23.10.2012 - 15:33 Por Alexandra Prado Coelho
Onde antes estavam encaixadas casas-fortes cheias de dinheiro surge agora o que resta de um antigo altar-mor. Onde anteriormente estacionavam carros, abre-se agora, clara e limpa, a nave principal do templo - depois de mais de dois anos de trabalhos, o Banco de Portugal apresentou ontem a convidados a obra de recuperação da antiga Igreja de São Julião, na Baixa de Lisboa.
O edifício, que durante anos serviu de armazém do Banco de Portugal, sendo violentado de diversas maneiras, foi agora recuperado com um projecto dos arquitectos Gonçalo Byrne e João Pedro Falcão de Campos, e receberá, a partir do segundo semestre de 2013, o Museu do Dinheiro.
As imagens do que era a igreja até há relativamente pouco tempo impressionam. Pela porta principal, virada para a Praça do Município, entravam os carros, que estacionavam no interior. E, ao fundo, no que tinha sido a capela-mor, estavam, rompendo literalmente a parede, as caixas-fortes. "O que fizemos foi uma limpeza sucessiva para remover o betão, as argamassas, o cimento. Não fizemos mais do que relevar", disse João Pedro Falcão de Campos durante a visita.
O projecto - com um custo final de perto de 34 milhões de euros, mais IVA - fez ainda "crescer" um piso as partes laterais da igreja, que passaram assim a cumprir o plano que o marquês de Pombal fez para a Baixa depois do terramoto de 1755 e que até agora a Igreja de São Julião não cumpria. Na esquina do lado direito de quem está virado para a igreja surge agora um óculo de vidro azulado - um dos detalhes mais polémicos da obra. "Não fizemos [o novo piso] de forma mimética, assumimos a contemporaneidade", explicou Falcão de Campos, reconhecendo, contudo, que "a concretização ficou aquém" das expectativas.
O aumento de um piso permite que a visita à igreja e aos espaços onde será instalado o Museu do Dinheiro se faça de forma circular. Foi criado um corredor elevado junto à fachada principal, separado da igreja por uma parede de vidro, que serve não só para ligar as duas alas, como para reforçar a fachada principal, que corria riscos de derrocada em caso de sismo.
"Jogo de equilíbrios"
A igreja, originalmente do século XVII, mas reconstruída depois do terramoto, está integrada num quarteirão que pertence, todo ele, ao Banco de Portugal - foi, aliás, o último dos nove edifícios que o banco foi adquirindo entre 1868 e 1933, "fechando" assim o quarteirão. A recuperação foi uma tarefa de grande complexidade, não só pelas descobertas arqueológicas (ver caixa) mas também pelas exigências actuais de segurança e conforto. Onde colocar toda a parafernália técnica necessária?
A solução foi sacrificar dois dos edifícios do quarteirão, contíguos à igreja, colocando neles toda a parte técnica, do ar condicionado aos elevadores, escadas de emergência e cabos. Não era possível enterrar tudo, por um lado, porque, segundo Falcão de Campos, "o nível freático é muito elevado" na zona e, por outro, as descobertas arqueológicas não o permitiam. A parte técnica ficou assim concentrada nos chamados "edifícios-sacrifício". "Esta obra é um jogo de equilíbrios", afirmou o arquitecto.
A ideia é que o público passe a usar a porta antes usada pelos carros para entrar na igreja e aceder quer ao Museu do Dinheiro, quer às próprias instalações do Banco de Portugal, que podem ser vistas por detrás de um longuíssimo pano dourado, criado (tal como os painéis laterais nas antigas capelas) pela artista plástica Fernanda Fragateiro. A nave central é um espaço polivalente, que pode servir para concertos ou exposições temporárias.
O museu será, disse Luís Abreu Nunes, responsável pelo projecto de conteúdos, uma "porta para a literacia financeira". Embora inclua peças do espólio do Banco de Portugal - para já o único objecto que pode ser visto é a enorme porta da antiga casa-forte onde se guardavam as reservas de ouro do país -, não será um museu "contemplativo", mas antes um espaço interactivo, no qual será contada a história do dinheiro e das trocas no mundo.
