Histórias
O poeta da música morreu há 25 anos
José Afonso calou-se a 23 de Fevereiro de 1987. Dele permanece a música, a poesia e as memórias daqueles que o conheceram.
- 19 Fevereiro 2012
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Do homem para quem um amigo era "maior que o pensamento" ficaram mais do que belas canções. "Confesso que o que me marcou foi o calor humano. Ele estava sempre rodeado de gente e a possibilidade de se crescer com debates contraditórios, que ele promovia, sobre temas que envolviam a nata da música e da literatura, arquitectos, operários e pastores, foi um privilégio", recorda Helena Afonso.
A segunda dos quatro filhos de Zeca ainda se emociona ao falar do legado que supera em muito as ausências forçadas de um pai que, no tempo do antigo regime, decidiu cantar à esquerda. "O essencial era a transmissão através de afectos, conhecer pessoas, afastar o medo... Havia quem passasse lá por casa em períodos difíceis, na clandestinidade, e deixasse umas notas", diz.
Vinte e cinco anos depois da morte, o cantor que se tornou o arauto da revolução de Abril ascendeu ao estatuto de lenda. A mensagem política superou o músico e o poeta. Mas essa faceta ficou nos mais próximos, que retêm na memória "a pessoa com enorme empenhamento humano, acentuada empatia pelos outros e sensível ao que se passava à sua volta".
O tio, "que tirava do frigorífico um caril de frango e comia sem aquecer, que passou uma fase vidrado na macrobiótica e recebia com imensa alegria na casa branca de Azeitão" influenciou o sobrinho João Afonso, o único da família que também seguiu a música.
Já doente com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), nos últimos anos, José Afonso lamentava "que o reduzissem a cantor de intervenção, panfletário", lembra Helena.
CAPA E BATINA
Quem apenas conheceu Zeca Afonso nos anos quentes do pós-revolução pouco sabe do purista, estudante de Histórico-filosóficas em Coimbra, que na década de 1950 vestia capa e batina e cantava o fado da cidade do Mondego.
Manuel Alegre conviveu com os dois. "Conheci-o através do meu cunhado, António de Portugal." Juntavam-se para cantar, jogar futebol na Académica e daí nasceu a cumplicidade. Grande leitor de poesia, Zeca era "a princípio renitente, não queria que a canção de Coimbra fosse ligada à luta política. Depois é que deu uma grande volta. Andou pelo Algarve, foi ao estrangeiro e mudou".
Alegre recorda com afecto que para José Afonso a partilha era um dado adquirido. "Uma vez pediu-me um sobretudo emprestado, pelo qual eu tinha grande estima, queixando-se do frio que iria sentir na viagem à Holanda... Quando voltou, o casaco parecia que tinha ido à Primeira Guerra Mundial. Ele era muito desprendido..."
O aspecto composto do cantor que num disco gravou o epíteto ‘Fados de Coimbra por Dr. José Afonso’ deu origem, anos mais tarde, ao sobretudo da revolta e do protesto. Foi a proximidade ao mundo rural da primeira mulher e a docência, de norte a sul de Portugal, onde ouviu os cantares do povo, que lhe empurrou pelos olhos o País real e o levou a ver ‘em cada rosto igualdade’.
Do professor que na década de 1960 entrava na escola das Areias, em Setúbal, de capote alentejano e boina basca, Ezequiel Fernandes, hoje com 55 anos, diz: "Sabia quem ele era, tinha uns irmãos mais velhos e dois ou três singles em casa com baladas e fados de Coimbra. Ele até ajudou a pagar um vidro que tínhamos partido a jogar à bola. Ensinava História fora da sala de aula."
Helena, a filha de 58 anos que foi também sua aluna em Moçambique e Setúbal, recorda um professor interessado na "existência das pessoas". Em 1968, proibido de leccionar, passou a dar explicações em casa. "Mais tarde, isso era incompatível com a vida de cantor, mas dizia que gostava de estar próximo dos alunos. Tinha uma profunda liberdade interior e um sentido genuíno do que é a democracia."
Inspirada pelos tempos em que militou ao lado de José Afonso no Centro Cultural de Setúbal, a agora educadora social reconhece que a música e a política são indissociáveis na vida do pai. "A sua personalidade não pode ser esquartejada em várias partes. Não sabia ler uma nota numa pauta, mas a música era o espelho do meu pai."
A CAMINHO DA REVOLUÇÃO
Foi quando ao grupo de Coimbra se juntaram cantores mais novos, como Adriano Correia de Oliveira, "que todos mudámos", recorda Manuel Alegre.
Era o início da guerra em África, dos tempos da revolta estudantil de 1962 e do lançamento de ‘A Balada de Outono’. "Ele é o grande pilar e obreiro da transformação da música ligeira portuguesa, pela toada musical, pelos poemas. Apanhou aquela toada africana e fez uma revolução na música", diz Alegre.
