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sexta-feira, 20 de março de 2009

Morre o poeta palestino Mahmoud Darwish (2008)


14 DE AGOSTO DE 2008 - 18h32

Morre o poeta palestino Mahmoud Darwish


por Lejeune Mirhan*


O fato político da semana é uma proposta de paz que Olmert faz aos palestinos. Mas, não temos como não comentar a morte do grande poeta palestino da resistência, Mahmoud Darwish, ao qual publicamos algumas de suas melhores poesias. Faço a coluna de hoje uma compilação de artigos dos sites Arabesq (www.arabesq.com.br) e Sanaud (http://sanaud-voltaremos.blogspot.com).



Mahmoud Darwish


Faleceu neste sábado, 9 de agosto, o grande poeta palestino Mahmoud Darwish, após uma cirurgia no coração realizada no estado de Texas nos Estados Unidos. O Presidente Palestino Mahmoud Abbas declarou luto oficial na Palestina por três dias. Velas foram acessas em Ramallah, na Cisjordânia, homenageando o poeta que dedicava lindas poesias à sua terra natal, a Palestina, onde foi enterrado.


Darwish é um dos poetas mais importantes que deram voz à causa palestina no mundo, e um dos poetas que contribuíram para construir a identidade da poesia árabe moderna. Nasceu em 1941 na aldeia palestina de Barue, que foi destruída por Israel em 1948 para construir em seu lugar uma aldeia agrícola judaica com o nome de Ahihud. Depois da Catástrofe “Al-Nakba” (15 de maio de 1948), sua família se refugiou no sul do Líbano por um ano. Um tempo depois, ele e sua família voltaram para a Palestina clandestinamente.


Morou na pequena aldeia chamada Der Al-Assad na região de Al-Jalil, tendo se mudado em seguida com sua família para a aldeia Al Jadida, próxima à sua terra natal. Darwish se locomoveu por entre as aldeias de Al-Jalil para estudar o ensino médio, em seguida, viveu na cidade de Haifa onde aderiu ao Partido Comunista, então composto por judeus e árabes.


Trabalhou no Jornal Al-Etihad e na revista Al-Jadid, vinculadas ao Partido na cidade de Haifa. Neste período começou a escrever poesias e ficou conhecido na Palestina como “um poeta da resistência”. Sua poesia irritava os Israelenses, por isso a policia passou a cercar qualquer aldeia que lhe organiza uma noite de poesias. Uma de suas poesias de nome Atravessando as palavras andantes? levantou um forte debate no Parlamento Israelense.


Darwish foi muito perseguido e preso três vezes pelos israelenses nos anos 1961, 1965 e 1967 antes de ser submetido à prisão domiciliar devido as suas declarações e atividades políticas. Ele foi o primeiro entre um grupo de poetas palestinos que escreveram morando em Israel. Era a época em que a Primeira-Ministra Golda Meir dizia que: “Não há nenhum povo palestino”. Em 1972, deixou Haifa e foi para o Egito, onde ingressou na Organização de Libertação da Palestina, e de lá se mudou para Beirute. Após a invasão israelense ao Líbano em 1982, e a saída de militantes palestinos do Líbano, ele foi para o Cairo, depois para a Tunísia e em seguida a Paris.


Em 1988 foi o autor da Declaração de Independência da Palestina, juntamente com Edward Said, o que lhe valeu o título de “Poeta da resistência”. Em toda sua obra Darwish expressa a defesa da liberdade e de sua terra, mas também soube cantar a vida e o amor.


Em 1993 Darwish se demitiu do Comitê Executivo da OLP, em protesto contra o acordo de Oslo, dizendo que: "não é justo (o acordo), pois não prevê o mínimo de identidade aos palestinos”. Em meados da década de 1990, Mahmoud Darwish retornou à Faixa de Gaza, optando depois por permanecer em Ramallah na Cisjordânia e criticou os combates entre os palestinos no poema, Você agora é outro, que foi publicado em junho de 2007.


