Discurso de Lula da Silva (excerto)

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domingo, 30 de dezembro de 2007

Woody Allen - Não vejo os meus filmes



* Paulo Portugal

É um dos realizadores mais famosos da actualidade, um actor desconcertante, um músico apaixonado pelo jazz de Nova Orleães. Esse é o Woody Allen que todos conhecem. Aquela figura meio desajeitada que regressa agora a Portugal em dose dupla: primeiro com o concerto de fim-de-ano no Casino Estoril, dia 31; e depois com ‘O Sonho de Cassandra’, novo filme que estreia nas salas nacionais a 10 de Janeiro.
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Mas há um outro Woody Allen. Aquele que vive escondido num ‘boneco’ aparentemente frágil, introvertido e tímido. Aos 72 anos, o realizador revela-o ao Correio Êxito, numa entrevista de vida em que se mostra como poucos até hoje tiveram o prazer de ver. E onde se explica pouco importado com o que pensam dele e com o que faz. Prova disso, a música que o traz ao Estoril: “Este será um concerto com a minha orquestra – a New Orleans Jazz Band – e iremos tocar o jazz de Nova Orleães. Eu sei que é algo que não interessa a ninguém, excepto para mim e os meus amigos.”

Allen confidencia ainda que escreve deitado na cama e não tem o costume de rever alguns dos seus maiores clássicos, como ‘Manhattan’, ou ‘Annie Hall’. Porquê? “Não volto a ver os meus filmes porque sei que apenas me irão destroçar o coração.”

"NÃO SINTO SAUDADES DE FAZER COMÉDIA EM PALCO"

Woody Allen vem tocar ao Casino Estoril na passagem de ano e estreia novo filme a 10 de Janeiro. Antes de ‘O Sonho de Cassandra’ chegar às salas, conheça mais sobre um homem que não vê com bons olhos o cinema do seu país, que adora escrever deitado e que dá muito valor ao ar que respira. A isso e ao jazz de Nova Orleães.

- Correio Êxito – O que poderão esperar os espectadores do seu concerto de réveillon em Lisboa?

- Woody Allen – Já não é a primeira vez que venho a Lisboa...

- Sim, esteve também no réveillon há três anos...

- Exacto. Este será um concerto com a minha orquestra (a New Orleans Jazz Band) e iremos tocar o jazz de Nova Orleães. Sei que é algo que não interessa a ninguém, excepto a mim e aos meus amigos. Será um misto de ritmos. Teremos jazz, blues, espirituais, ragtime, música de bordéis.

- O que interpretarão?

- Temas do Jelly Roll Morton, King Oliver, entre outros. Esta é a música que eu gosto. Imagino que nem um centésimo de um por cento das pessoas estarão interessadas neste tipo de música. Mas não deixa de ser um momento especial.

- Passando da música para o cinema: no seu último filme, ‘O Sonho de Cassandra’, Ewan McGregor e Colin Farrell são dois irmãos que vivem um drama parecido à mitologia grega. Concorda?

- Woody Allen – Não sei. Acho que estes irmãos fazem parte da típica classe média britânica. São pessoas normais. Apenas dois rapazes indiferenciados. Um deles, Ian (Ewan McGregor), sacrifica-se durante anos para ajudar o pai no restaurante, enquanto que o outro, Terry (Colin Farrell) é mais distante, repara carros e faz a sua vida com a rapariga que ama. Só quando se envolvem no drama deste filme é que sentimos que se trata mesmo de uma tragédia grega. Aí passam de irmãos fraternos a inimigos que tentam matar-se um ao outro.

- Li algures que escolheu Ewan McGregor porque o vira em palco no musical ‘Guys and Dolls’. Mas presumo que conhecia a carreira dele E em que filmes o poderia ter visto?

- ‘Moulin Rouge’

- Nunca vi o ‘Moulin Rouge’.

- ‘Star Wars’

- Também nunca vi o ‘Star Wars’. Acho que a primeira vez que o vi foi mesmo em ‘Guys and Dolls’. A escolha de Colin Farrell também foi súbita, já que teve apenas um minuto de audição consigo. No entanto, segundo afirma, limitou-se a fazer uma espécie de imitação sua. É verdade?.

- O que me lembro é que ele estava a brincar quando começou e disse que apenas faria um teste de um minuto pois tinha a ideia de que eu não gostava de falar com actores. Lembro-me de que brincámos um pouco, mas eu fiquei impressionado com o seu estilo, pois ele parecia exactamente aquilo que eu tinha escrito.