Pela mão de Arnaldo Trindade, portuense ligado à música e à poesia, o novo José Afonso chega aos ouvidos do público. "Foi uma reunião interessante porque tinha saído ‘Os Vampiros’, disco proibido e que nenhuma editora o queria gravar", conta o fundador do Orfeu.
"Andou por seca e meca e às tantas, aparece-me o Rui Pato, que fazia os acompanhamentos dos seus discos já desde Coimbra, com essa maravilhosa obra que é o ‘Cantar do Andarilho’. Disse logo que era impossível não o gravar, era a coisa mais bonita que já ouvira!"
Arnaldo lembra que gravar com "o Zeca era fácil porque ele era bom. E nessa altura, havia uma linguagem diferente, com subtendidos, que puxava a imaginação tanto do autor como de quem ouvia. Tanto que, no 25 de Abril, viu-se que em muitos casos, o ‘Rei ia nu’, pois como se podia dizer tudo às escancaras, muitos mostraram que não tinham valor".
Não era o caso de José Afonso. Arnaldo Trindade investia no artista e o retorno compensava. "O que lhe pagava dava para ele comprar quatro carros novos por ano. Mas tive a sorte de apanhar o ‘Grândola Vila Morena’ no disco ‘Cantigas de Maio’, que foi o mais caro da época, custou mil contos em 1970, gravado no Chateau de d’Hérouville, em Paris, onde iam os Rolling Stones, e com o José Mário Branco como produtor", conta.
‘Cantigas de Maio’ foi considerado "o melhor disco da música portuguesa e com o 25 de Abril, ‘Grândola’ tornou-se num sucesso mundial". Conotado com a música que serviu de segunda senha para a revolução, José Afonso assumiu maior militância a partir de 1974. Ao lado dos antigos camaradas da música, José Mário Branco, Sérgio Godinho e outros, fez da cantiga uma arma.
"Muitas vezes não era poupado. Na própria esquerda havia quem não o deixasse em paz, chegavam a anunciar espectáculos em três locais diferentes no próprio dia. E ele sentia-se debaixo de pressão quando lhe atribuíam uma responsabilidade superior à que queria", recorda Helena. Por outro lado, diz, "temos de ser justos, também gozava de um certo ar de graça, porque aquela vulnerabilidade tocava as pessoas. Havia amigos que se esmifravam para que ele tivesse um sítio para dormir sem ruído. Havia uma ternura das pessoas".
Arnaldo Trindade recorda acima de tudo "a pessoa extraordinária, diferente, com as distracções dos génios". Na estante, o editor ainda guarda "a primeira prenda" que o músico lhe deu – "o livro ‘Cem Anos de Solidão’ do Garcia Márquez, uma edição brasileira. Encantou-me. E o Zeca Afonso tornou-se num amigo pessoal. Tínhamos ideias diferentes, mas algo em comum. Andávamos à procura da utopia".
PELO ALGARVE
José Afonso tocou, antes e depois do 25 de Abril de 74, com Vitorino. O músico conta que quando estava a cumprir a tropa em Tavira, José Afonso era professor em Faro e actuava, aqui e ali, nas Casas do Povo e de Pescadores um pouco por todo o Algarve. Foi num concerto em Olhão, na Casa dos Pescadores, que travaram conhecimento.
José Afonso, que lia e compunha música e letra como poucos, confessou que não era capaz de afinar a viola. Vitorino ajudou-o e nasceu ali, no início dos anos 60, uma amizade.
Dessa relação e dos vários concertos, Vitorino lembra os Prémios de Imprensa de 29 de Janeiro de 1974, no Coliseu dos Recreios, em Lisboa (nove anos e dois dias antes, e no mesmo local, da última actuação, quando se encontrava doente). "Foi a primeira vez que se cantou ‘Grândola Vila Morena’ perante um tão grande público", recorda Vitorino, acrescentando, com indisfarçável gozo, que a sala estava "meio cheia de militares à civil e que os PIDE presentes estavam acagaçados".
A exemplo do seu irmão mais velho, Vitorino, também Janita Salomé conheceu José Afonso nos anos 60, em Quarteira, quando com o irmão fazia parte de um grupo de baile que colaborava com o então professor em Faro. Recorda o "carisma e trato fácil" – "parecia frágil, mas tinha uma enorme coragem até do ponto de vista físico", como de resto mostrou "durante a crise académica".
Júlio Pereira foi das pessoas que "mais conviveu com José Afonso nos últimos oito anos de vida". Deste tempo, recorda certo concerto na Galiza (Espanha), onde compareceram apenas sete pessoas. José Afonso não quis cancelá-lo – tocaram todo o reportório previsto e com direito a ‘encore’.
