de ferro de Louis B Mayer na Metro, Jack Warner na Warner Pictures, Darryl F. Zanuck na Fox, David Sarnoff na RKO e Adolph Zukor na Paramount, também conhecidos como os cinco grandes.


Em O Terceiro Homem (1949), Orson Welles diz uma frase que se encaixa perfeitamente na situação de Hollywood em 1939: "Durante 30 anos sob os Bórgias, a Itália conheceu a guerra e o terror, mas produziu Michelangelo, Da Vinci e a Renascença, ao passo que a Suíça teve 500 anos de paz, amor e democracia, mas produziu apenas o relógio-cuco". Em Los Angeles, apesar da ditadura dos cinco grandes, nunca se produziu tanta coisa de qualidade em 1939.


Começando por O Mágico de Oz. A obra de Frank L. Baum, escrita em 1900, foi transportada às telas magistralmente por Victor Fleming com a garota-prodígio Judy Garland como Dorothy, consagrou todos os envolvidos e também a canção Over The Rainbow, que é regravada até hoje. Com uma produção turbulenta, parte em preto-e-branco e parte colorida e um custo astronômico de 2,8 milhões de dólares, o filme faturou na época 3 milhões e entrou para os anais da história do cinema.


No Tempo das Diligências, de John Ford, trouxe o faroeste para outro patamar e consagrou um ator que se tornaria um dos grandes ícones do gênero: John Wayne. Contando a história de um grupo de pessoas numa diligência e seus dramas pessoais enquanto atravessam a belicosa região apache, o filme também mostrou Monument Valley, na divisa entre os estados de Utah e Arizona, como o local preferido para filmagens de westerns.


No campo da crítica social, A Mulher faz o Homem - nome idiota para Mr. Smith Goes to Washington - era uma comédia dramática estrelada por James Stewart e dirigida por Frank Capra, onde o astro interpretava um simplório alçado à condição de senador dos EUA que se vê diante da corrupção e do mar de lama que impera na capital americana. A cena em que ele discursa sem parar para escapar de um escândalo se tornou famosa e, em 1989, a Biblioteca do Congresso americano adicionou o filme no National Film Registry por sua "relevância cultural, histórica e estética".


Já os ânimos e desconfianças sobre o sistema de governo soviético encontraram graça e leveza no filme Ninotchka, com Greta Garbo como a comunista ferrenha em visita a Paris e Melvyn Douglas como o dandy que a leva para o mau caminho. Obviamente todos os socialistas no filme se rendem ao capitalismo e à boa vida.


Drama mesmo foi O Morro dos Ventos Uivantes, adaptação da obra de Emile Brönte com o maior ator sheakesperiano de todos os tempos, Laurence Olivier, e dirigido pelo sensacional William Wyler.


Vale ressaltar também que em 1939 vimos a primeira aventura do eterno vilão de filmes capa-e-espada, Basil Rathbone como Sherlock Holmes. Foi o mais perfeito detetive de todos os tempos, especialmente devido aos seus atributos físicos, muito parecidos com aqueles imaginados por Conan Doyle em sua obra literária. Rathbone faria ainda mais 13 filmes como Sherlocke Holmes.


Por fim, o maior de todos: 1939 foi o ano de E O Vento Levou, o filme que estreou a moda das superproduções, levou 10 Oscars (oito nas premiações tradicionais, um técnico e um honorário) e figura entre os dez melhores de todos os tempos. A saga da arrogante e lutadora Scarlett O¿Hara e sua relação de amor e ódio com o cínico Rhett Butler em meio à guerra civil americana encanta gerações até os dias de hoje.


E todas as lendas que cercam o filme são verdadeiras, a começar pelo fato de mais de 1.400 atrizes terem sido entrevistadas para o papel que acabou nas mãos da indiana de ascendência inglesa Vivien Leigh, na época amante (e depois esposa) de Laurence Olivier. Também não é mentira que ela e Clark Gable, que fazia Rhett, se odiavam e que ele comia cebola antes das cenas românticas para irritá-la. Foi o primeiro longa colorido a levar o Oscar de melhor filme e deu também o primeiro prêmio a uma atriz negra, Hattie McDaniel, como melhor coadjuvante. A produção custou pouco mais de 5 milhões de dólares para a MGM, mas quatro anos depois de seu lançamento, a renda obtida pelo filme nas bilheterias já superava 32 milhões de dólares. A frase final do filme, "Francamente, querida, eu não dou a mínima", foi escolhida como a melhor do cinema na votação da American Film Institute, na comemoração dos 100 anos da sétima arte em 1998.