Darwish obteve vários prêmios, incluindo o Prêmio Lótus em 1969, o Premio do Mar Mediterrâneo em 1980; o Troféu Revolução Palestina em 1981, o prêmio da Europa para a poesia em 1981; o premio Ibn Sina na União Soviética em 1982; o prêmio Lênin na União Soviética em 1983; o premio da Fundação Lann da liberdade cultural em 2001; o Prêmio Príncipe Claus (Holanda) em 2004; o prêmio Al Owais Cultural que foi dividido com o poeta Sírio Adônis, em 2004.


Em 1997 foi produzido um documentário sobre ele na TV francesa, dirigido pela conhecida diretora franco-israelense Simone Bitton e recebeu a medalha de Cavalheiro das Artes e Letras da França e tornou-se membro comendador da Ordem de França das Letras e Artes. É membro honorário do Centro Sakakini.


Darwish publicou diversos livros de poesia entre eles: Carteira de identidade, Pássaros sem asas, Folhas da Azeitona, Meus amigos não morram, Apaixonado da Palestina, As aves morrem na Galiléia, Elogio da sombra superior, Palco de Estado de Sitio e Você agora é outro.


Publicou em 1998 a coletânea poética Sareer El Ghariba (Leito do Estrangeiro), sua primeira coleção de poemas de amor. Em 2000 publicou Jidariyya (Mural), livro que consiste de um poema sobre sua experiência pró¬xima da morte em 1997. Publicou seu livro de poesias Palco de Estado de Sítio em 2002.


Mahmoud Darwish dedicou muitos poemas à causa palestina, à resistência e ao seu povo refugiado e injustiçado. Mesmo tendo uma vida difícil ao lado dos outros palestinos, conseguiu escrever sobre o amor, a esperança, o ser humano e a vida.


Escreveu também sobre a palestina, suas cidades e aldeias, sobre a oliveira e sobre a Laranja de Jafah.


Darwish derrotou a morte por duas vezes com as duas operações graves no coração, mas não resistiu a terceira, porém não permitiu que a morte o vencesse. Mahmoud Darwish permanecerá vivo nos corações e lembranças de todos os palestinos e os árabes.



Publicamos a seguir uma pequena e singela matéria sobre Darwish de autoria da jornalista Elaine Tavares.


Mahmoud: imortal!


Por Elaine Tavares - jornalista

“Venham companheiros de correntes e tristezas
Caminhemos para a mais bela margem
Nós não nos submeteremos
Só podemos perder
O ataúde”.



Ele era assim. Essa voz poderosa chamando para a revolução. Queria ver seu povo livre, soberano, feliz. Queria de volta a sua Palestina, não como concessão de algum político bonzinho, mas porque esse é o direito do povo, usurpado em 1948 pela criação do Estado de Israel. Mahmoud Darwish, poeta, guerreiro, anjo, criança, renitente, insistente. Encantou no último sábado (dia 9) quando seu coração, pesado de tanta dor, deixou de bater. Mas, enganam-se aqueles que pensam que Mahmoud vivia por conta de seu coração. Não. Ele vivia pelas palavras que criava, pelas construções poéticas que erguia e, estas, nunca haverão de morrer.



Ninguém disse nada, mas quando os olhos de Mahmoud apagaram para este mundo, abriram-se para a velha aldeia onde nasceu, Al Barwua, de onde sua família foi expulsa pelas armas de Israel. Um lugar que não existe mais, a não ser nos sonhos do menino que nunca a esqueceu. Encravado no coração da Galiléia, o povoado é hoje um acampamento judeu. Mas, para Mahmoud sempre foi seu torrão natal, seu ninho. E é possivelmente lá que agora ele passeia, entre as oliveiras.



“Registra-me
Sou árabe
O número de minha identidade é cinqüenta mil
Tenho oito filhos
E o nono... virá logo depois do verão
Vais te irritar por acaso?”




Mahmoud foi o poeta palestino que de forma mais radical imortalizou a dor e a luta de seu povo. Até porque nunca se limitou a ser apenas um escrevinhador. Era um animal político, absolutamente conectado com as ações e com a vida real. Seu canto poético brotava das vísceras à mostra, do homem pé-no-chão, do palestino encarcerado, do humano grávido de esperanças. Suas palavras nunca foram criações estéticas. Eram o gume cortante de uma vida real, expressa em sangue e lágrimas. Seu poema nos arranca da apatia e nos convida a lutar, concretamente.