A morte saiu à rua num dia assim – a 23 de Fevereiro de 1987, José Afonso foi a enterrar em Setúbal. Diz quem lá esteve que "a cidade assistiu em peso ao maior funeral de que há ali memória". Jorge Moniz, músico e professor no Conservatório de Setúbal, recorda: "A cidade tinha parado. As lojas estavam quase todas fechadas." O músico, então com 13 anos, já participou na homenagem que todos os anos acontece naquele cemitério, no dia da morte. Segundo a Associação 8 de Janeiro de Alhos Vedros este ano e "por maioria de razão" vai sair à rua. Como sempre, desde há 25 anos.
DEPOIMENTOS
“ZECA AFONSO NÃO GOSTAVA DE SER REDUZIDO A CANTOR PANFLETÁRIO" (Helena Afonso, 58 anos, filha e educadora social)
- O que do seu pai, Zeca Afonso, transparecia em família era mais o lado musical ou político?
- Era indissociável, completamente. A personalidade do meu pai não pode ser esquartejada em várias partes, é um todo e esse empenhamento político era também um empenhamento humano, uma acentuada empatia pelos outros. Ele era uma pessoa que sentia, que era sensível ao que se passava à volta, ao destino das pessoas, ao sofrimento alheio.
- Foram as injustiças da sociedade de então que o levaram a tomar este caminho?
- Completamente. Na ditadura salazarista e mais tarde na marcelista também havia uma sociedade extremamente castrada e vigiada, uma sociedade com profundas desiguldades sociais. Era uma ditadura que punha as pessoas na prisão e toda a obra dele passa isso. Mas não só. Ele tinha uma personalidade muito própria. Creio que o meu pai todo ele era música. Há uma parte da obra dele, as canções líricas, as últimas obras, que são pouco conhecidas. Houve alguma coisa natural que o identifica com as canções chamadas de intervenção e que são simbólicas para as pessoas, porque espelham a necessidade de justiça, descontentamento, etc. Mas ele também era poeta, e tem um mundo onírico, lírico, que é muito mais vasto e ultrapassa largamente o resto. Isso atravessa o período todo. Desde os anos 50, quando ele começa a cantar o fado, até aos últimos discos. Toda a sua obra tem uma componente lírica que é muitíssimo forte.
- Ele não gostava de ser apenas conhecido pelo lado político, panfletário?
- Claro, não gostava que o reduzissem a isso. Considerava que as pessoas também não o ouviam muitas vezes com atenção. Não gostava de ser reduzido a chavão nenhum. O seu empenhamento politico e a sua capacidade de intervenção também, faziam parte duma extrema humanidade. Era extremamente sensível à injustiça social, tinha a noção de que ele próprio era oriundo de uma classe mais privilegiada e sabia ouvir os outros, sabia a história das pessoas, sabia os seus destinos, sabia o que custava ser trabalhador de uma fábrica, ou ser crianças e estar no trabalho infantil, que era uma coisa muito habitual. Ele era extremamente sensível a isso. E escapou à categoria de intelectual de Lisboa, pois, esteve em muitas terras, observou o seu País, e integrou inclusivamente as canções, a nossa música popular. Passou pelos sítios, ouviu as mulheres a cantar e trouxe esse Portugal mas dando-lhe o seu cunho de homem criador da música. Era isso que ele era da cabeça aos pés, era algo que fluía naturalmente e nem o conseguia imaginar de outra maneira. Ele não era uma pessoa que se pudesse enquadrar numa definição única, fazia muitas vezes perante si próprio de advogado do diabo. Tinha muito humor, não gostava das janelinhas, das caixinhas e das classificações. Era uma pessoa muito cumpridora, como homem ligado à criação, à poesia, à linguagem, e era também um homem muito culto. Claro que lhe repugnavam as classificações limitativas e tinha um espírito curioso e aberto. Era inquieto, gostava mais de incluir a diferença e a individualidade. Isso é uma coisa que marcava as pessoas.
- Dizem os amigos que ele era muito educado...
- Isso era uma característica inata, uma espécie de liberdade que ele tinha e também criada por muitas expectativas dos outros. Era uma personalidade que emanava energia natural, algum desprezo e modéstia. E essa mistura atraia as pessoas, que se sentiam à vontade, contagiadas. Era um céptico positivista, porque tinha um sentido de humor imenso e acreditava que a intervenção de cada um modificava qualquer coisa. Exigia muito a si próprio e também aos outros à sua volta. Às vezes não conseguia que uma pessoa não se deixasse envolver, não se deixasse tocar pelos acontecimentos, pelos sofrimentos das pessoas. Porque ele tanto se interessava pelo vizinho que estava na esquina, como pelo grupo de teatro que não tinha fundos, como pela ocupação de uma casa abandonada e que dava para fazer uma clínica. O meu pai era uma pessoa que tinha uma adesão em primeiro lugar humana. No fundo, em cada um há sempre duas pessoas a degladarem-se e, por muito que se fale das suas distrações dele, ele tinha uma extrema disciplina. Para as coisas em que ele achava que valia a pena tinha uma energia insuspeita.