- Por falar em escrita, o Woody Allen é um realizador que escreve muito. De resto, o seu último livro, ‘Pura Anarquia’ foi um sucesso em Portugal. Como é que divide então o seu tempo, tendo em conta aquilo que escreve, o que lê, a procura de novos projectos e, claro, o tempo de rodagem de um filme?

- Na verdade, a maior parte do meu tempo é passada a escrever. A actividade de realizador é a que dispenso menos tempo. São apenas alguns meses durante o ano. Normalmente, estou em casa com a vida típica do escritor.

- E como é esse dia-a-dia?

- Levanto-me e começo a escrever o guião que tenho em mãos. Penso nele e reescrevo-o. Entretanto, escrevo também para a revista ‘The New Yorker’. Depois, quando tenho o guião terminado, passo para a produção, o que normalmente decorre em apenas três meses.

- Três meses, apenas?!

- Correcto. Por exemplo, estive recentemente em Espanha também durante três meses. Pode até dizer-se que são esses meses em que estou realmente a trabalhar. Depois, regresso a casa e começo a montar. Um processo que é ainda mais rápido. Em seis ou sete dias monto o filme todo. Depois disso, finalmente, regresso à minha condição de escritor.

- Sente-se um escritor, portanto.

- Sim, a vida de escritor é bastante boa.

- Escrever é para si um processo doloroso?

- Muito doloroso e cansativo. Deito-me na cama e consigo pensar numa palavra que vou escrever.

- Escreve na cama, é?

- Sim, estou deitado na cama a escrever. Quando escrevo o meu guião, tudo me parece óptimo. No entanto, quando chego ao local de filmagem, esse diálogo pode ser apenas uma referência para o actor usar as palavras que quiser. Na escrita narrativa tudo tem de estar no seu lugar. É um trabalho muito mais duro do que eu pensava ao início.

- Vive, então, uma espécie de mundo de fantasia.

- Exactamente. Uma fantasia fechada, com total liberdade criativa. Só quando tenho de fazer o filme é que as coisas se tornam complicadas. É aí que surgem os compromissos, os erros, os problemas. Depois, o filme perde alguma da beleza que tinha na página. Não é a obra-prima que pensava antes. É algo mais estranho e desajeitado, cheio de erros, oportunidades perdidas e escolhas atabalhoadas.

- Bom, não será essa uma realidade negra demais?

- Não. Por vezes é mesmo o que sinto. Mas é essa a diferença entre a ficção e a realidade. Quando escrevo não lido com o mundo real. Posso escrever durante algumas horas, depois parar e tocar clarinete, comer, passear. Quando estou a fazer um filme, é como se tivesse um emprego. Tenho de lá estar às sete da manhã, trabalhar ao frio e à chuva, a ouvir alguém a dizer que estamos atrasados. É muito difícil.

- Considera-se uma criatura de hábitos? E considera que esses hábitos se estendem em outras áreas da sua vida também?

- Sou uma criatura de hábitos, isso é verdade. Pergunte à minha mulher e ela lhe dirá. Gosto de fazer as mesmas coisas todos os dias. Acordar, correr na passadeira, levar os miúdos à escola, trabalhar, tocar clarinete, comer nos mesmos restaurantes. Uma coisa é certa: quando se é uma criatura de hábitos, muito do trabalho fica feito.

- E quando a sua rotina é alterada tem ataques de ansiedade?

- Não gosto quando ela é quebrada. Quer dizer, sou capaz de quebrar a minha rotina, mas sem a destabilizar. Se quero ser produtivo, tenho de aceitar essa rotina.

- Muitos dos seus filmes, tal como ‘O Sonho de Cassandra’, têm um papel importante na dicotomia de crime e castigo. Alguma vez cometeu algum pequeno crime ou alguma ilegalidade?

- Quando somos jovens, todos nós roubamos pequenas coisas, sejam doces em lojas ou um livro de quadradinhos. Não porque tenhamos necessidade ou porque não possamos comprar, mas para imitar outros miúdos ou porque é divertido fazê-lo. Mas nunca fiz nada ilegal por necessidade, pelo menos nada de sério. É verdade que teria sido interessante uma vida de crime. Tem o seu lado romântico, artístico e estimulante. O acto de executar roubos perfeitos, a fraude perfeita é um desafio interessante. Agora, não sei se teria a coragem para o fazer, mas seria mais interessante para mim do que trabalhar num escritório todo o dia. Mas talvez gostasse.

- Depois de ‘Match Point’, porque escolheu fazer outro filme sobre a cobiça? O que o interessa tanto nesse tema?

- É uma das vertentes do drama, tal como o adultério, homicídio, a cobiça, o desengano, a paixão. São elementos que enriquecem as histórias. E a cobiça é uma boa motivação, pois toda a gente tem ambição e deseja progredir, têm os seus sonhos e fantasias. É isso que promove grande parte das histórias.