“Ainda verte a fonte do crime.
Obstruam-na!
E permaneçam vigilantes
Prontos para o combate”




Pois agora a mão que rasgava em fogo o papel com o grito da Palestina ocupada já não escreverá mais. Mas precisa? Seu canto de liberdade está cravado na terra fértil dos corações que sonham com o ainda-não, e dali nunca fugirão. Mahmoud passeia em Al Barwa. Mahmoud passeia nas terras antigas, onde vivia uma gente livre. Mahmoud passeia nas cabeças das gentes e grita, com elas. Mahmoud imortal, imenso, menino, homem, pura vontade de ser aquilo que sempre foi: palestino, livre, soberano. Porque a liberdade, afinal, vive lá dentro, no profundo do humano. Mahmoud! Presente! Sua alma imortal dançará no dia da vitória!



“selvagens... árabes”
sim! Árabes
e estamos orgulhosos
e sabemos como empunhar a foice
como resistir
inclusive sem armas
e sabemos como construir a fábrica moderna
a casa
o hospital
a escola
a bomba”



Por fim, brindamos nossos leitores com a, talvez, mais bela de todas as poesias da resistência palestina, desse magnífico e grande poeta Mahmoud Darwish, que honra todos os povos, patriotas e comunistas de todo o mundo, onde ele fala com orgulho de sua identidade árabe e palestina.


Carteira de identidade

Mahmoud Darwish



Registra-me!
Sou árabe
número de minha identidade é cinqüenta mil
tenho oito filhos
e o nono... virá logo depois do verão!
Vais te irritar por acaso?
Registra-me!
Sou árabe
trabalho com meus companheiros de luta
em uma pedreira
tenho oito filhos
arranco pedras
o pão, as roupas, os cadernos
e não venho mendigar em tua porta
e não me dobro
diante das lajes de teu umbral
vais te irritar por acaso?



Registra-me!
Sou árabe
meu nome é muito comum
e sou paciente
em um país que ferve de cólera
minhas raízes...
fixadas antes do nascimento dos tempos
antes da eclosão dos séculos
antes dos ciprestes e oliveiras
antes do crescimento vegetal
meu pai... da família do arado
e não dos senhores do Nujub
e meu avô era camponês
sem árvore genealógica
minha casa
uma cabana de guarda
de canas e ramagens
satisfeito com minha condição
meu nome é muito comum



Registra-me
sou árabe
sou árabe
cabelos... negros
olhos... castanhos
sinais particulares
um keffiah e uma faixa na cabeça
as palmas ásperas como rochas
arranharam as mãos que estreitam
e amo acima de tudo
o azeite de oliva e o tomilho
meu endereço
sou de um povoado perdido... esquecido
de ruas sem nome
e todos os seus homens... no campo e na pedreira
amam o comunismo
vais te irritar por acaso?



Registra-me
sou árabe
tu me despojaste dos vinhedos de meus antepassados
e da terra que cultivava
com meus filhos
e não os deixastes
nem a nossos descendentes
mais que estes seixos
que nosso governo tomará também
como se diz
vamos!
Escreve
bem no alto da primeira página
que não odeio os homens
que eu não agrido ninguém
mas... se me esfomeiam
como a carne de quem me despoja
e cuidado...cuida-te
de minha fome
e minha cólera.



Registro de pesar


Em clima de morte, quero registrar com pesar o falecimento de um primo árabe de minha família. Trata-se de Ricardo Seror Mirhan, de 54 anos, a quem, na minha infância e adolescência, fomos muito amigos. Diferente de mim, Ricardo era descendente de árabes por parte de pai (sírios, meu tio Amil) e de mãe (tia Lili, libaneses). Ricardo orgulhava-se de sua origem e ancestralidade árabe e era muito ligado aos tios árabes de nossa família. Ricardo deixará muitas saudades. Deixa três filhas, todas orgulhosas do pai, de sua origem árabe, que são a Mayra, Fernanda e Paula, a quem, de público, deixo minhas condolências pessoais.




*Lejeune Mirhan, Presidente do Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo, Escritor, Arabista e Professor Membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabe de Lisboa, Membro da International Sociological



* Opiniões aqui expressas não refletem, necessariamente, a opinião do site.
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in Vermelho 2008.08.14
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