- O percurso dele mudou com o 25 de Abril, quando se tornou mais militante?
- Sabe que eu tinha 20 anos no 25 de Abril e assisti a um movimento, uma explosão contagiante de alegria e de consciência de que estava tudo por fazer. A militância é o que se faz hoje a nível organizado numa sociedade democrática: são os direitos, os deveres, os apoios. No fundo, nada disso existia. E como nada existia estava tudo por fazer. Era quase impossível ficar-se alheio de repente à subita possibilidade, ao espaço e à criatividade que havia de criar isto tudo. Nós tinhamos um profundo atraso em relação ao resto da Europa.
- Viveu no estrangeiro. Isso marcou-a?
- Vivi em Moçambique e 27 anos na Alemanha. Dos 26 anos até 2007. O que me levou, foi também a vontade de ir. Fui criada em Moçambique e tinha uma grande desadaptação. Na altura em que me fui embora Portugal começava a enveredar por outro modelo e tinha necessidade de conhecer outros meios. Vivi numa casa, e isso tem a ver com o meu pai, que era extremamente aberta, estrangeiros que passavam, amigos de toda a parte, não havia categorias em relação às pessoas. Estávamos muito marcados por isso e para nós ir lá para fora era quase natural. Havia uma grande vontade, não esperava era ficar tanto tempo mas aconteceu.
- Ficou essa marca?
- A militância que as gerações mais novas vêem como política para nós era algo diferente. Vivíamos num Portugal extremamente atrofiado, analfabeto, de classes. O meu pai dizia que isto era um país de drs e gostava que o tratassem por Zeca. Não confundir com populismo. E às vezes as pessoas oscilavam em relação a ele. Mesmo nas pessoas do regime, havia quem fosse hostil e agressivol e quem lhe tinha respeito e alguma afeição, porque havia no meu pai um lado vulnerável, uma certa solidão no meio das multidões que o rodeavam.
“CRIAVA GRANDES EXPECTATIVAS”
- Vocês sentiam-se próximos dele ou achavam que era sempre inalcançável?
- Ele tinha qualquer coisa muito peculiar, uma marca de fragilidade. Não sei o que lhe diga quanto a isso. Tinha a ver com a vida dele e talvez até com o universo de uma pessoa muito sensível, ligado à poesia e à música. Não há dúvida de que ele era também um grande criador e essas pessoas devem ter também uma vida própria. Ele era bastante vulnerável, até em relação ao sofrimento, ao seu papel interventor. Criava grandes expectativas, todos queriam estar com ele, queriam fazer parte e ele sentia-se obrigado a fazer disso.
- A vossa casa estava sempre cheia...
- Esteve sempre rodeado de facto de muita gente e muitas vezes não era poupado. Em relação ao regime naturalmente eram tempos duros e em relação à própria esquerda, havia as pessoas que não o deixavam em paz, espectáculos que eram anunciados em três sítios diferentes no mesmo dia. E ele sentia-se debaixo de pressão quando lhe atribuiam uma responsabilidade superior à que ele queria. Dizia ‘sou um cantor’ e tinha alguma frustação por não ser ouvido em relação à sua criação que era muito mais complexa do que a obra de intervenção. Por outro lado, também temos de ser justo, gozava de um certo ar de graça porque aquele ar de vulnerabilidade tocava as pessoas. Havia amigos que se esmifravam, para que ele tivesse um sítio para dormir sem ruído, era uma ternura muito grande das pessoas, que tinham uma certa necessidade de o proteger. Não destaco ninguém, porque foram muitos anos de muita gente anónima. A vida era feita numa cidade da província, com gente das fábricas, que iam ao café, misturava-se tudo. Era judoca, sempre fez desporto e nesses clubes do judo muito democráticos, as pessoas tinham uma relação própria à volta do desporto, discreta, não havia expectativa de espécie nenhuma. O Zeca era uma pessoa nunca confinada a um só grupo.
- Como professor, Zeca Afonso era exigente? Com toda esta vida de andarilho conseguiu ser um pai presente?
- Ele foi meu professor tanto em África como em Portugal. Há pouco tempo estive numa homenagem em Mangualde, com antigos alunos que me contaram que ele ia jogar futebol com eles, via os pontos no café e interessava-lhe sobretudo a vida dos alunos. Era muito preocupado com a existência das pessoas.
- De alguma maneira ele teve pena de deixar o ensino?