A muralha de D.Dinis
Cheira a humidade no corredor por detrás do altar-mor da Igreja de São Julião, na Baixa, onde os arqueólogos trabalham na muralha de D. Dinis, descoberta durante as obras de restauro do edifício-sede do Banco de Portugal. Já se suspeitava que esta antiga muralha da cidade pudesse estar ali, e pouco depois de as obras começarem surgiu a confirmação.Classificada como monumento nacional, a muralha será agora musealizada e poderá ser vista por quem visitar a igreja/Museu do Dinheiro. A opção tomada foi a de manter um troço de 30 metros, mas sacrificar dez metros de muralha. Esta prolongava-se até ao tardoz da igreja, explicou Artur Rocha. Segundo este arqueólogo que acompanha a obra, no passado o Tejo chegava até aqui, e a muralha foi construída precisamente para proteger a população de ataques vindos do mar. Durante as escavações foram encontrados mais de 100 mil fragmentos cerâmicos, dos períodos islâmico e romano, e ainda um vestígio do Paço Real da Ribeira, que vinha encostar à muralha. E, levantado o chão da igreja, foram descobertos e exumados mais de 300 corpos. "São enterramentos feitos durante o século XIX", afirma o arqueólogo. "Não há nenhuma evidência de enterramentos anteriores ao terramoto." Alguns dos corpos estavam em posições curiosas - uma mulher, por exemplo, foi enterrada com as mãos atrás da cabeça. Curiosa também é a descoberta de um corpo de homem com uma prótese na anca.
Museu do Dinheiro nasce em 2013 [com vídeo]
22 de Outubro, 2012
Tânia Ferreira
©José Sérgio/SOL
Dentro de um ano vão abrir as portas do novo Museu do Dinheiro do Banco de Portugal, em plena Baixa Pombalina de Lisboa. Localizado no espaço da antiga e recuperada Igreja de São Julião, «o museu terá entrada livre e pretende ser um centro de literacia financeira, contando a história do dinheiro e a sua relação com a sociedade e as pessoas, mas também um espaço aberto à cidade e com forte programação cultural e educativa, em parceria com outras entidades artísticas, nomeadamente para receber exposições temporárias de outras temáticas, concertos e peças de teatro», revelou o governador do Banco de Portugal (BdP), Carlos Costa, na cerimónia sobre a obra de Reabilitação e Restauro do edifício da sede.
O Museu do Dinheiro – que faz parte do quarteirão financeiro onde está a sede do Banco de Portugal – soma uma área total próxima dos dois mil metros quadrados.
O BdP promete que este espaço vai ser «um lugar interactivo, e não contemplativo, com uma forte componente virtual e uma museografia não convencional, assente em tecnologia inovadora, na criação de ambientes surpreendentes e na participação do visitante na construção do conhecimento».
O horário de funcionamento do museu – que vai ter uma cafetaria aberta ao público – ainda está em estudo, mas fonte do Banco de Portugal indicou ao SOL que deverá estar em linha com os restantes museus da zona da Baixa lisboeta, com quem estão agora a ser desenvolvidos contactos para o estabelecimento de parcerias. E é esperada uma média anual entre 50 mil e 100 mil visitantes, de acordo com as estimativas preliminares do banco central.
O processo de reabilitação e restauro da sede do Banco de Portugal durou perto de cinco anos e implicou um investimento na ordem dos 33,9 milhões de euros (mais IVA), tendo o projecto de arquitectura sido da responsabilidade da dupla de Gonçalo Byrne e Falcão de Campos. No total foram contratadas pelo supervisor do sector financeiro mais de 130 empresas, quase todas nacionais, e envolvidas mais de duas mil pessoas nos trabalhos.
«Ao longo dos cerca de 150 anos de vida do Banco de Portugal no edifício-quarteirão foram realizadas sucessivas intervenções que alteraram profundamente a filosofia estrutural dos edifícios», argumentou Carlos Costa, apontando o exemplo da Igreja de São Julião «cuja morfologia foi sendo danificada». Antes destas obras, o espaço da igreja que agora vai ser o Museu do Dinheiro servia, nomeadamente, como garagem, arquivo e casas-fortes.
Outra das ‘pérolas’ deste núcleo museológico é o troço da Muralha de D.Dinis, património nacional, que será possível ver na visita ao Museu.
«No decurso dos trabalhos foi identificado um troço, do qual se conseguiram manter cerca de 30 metros», adiantou o arqueólogo Artur Rocha, dando nota de que «foram feitos outros mais de 100 mil achados com interesse histórico dos níveis moderno, medieval e romano, bem como uma necrópole do século XIX, com 300 exumações».
«A instalação do Museu do Banco de Portugal, desencadeada em 2007, insere-se no projecto da Câmara Municipal de Lisboa de revitalização da Baixa Chiado e é uma peça fundamental na nossa estratégia para dinamizar o coração da cidade», rematou o presidente da autarquia da capital, António Costa, na mesma cerimónia.
tania.ferreira@sol.pt
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