Em 1939 nascia também Francis Ford Coppola, que 32 anos depois revolucionaria o cinema com O Poderoso Chefão, mas isso é outra história.

Fonte: Terra

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i Vermelho 2009.03.21
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sábado, 21 de março de 2009

Histórias em quadrinhos ainda vivem de referências europeias

Cultura | 21.03.2009

Histórias em quadrinhos ainda vivem de referências europeias

Desde a origem das histórias em quadrinhos, na Alemanha e na Suíça, a Europa é referência no gênero. "Juca e Chico", "As Aventuras de Tintim" e "Asterix" são algumas das histórias criadas nesse continente.

No mundo das histórias em quadrinhos, a Europa pode até parecer ter perdido sua importância ao lado dos Estados Unidos e do Japão, considerados os gigantes do gênero. Porém, a história das bandas desenhadas – como também são chamadas – teve início no Velho Mundo e muitos dos personagens mais famosos foram criados no continente.



Um dos primeiros registros de histórias em quadrinho se deu na Suíça, em 1837, com o Histoire de Monsieur Vieux-Bois (Histórias do Sr. Pau Velho), de Rudolphe Töpffer, um dos precursores do gênero. Na Alemanha, o pintor, desenhista e poeta Wilhelm Busch também foi um dos pioneiros com os personagens Juca e Chico.



Os quadrinhos na Alemanha
Juca e Chico: pioneiros dos quadrinhos

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Conhecido na Alemanha como o “avô das histórias em quadrinho”, Busch se destacava por sua irreverência, seu humor negro e pelos seus personagens, os anti-heróis Juca e Chico. Nas histórias, traduzidas para o português por Olavo Bilac, os dois meninos sempre aprontam alguma travessura para depois serem tragicamente punidos pelos adultos.



Mas embora a Alemanha tenha sido um dos lugares de origem da história em quadrinhos, a tradição dos comics não se perpetuou. “A aceitação cultural dos quadrinhos na Alemanha foi menor que na Espanha ou na França”, afirmou o professor Dietrich Grünewald, especialista no assunto.



Segundo ele, o motivo não está na má qualidade das tiras, mas no reduzido interesse popular pelas bandas desenhadas. Ainda assim, ele ressalta que o interesse científico, educacional e histórico dos desenhos alemães prevalece, razão pela qual eles não caíram em esquecimento.



Bélgica: tradição em bandas desenhadas


A tradição gráfica em francês tem grande parte de sua origem na Bélgica. As tiras começaram as ser publicadas em jornais no início do século 20. Em 1929, o belga Georges Prosper Remi publicou pela primeira vez As Aventuras de Tintim, um dos clássicos das histórias em quadrinhos que mais tarde tornou-se desenho animado.
Tintim: um dos maiores sucessos dos quadrinhos belgas

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Os famosos Smurfs também têm origem belga. Criados em 1958 pelo desenhista Pierre Culliford, o Peyo, as pequenas criaturas azuis viviam em casas-cogumelo no meio de uma floresta e eram liderados pelo Papai Smurf, o mais sábio da aldeia.



A fama dos Smurfs no país é tão grande que, em 2008, o governo belga lançou 25 mil exemplares de uma moeda de 5 euros com a figura de um Smurf. Fabricadas para comemorar o 50º aniversário dos bichinhos azuis, elas custavam 25 euros.

Além do Tintim e dos Smurfs, a Bélgica ainda é o país de origem de dois quadrinhos mundialmente conhecidos: o Gaston Lagaffe e o Spirou e Fantasio. As duas histórias fizeram parte da edição de quadrinhos Journal de Spirou, lançada por Jean Depuis na Bélgica, em 1938.



No ano do lançamento, Depuis pediu a Robert Velter que desenhasse o personagem que dava nome à revista. Spirou era um jovem aventureiro que trabalhava em um hotel e sempre estava na companhia de um esquilo, o Spip.
O francês Asterix ainda atrai milhares de leitores

Bildunterschrift: Großansicht des Bildes mit der Bildunterschrift: O francês Asterix ainda atrai milhares de leitores



Em 1943, Velter passou o personagem para o desenhista Joseph Gillain, o Jijé, e no ano seguinte, Spirou ganhou o seu companheiro inseparável, Fantasio, um repórter fotógrafo que trabalhava no jornal Moustique.