- Foi proibido de trabalhar. No final de 1968 é-lhe retirada a licença para leccionar e passou a dar explicações em casa. Disse toda a vida que tinha saudades do ensino. Mais tarde, isso era incompatível com a vida de cantar, mas dizia que gostava de ser professor, era próximo dos alunos, acho que ele foi em muitos aspectos um homem à frente do seu tempo. Tinha uma profunda liberdade interior e um profundo sentido genuíno do que é uma democracia e chocava-se muitas vezes com o nosso espírito resignado.
- Houve de alguma resistência por parte da família à sua opção? Os seus avós aceitavam?
- O meu avô era juiz desembargador, invulgarmente culto e uma pessoa que dominava tudo, o francês, a literatura, com inteligência e grande generosidade. Tenho uma visão dos meus avós que só aparentemente era formal. Obviamente que se preocupavam, porque sentiam que era um filho mais desprotegido e naquele tempo era perigoso. Havia os conflitos naturais entre pai e filho, porque o meu pai não era obviamente um modelo daquilo que os pais entendiam ser uma vida organizada.
- Por ter vivido em Moçambique era de certa maneira mais livre?
- Fui para África com dois anos e voltei quase com 14. Senti uma grande diferença. O regime lá não sofria grandes perigos, a maior parte da populaçao branca era privilegiada... Havia coisa negativas do colonialismo mas também hava coisas positivas. Era um meio que gozava de certas liberdade mas que era paralelo a outro que só podia gerar movimentos de libertação em relação a nós. A própria geografia africana é uma coisa espantosa, a música...
- Isso também marcou a obra do seu pai?
- Completamente, aliás fez parte do seu crescimento político e musical. O meu pai gostou muito de estar em África, ao mesmo tempo que sofreu muito. Foi dificil, havia falta de dinheiro, havia o colonialismo, que o radicalizou. Era um grande tabu.
- Todas essas experiências marcaram a sua personalidade?
- Sou marcada no sentido em que tenho tudo muito presente. Era algo geracional e o meu pai era uma pessoa particular. Mesmo correndo o risco de dizerem que eu sou excessiva, porque sou filha, o meu pai era uma espécie de cometa que só de vez em quando passa cá. Era uma pessoa que conjugava uma série de aspectos que não costumam ser habituais, com uma criatividade, uma genialidade na música e uma modéstia como pessoa. Eram padrões bastante raros.
- E a família da sua mãe? Eram de origem diferente?
- A minha mãe era oriunda de uma família muito pobre, que corresponde a um Portugal ainda muito cinzento. Estamos a ver isso no tempo do General Humberto Delgado e do Cardeal Cerejeira. Era um país cinzento, repressivo e movimentos como o Partido Comunista iam parar à praia. Nessa geração em que ele era estudante era impossível fugirem àquilo. Mesmo em termos morais era uma sociedade de classes extremamente estruturada e dividida, portanto naquela altura um casamento deste tipo chocava a sociedade.
- Ele, no final da vida, estava de certo modo desencantado?
- Estava desencantado, porque empenhou toda uma vida. Não havia nada que frustasse mais o meu pai do que o negativo. E por vezes massacravam-no... ele sabia que a sua figura podia servir para alguma coisa ele de facto tinha uma enorme capacidade para juntar as pessoas. E quando não encontravam o eco, despejavam em cima dele e ficava exasperado porque sabia que, com uma outra atitude, tudo se movia.
- A sua mãe sofreu com isso?
- Fui para África muito cedo, não sei pormenores. Eles eram muito jovens, 18 anos, apaixonaram-se e após sete anos de vida em comum e dois filhos aquilo foi ao ar. Havia diferenças possivelmente até de expectativas. Creio é que se calhar o ambiente da minha mãe, que era de uma aldeia, Mortágua, levou o meu pai a ter contacto com outro mundo, com a profunda clivagem que havia entre estatutos sociais. Ele pode ter sido tocado porque tinha essa sensibilidade particular. Creio que isso é percepetivel na sua obra e, volto a insistir, que a música era o espelho do meu pai.
- Nenhum dos filhos seguiu música?
- Não. Só o meu primo, o João Afonso. Todos temos bom ouvido, mas naquela época não era como hoje, as possibilidades não eram muitas.
- Com esta toda inconstância, o que ganhou?
- Confesso que o que me ficou mais marcado foi o calor humano. Naquela altura havia um elemento imprescindível que era o elemento humano. A possibilidade de se crescer com debates contraditórios, opiniões diversas, que o meu pai praticava em pequena escala, com temas a nata da música, da literatura, arquitectos, operários até ao pastor da serra, crescer com isso foi um privilégio. Não houve tema que não se tenha debatido. E eu e o meu pai fundámos o Círculo Cultural de Setúbal, onde dávamos alfabetização a adultos, promovíamos debates com Teresa Horta, com Alexandre O’Neill, sobre feminismo, alimentação racional. Isto antes do 25 de Abil e com pides a assistir. A esse nível foi um privilégio. Misturava-se tudo, mas o elemento essencial era a transmissão através de afcetos, conhecer pessoas, afstar o medo.. Havia pessoas que passaram lá por casa em periodos difíceis, na clandestinidade, e depois deixavam umas notas. Nós tinhamos isso.