- Ainda vai muito ao cinema?

- Sim, apesar de o estado do cinema americano não ser o melhor. Há muita gente talentosa, mas que tem algumas dificuldades em fazer os seus filmes. Talvez por isso os melhores filmes que vejo nos Estados Unidos sejam aqueles que vêm de fora. Um dos melhores que vi nos últimos tempos foi ‘A Vida dos Outros’. A indústria do cinema americano tornou-se completamente comercial, no pior sentido. Para já, não vejo uma alternativa ao que se faz. O futuro, no entanto, repousa nos jovens cineastas que tentam fazer coisas novas, mas lutam contra tremendas adversidades.

- Nos anos 60 fez ‘stand-up comedy’. É algo que só pertence ao passado? Não gostaria de voltar a fazer esse tipo de espectáculos?

- Não sinto saudades de subir ao palco para fazer comédia, porque nessa altura estava no negócio do cabaret. Era esgotante pois tinha de fazer dois espectáculos por dia, e três ao fim-de-semana. Era uma actividade itinerante durante 40 semanas num ano, fazendo todos os dias os mesmos números. Ia sempre para a cama às cinco da manhã, dormia parte do dia. Agora, talvez até gostasse de fazer algo semelhante, até porque poderia seleccionar melhor o meu espectáculo.

- Sente alguma nostalgia

- Pode ser, mas não é fácil. Até porque a escrita para este tipo de humor é muito exigente, pois tem de segurar-nos durante uma hora, sempre a fazer as pessoas rir. É muito difícil manter esse nível de gargalhadas do público durante tanto tempo. E claro que não tenho disponibilidade para fazer isso agora, mas é tentador e dá uma sensação óptima ter as pessoas diante de nós a rir. Melhor é impossível.

"PARA MIM O IMPORTANTE É TER SAÚDE"

- Pode dizer-se que os filmes são um pouco sobre a procura do sentido da vida? É algo que sente que já encontrou?

- Não, e o problema é que quanto mais velhos ficamos, mais esse problema se agrava. Tudo se torna mais deprimente.

- O que é que hoje em dia dá mais valor na sua vida?

- Bom, acho que é o ar. Para mim, o importante é ter saúde. É o meu valor prioritário. O conhecimento seria a minha segunda escolha, depois o dinheiro e, a seguir, o amor. Serão essas as quatro coisas mais importantes para mim.

- Tem algum plano para voltar a filmar na América?

- A verdade é que consigo arranjar financiamento nos Estados Unidos, só que a diferença é as pessoas que financiam também querem participar. Não gosto de trabalhar assim. Gosto de escrever o guião, mas não gosto que o leiam, nem de dizer quem vou contratar. Na Europa, isso não constitui problema.

- Como encara os seus filmes antigos? Há algum que goste particularmente?

- Há alguns de que me sinto particularmente orgulhoso. É o caso de ‘A Rosa Púrpura do Cairo’, ‘Maridos e Mulheres’, ‘Balas Sobre a Broadway’. Mais recentemente, ‘Match Point’ e ‘O Sonho de Cassandra’, possivelmente porque são os mais negros.

- Não gosta do ‘Annie Hall’?

- Não desgosto, teve de resto um enorme sucesso comercial. Mas acho até que essa é logo uma das razões para desconfiar (risos). Deu enorme prazer fazê-lo, mas não é um dos meus preferidos.

- E o ‘Manhattan’?

- Não lhe posso responder porque nunca o vi, pelo menos desde que o fiz. Não volto a ver os meus filmes porque sei que apenas me irão destroçar o coração.

PERFIL

Alan Stewart Konigsberg nasceu a 1 de Dezembro de 1935, em Brooklyn, Nova Iorque. Cedo percebeu que o espírito humorístico lhe poderia render algum dinheiro. Assim começou a uma carreira de ‘stand-up comedy’, nos anos 60, até que se estreia como realizador, em 1966, com a paródia ‘What’s Up Tiger Lily?’ A sua filmografia, com mais de 40 títulos, está cheia de pérolas como ‘Annie Hall’ (1977), onde ganhou o Óscar pela realização e Melhor Filme, para além de ‘Manhattan’ (1979) ou ‘A Rosa Púrpura do Cairo’ (1985). Vive há dez anos com Soon-Yi Previn, a filha adoptiva de Mia Farrow, actriz com quem teve uma longa ligação e um filho.
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in Correio da Manhã 2007.12.29
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Foto de WA clarinetista - Pedro Catarino

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