Com o tempo, a tira foi desenhada por vários cartunistas: Andre Franquin (1946-1968), Jean-Claude Fournier (1969-1979), Nic & Cauvin (1980-1983) e Phillipe Vandevelde e Jean-Richard Geurts (1981-1998). Desde 2004, Morvan e Munuera são os novos desenhistas de Spirou e Fantasio, ainda em publicação na Bélgica.


Gaston Lagaffe, também de Andre Franquin, começou a ser publicado em 1957 na revista de Depuis. O personagem era um sujeito preguiçoso que fazia de tudo para não trabalhar e impedir o trabalho dos outros. Protetor da natureza e dos animais, Lagaffe vivia em um pequeno apartamento, cujo escritório servia de casa para um peixe vermelho, alguns ratos, um gato e uma gaivota.


Os personagens franceses


Na França, os desenhistas René Goschinny e Albert Uderzo se consagraram com as histórias de Asterix. Personagem principal dos quadrinhos, Asterix vive junto com seus amigos numa pequena aldeia na Armórica, no norte da antiga Gália, resistente ao domínio romano.


As tiras de Asterix fazem várias alusões ao século 20. Os godos são militaristas que remetem aos alemães no século 19 e 20. Os ingleses são retratados como bretões, personagens educados que conduzem do lado esquerdo da estrada, tomam cerveja quente e água quente com leite. Ao conhecerem Asterix, os bretões finalmente adquirem o hábito do chá.


A Hispânia é um lugar cheio de pessoas de sangue quente e turistas; os lusitanos são pequenos e educados, pois Uderzo dizia que todos portugueses que havia conhecido eram assim. Os próprios franceses também eram abordados com humor: os normandos comem tudo com creme e os corsos são preguiçosos e têm queijos ruins.


Autoras: Lydia Aranda Barandiain / Júlia Neves
Revisão: Simone de Mello
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in Deutsche Welle 2999.03.21
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Banda Desenhada - Blake e Mortimer


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in Público 2004.12.12
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sexta-feira, 20 de março de 2009

Crise econômica ameaça sobrevivência dos jornais gratuitos





20 DE MARÇO DE 2009 - 16h30

Crise econômica ameaça sobrevivência dos jornais gratuitos


No nascimento da onda mundial de jornais gratuitos, a aposta era a de que eles fariam os impressos pagos perderem espaço. Agora, no entanto, a previsão precisa ser revista após a chegada da crise mundial. Notícia do Financial Times, repercutida pelo Valor Econômico, diz que grupos jornalísticos enfrentam dificuldades em toda a Europa, com a recessão e a ida de anunciantes para a internet.


Como salvar jornais que vivem de publicidade?

Para Sly Bailey, executiva-chefe da Trinity Mirror — que publica mais de 110 títulos distribuídos gratuitamente pelo Reino Unido —, jornais de publicação gratuita estão em especial perigo. “Os jornais gratuitos estão nas trincheiras da linha de frente desta guerra, simplesmente porque têm como receita apenas a publicidade.”


A Metro Internacional, maior editora de jornais gratuitos no mundo, anunciou em fevereiro planos para a emissão de ações com direito preferencial de subscrição. A reviravolta ocorreu depois de a companhia admitir que não honrou suas dívidas e não tem capital de giro suficiente para o próximo ano.


Controlado por capital sueco, o Metro circula em 22 países com 81 edições e é lido por mais de 18 milhões de pessoas. A empresa está tentando levantar cerca de US$ 65 milhões, através do lançamento de ações para seus acionistas. No final do mês passado, a companhia anunciou ter sido abordada para vender suas operações. As operações dos jornais do grupo na Espanha, onde detinha 100% do negócio, já foram suspensas.


O Trinity Mirror e o rival Johnston Press, ambos do Reino Unido, que publicam cerca de 230 jornais gratuitos, divulgaram resultados decepcionantes nos últimos meses. Somente a receita da circulação de seus jornais pagos tiveram aumento. Para o analista Simon Baker, do banco Credit Suisse, a demanda permanece relativamente forte para os grupos de jornais regionais na Europa. segundo ele, o que realmente está afetando o setor é a publicidade.


''A verdadeira solução para os jornais é aumentar o preço de capa para alcançar um novo equilíbrio que reflita melhor o balanceamento entre os consumidores que realmente querem ler seu conteúdo — e eles realmente querem — e o declínio da demanda publicitária'', diz Baker. “Obviamente, para uma editora de jornais regionais na qual os periódicos gratuitos eram o modelo de negócios, este é um desafio fundamental.”


Da Redação, com informações do AdNews e do Valor Econômico

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in Vermelho 2009.03.20

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