“ERA FÁCIL GRAVAR COM O ZECA PORQUE ELE ERA BOM” (Arnaldo Trindade, editor da Orfeu)
A reunião com Zeca Afonso foi muito interessante, porque ele tinha saído do célebre disco ‘Os Vampiros’, proibido pela censura, e depois disso nenhuma editora o queria gravar. Nessa altura, o responsável perante a censura era o editor, não era nem o autor, nem o letrista, nem o cantor. Era pura e simplesmente o editor. E atribuindo ao editor o papel de bode travava-se tudo. Pois não há discos sem editor.
Portanto ninguém queria gravar o Zeca Afonso. Andou por seca e meca, ninguém o gravava, e às tantas aparece-me o Rui Pato, que fazia os acompanhamentos dos discos dele, já desde o fado de Coimbra e entrou nos discos de intervenção, com essa maravilhosa obra que é o ‘Cantar do Andarilho’. Ouvi e disse logo que era impossível não o gravar, era a coisa mais bonita que ouvira ultimamente. Era tão bonito que decidi gravar mesmo.
Sempre achei que quem não deve não teme, e como não era engajado politicamente, apesar de não gostar do regime, como 80% da população, decidi gravar.
Tinha as minhas ideias, na infância e juventude passava as férias de Verão nos EUA, em casa de um tio, sabia o que era a democracia. E portanto, se ninguém gravava o Zeca Afonso, eu tomava essa responsabilidade. Gravei e criei talvez o melhor disco de música portuguesa.
O Zeca Afonso tornou-se um amigo pessoal, tinhamos algumas ideias contrárias, mas tinhamos algo em comum. Andávamos à procura da Utopia (risos). Comecei a conviver muito com ele e com a famíla. Ele era uma pessoa deliciosa e, para mim, um dos melhores músicos e poetas portugueses. Era um génio e uma pessoa muitissimo simples. Tornei-me amigo dele e a primeira prenda que ele me deu foi ‘Cem anos de Solidão’, do Garcia Marquez, uma edição brasileira, que não conhecia. Encantou-me.
ENCONTRO DA CULTURA
Nessa altura, a Orfeu era um ponto de encontro da cultura e sabia que para ter uma boa equipa tinha de pagar. Gravar com o Zeca era fácil porque ele era bom. Nesse disco não tive problemas com a censura. E, posteriormente, tive a sorte de o José Niza estar connosco. Ele tinha relações boas com gente da censura e levava muitas letras que sabia que iam ser cortadas para deixar passar outras. Nessa altura, havia uma linguagem diferente, própria, com subtendidos. E isso puxava a imaginação tanto do autor como de quem ouvia. Criou-se uma cultura interessantissima. Tanto que no 25 de Abril quebrou-se essa barreira e viu-se que, em muitos casos, o ‘Rei ia nu’, muitos não tinham nada para dizer. Como se podia dizer tudo às escancaras, perdeu-se o interesse de procurar as palavras, o sentido, e houve uma queda enorme na qualidade.
Na Orfue o investimento era grande mas tive a sorte de apanhar ‘Grândola Vila Morena’ em ‘Cantigas de Maio’, o disco mais caro da época, que custou mil contos em 1970. Era um balúrdio na altura. E esse ‘Cantigas de Maio’ foi gravado no Chateau de d’Hérouville, em Paris, onde tinha sido gravado o último disco dos Rolling Stones. A qualidade era extraordinária e o José Mário Branco é que foi o produtor. ‘Cantigas de Maio’ foi considerado o melhor disco de sempre de música portuguesa e com o 25 de Abril, ‘Grândola’ tornou-se um sucesso mundial.
“UMA PESSOA DIFERENTE”
Zeca Afonso era músico e sobretudo poeta. Era uma pessoa extraordinária, que não sabia ler uma pauta e tinha as músicas todas correctas. E ele não sabia uma nota, tocava guitarra e mal. O Zeca era uma pessoa diferente, esquecia-se das letras,... tinha as distrações próprias dos génios.
Como pessoa era do melhor qua havia, gentílissima, muito sofisticado intelectualmente, não era aquele revolucionário ‘mata e esfola’. Comprava sempre discos de canto celo, Bach, Mozart... Não era nada popular.
Atenção, que o Zeca era um senhor e gostava de o ser. Mas tinha uma modéstia talvez preparada, sempre fiquei com essa impressão. Ele tinha recebido uma educação de primeira qualidade, o pai era juiz, esteve nas nossas ex-colónias, era uma pessoa muito interessante, entre dois mundos económicos, sociais. E essa passagem por África também o marcou, porque contactou muito com os autóctenes. E muito da sua música era baseada na música negra, brasileira e da áfrica portuguesa, Moçambique e Angola.
O Zeca Afonso era muito amigo do seu amigo. E a equipa que ele arranjou, os grandes artistas portugueses, ajudavam-se uns aos outros, o Fausto, o Sérgio Godinho, o Adriano. E por todos eles o Zeca era considerado o maior, o chefe, o líder, porque era o melhor e todos o reconheciam.
O Zeca Afonso tinha também um sentido de humor nada português, nunca o ouvi dizer uma asneira, nem daquelas que saiem durante o trabalho, e convivi muito com ele. E era nervoso, para gravar tinha sempre de trazer uma caixa de pastilhas.
Recordo que foi uma época muito interessante da música e nós, na Orfeu, mudámos a indústria, saimos do ‘rame rame’ do fado e folclore. O Zeca tinha a obrigação de gravar um LP por ano e recebia uma mensalidade, que dava para durante um ano comprar quatro automóveis, mais os direitos de autor, e houve depois vários contratos em que ele foi melhorado. Ele não viva mal, mas não podia trabalhar porque não deixavam. Foi expulso dos liceus e estes contratos possibilitaram-lhe ter uma vida... Foi assim para ele, para o Adriano Correia de Oliveira, para o José Calvário. Nós fomos uns mecenas.
“O ZECA AFONSO FEZ UMA REVOLUÇÃO NA MÚSICA” (Manuel Alegre, poeta e político)
Zeca Afonso era mais velho do que eu e conheci-o em Coimbra sobretudo pela sua ligação ao meu cunhado, António de Portugal. Muitas vezes juntavam-se em minha casa, para ensaiar, cantar e daí nasceu a nossa amizade, convivência e até cumplicidade. José Afonso começou por cantar o fado de Coimbra, era um grande leitor de poesia e, ao princípio, era um bocado renitente, não queria que o fado ou a canção de Coimbra, como quisermos chamar, fosse ligado à luta política. Distinguia as duas coisas. Depois, é que deu uma grande volta. Saiu de Coimbra, andou pelo Algarve, fez também uma viagem ao estrangeiro, com o meu cunhado António Portugal, e levou até um sobretudo meu. Era um sobretudo pelo qual eu tinha grande estima e o Zeca Afonso, para quem a partilha era natural, pediu-mo, queixando-se do frio que ia sentir na viagem à Holanda. Devolveu-mo, mas o casaco parecia que tinha ido à primeira guerra mundial. Ele era muito desprendido...
Entre nós havia essa partilha. Ele ia muito a minha casa e mantivemos sempre essa convivência. Depois, mais tarde, apareceu também o Adriano Correia de Oliveira. E todos nós mudámos. Começámos a escrever novos poemas, trovas e ele faz ‘A Balada de Outono’, que difere das primeiras obras, com uma toada muito lírica. A revolução vem mais pela toada musical, ele liberta-se, vai ao tom trovadoresco e só depois é que vem a política.
“UM HOMEM LIVRE"
O Zeca Afonso nunca pertenceu a nenhum partido político, foi sempre um homem livre, independente. Era de esquerda, foi preso, censurado e depois é que se empenhou totalmente na luta política. Entretanto, também fui à guerra em Angola, voltei e foi nessa altura que se deu a grande volta, que apareceram as canções contestatárias. Em 1962 há a grande crise estudantil. E em 1963, lembro-me de termos apresentado a ‘A Trova do Vento que Passa’ numa cerimónia aos caloiros na faculdade de Medicina, em Lisboa. E viemos todos. Eu estava com residência fixa em Coimbra, para onde tnha sido enviado depois de ter sido preso. Mas viemos mesmo assim. Cantou o Adriano, cantou o Zeca e foi toda a gente a cantar para a rua. E é a partir daí que surge o seu grande momento. Ele é o grande pilar e grande obreiro da transformação da música ligeira portuguesa, pela toada musical, pelos poemas que fazia, que tinham alguma coisa a ver com magia, com canções medievais, histórias de bruxas... Aquilo foi evoluindo, esteve em Moçambique, apanhou aquela toada africana e fez uma revolução na música portuguesa.
O Zeca Afonso era completamente desprendido. Não tinha sentido prático, não tinha ambição, nem apego pelos bens. Lembro-me, quando ele já estava doente, de eu e a minha mulher irmos levá-lo a casa e esta estava cheia de gente. Ele para se isolar ia para a casa-de-banho. E até o alertei: ‘tens de ter direito à tua casa’. Mas ele, pouco concentrado, não ligava. Era de uma grande generosidade, capaz de dar tudo se visse alguém com necessidade.
“UM AMIGO ESPECIAL”
Foi sempre um daqueles amigos especiais. Ele teria mais nove anos do que eu. Se calhar hoje não se notava. Mas o Zeca Afonso tinha aquilo a que eu chamo o dom da inocência, dos artistas. Havia algum toque de irresponsabilidade, que o impelia para a frente. E era um homem muitissimo inteligente, sabia perfeitamente o que fazia. Medo todos nós tinhamos. Mas isso, que se fazia então, não era prova de não ter medo. A coragem é ser capaz de ultrapassar o medo. E ele também era, tal como o Adriano, corajoso. Mais jovem e irreverente, naquela altura o Adriano foi mais atirado para a frente. Eram feitios diferentes, mas tiveram o mesmo papel, embora o Zeca Afonso seja um músico mais completo, sobretudo pela maneira como fez evoluir a música portuguesa, desde o fado de Coimbra. E hoje é uma lenda, uma figura mítica. Há um culto do Zeca Afonso que passou para os mais novos, pelo que ele cantou, por aquilo que ele fez e também por a sua maneira de ser, pelo seu desprendimento.
A maior lembrança, que ainda guardo, é sobretudo de o ouvir cantar. Lembro certa noite, na Associação Académica, em que ele e o Adriano trouxeram canções novas, ouvidas pela primeira vez e foi uma noite mágica.
Ele era grande adepto da Académica e jogava bem. Era um bocado desconcentrado, mas passavamos-lhe a bola e gostava. E das últimas conversas que tivemos, quando estava já muito doente, foram sobre a Académica.
“ERA UMA GRANDE ALEGRIA ESTAR COM ELE” (João Afonso, sobrinho e músico)
O mais marcante sai do âmbito do músico, artista e do grande criador que o meu tio foi. Nos últimos tempos, quando ia para Azeitão ter com ele e com a minha família, a dele, sentia que havia uma alegria mútua. Eu e os meus irmãos (somos quatro rapazes) eramos uma esponja em relação a tudo o que ele dizia. E às vezes era um bocado influenciado. Nessa altura era para mim uma grande alegria estar com ele. O que me marcou mais eram esses momentos.
O Zeca Afonso era uma pessoa culta, informada e humana. Era essencialmente um humanista, no verdadeiro sentido da palavra. Não era sectário, faccioso, era humanamente muito grande. Gostava muito de conversar e eu era um espectador sempre atento.
O Zeca Afonso era irmão da minha mãe, Mariazinha, e há outro irmão, João Afonso dos Santos, que escreveu sobre ele o livro ‘Um olhar fraterno’. A família era também muito consensual, havia conversas, nem sempre com unanimidade, e surgiam discórdias, mas os irmãos eram unidos . A nova geração era mais contestatária e gostava de provocar. O meu tio, por seu lado, sempre foi uma pessoa aberta, mesmo na fase mais ‘engajada’, no pós-25 de Abril.
Como só vim para Portugal em 1978 foi a partir de então que tive mais contacto com ele. O meu tio viveu em Moçambique e dessa época tenho vagas recordações. Nasci em 1965 e a minha mãe contava que ele partiu o pé a jogar judo e então ficava comigo ao colo para ela tratar das coisas. Mais tarde, e isso lembro-me muito bem, porque os meus pais me contaram e foram avivando a memória, ele estava em nossa casa e aparecerem dois homens cinzentões a perguntar por ele. Nós, na ingenuidade da crianças, dissemos e os pides levaram-o para o aeroporto. Foi muito dramático, o meu avô e a minha mãe ficaram muito abalados. Lembro-me muito bem desse dia.
INFLUÊNCIA MUSICAL
Musicalmente, a minha influência é fundamentalmente ‘Zeca Afonsina’ e até a minha linha africana vem do que ouvi em Moçambique e também dos temas dele, como ‘Lá no Xepangara’, de tal maneira que tive necessidade de me afastar e só recentemente voltei aos seus temas, com o ‘Redondo Vocábulo’, em que dou voz aos seus poemas e canções.
Naturalmente, tenho grande orgulho nessa herança. Sei que tenho um timbre que faz lembrar o meu tio e isso dá-me grande prazer mas obriga-me a exigir seguir o meu caminho. O meu tio é genial e eu sou o sobrinho. Gosto de fazer a minha música.
Zeca Afonso tinha necessidade de ter amigos à volta e era um bocado distraído. Era uma pessoa intelectualmente verdadeira, às vezes na lua porque perdia-se em relação às coisas reais.
Quem trabalhou com ele sabe que tinha grande riqueza melódica, ritmo no corpo e alguma pena de não saber escrever música.
No dia a dia não era esquisito. Teve uma fase macrobiótica, horrível, a comer algas. Era capaz de ir ao frigorifico e comer um caril de frango frio. Bebia um copo de vinho, mas pouco, não fumava, apesar de em algumas fotos aparecer de cigarro na mão. E gostava muito de bacalhau, no Natal.
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